A relações internacionais Regiane Mello diz ter acordado de uma ilusão. |
Em 2014, a relações internacionais Regiane Mello estava completamente
desencantada com a política. Ela havia se mudado de Brasília para São
Paulo há um ano, mas não tinha feito nenhuma questão de transferir seu
título de eleitora para que pudesse participar do pleito daquele ano.
Eleitora do PT desde que começou a votar, no início dos anos 1990,
ela estava frustrada com a “lama” na qual entende que o partido se
meteu, de escândalos de corrupção a defesa de valores morais desconexos
aos dela. “Eu não queria acreditar. Durante um bom tempo, eu defendia,
dizia que não era nada daquilo que estavam dizendo, que o PT era vítima
de uma injustiça. Mas chegou uma hora em que não deu mais para defender.
Aquilo me desiludiu tanto que eu nem quis votar, não queria mais saber
de política.”
Foram os dois filhos, jovens com menos de 20 anos, que apresentaram
ela, de 42, a pensadores que pregavam um misto de ideias liberais na
economia e conservadoras nos costumes — em especial o filósofo Olavo de
Carvalho, autor de obras como O Mínimo Que Você Precisa Saber para não
Ser um Idiota (Record, 2013) e guru dos jovens de direita na internet.
“Eu assisti aos vídeos, li os livros, e aquilo abriu muito os meus
olhos.”
Neste ano, com o título devidamente transferido, Regiane engrossa a lista de antigos eleitores do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) que não cogitam reconduzir o petista ao Planalto e, mais, que
estão decididos a votar no candidato por quem Olavo faz campanha, o
capitão da reserva e deputado federal Jair Bolsonaro
(PSL). A VEJA, alguns desses eleitores listam motivos para a mudança
aparentemente radical, que passam, em maior ou menor grau, por questões
morais, corrupção, crise na economia e falta de segurança pública.
Para Regiane, que é cristã, a transição se explica por ela ter
“acordado de uma ilusão”. “Eu me aproximava da esquerda pela ideia de
ajudar ao próximo, de me preocupar com os mais pobres, apesar de me
incomodar com a defesa de causas como (a descriminalização do) aborto”.
Hoje, anos depois de mergulhar na literatura conservadora, avalia que
essa percepção foi fruto de “uma doutrinação”. “Estudei na escola sob
uma ótica petista, de esquerda. Só muito depois fui perceber isso.”
Autora de uma pesquisa acadêmica sobre o papel na América Latina dos
movimentos feministas na luta pela igualdade entre homens e mulheres,
ela rejeita os rótulos de “machista” e “racista” impostos por críticos
do deputado. “Ele é vítima de muitas frases retiradas de contexto. Ao
assistir aos vídeos inteiros, percebi que ele reagiu às provocações que
eram feitas, que as frases isoladas não representavam aquilo que ele
estava dizendo.”
‘Pai da nação’
Mesma visão tem a locutora de rádio Mariana Fernandes, de 24 anos, de
Capitão Andrade (MG). “O que levou as pessoas a chamarem ele de
machista foi entender ele mal a respeito daquela história da diferença
de salário (entre homens e mulheres). Ele só explicou o que acontece,
não disse que achava certo ou que as mulheres eram menos merecedoras. Só
falou que os empresários têm gastos maiores porque as mulheres ficam
grávidas, precisa contratar alguém para o lugar, pagar salário durante a
licença maternidade, não que está certo, que tenha mesmo que pagar
diferente.”
Mariana conta que passou a infância distribuindo panfletos de Lula
enquanto vendia verduras de porta em porta com a família. “Eu sempre
idolatrei ele. Via como o ‘pai da nação’. Só que, com o tempo, as
máscaras vão caindo. Percebi que ele ajudava o povo com dinheiro roubado
do próprio povo”, critica, sobre os valores pagos mensalmente pelo
programa Bolsa Família. “O PT pegava os impostos, roubava bilhões e
vinha dar 110, 130 reais para as pessoas”.
Mariana Fernandes: contra discussões de gênero na escola. |
Para ela, o patrimônio de 7,9 milhões de reais construído pelo
ex-presidente (segundo a sua declaração de bens à Justiça Eleitoral) é
incoerente com a trajetória do petista. “Se você for ver, o Lula não
tinha nada e agora tem tanta coisa. Tudo bem que um presidente é bem
pago, mas essa história de que alguém paga 100.000 reais só para ver a
palestra de alguém é irreal.”
Junto com a mãe, outra ex-petista, a locutora está decidida a votar
em Bolsonaro, apesar de ter ressalvas a algumas das propostas do
candidato do PSL, como a flexibilização do porte de armas, mudanças na
lei trabalhista e as privatizações — o que pesa para ela é a defesa da
família e a valorização das polícias.
“Me preocupa muito a questão da educação. Ideologia de gênero e
educação sexual nas escolas. Minha mãe me mostrou um bilhete, que estava
na bolsa de uma criança de cinco anos aqui da região, com um convite
para a menina ir em uma palestra sobre sexo. Isso não pode acontecer, e o
Bolsonaro não vai permitir. Ele vai defender a família”.
A jovem tirou o título de eleitor para votar em Dilma Rousseff e
apoiou a ex-presidente em suas duas eleições, mas em 2015 se filiou ao
PRB, legenda ligada ao eleitorado evangélico (e que formalmente apoia
Geraldo Alckmin, do PSDB, para presidente). Desde o ano passado ela
exerce um mandato de vereadora em Capitão Andrade.
‘Não compensava mais’
Para o autônomo em informática Fawzi Maufel Ali, de 43 anos, que vive
em Brasília, a desilusão com o PT veio antes de Regiane e Mariana. Ele
conta ter identificado o partido como foco de corrupção com as primeiras
notícias sobre o escândalo do Mensalão, em 2005, mas, mesmo assim, foi
mais longe em seu apoio nas urnas: votou no partido até a reeleição de
Dilma Rousseff, há quatro anos.
A explicação: “Eu via o custo-benefício. Achava que valia a pena
aceitar aquilo em troca dos resultados econômicos que o governo do PT
tinha”. A grande mudança veio durante a crise econômica iniciada em
2015. “Foi aí que eu percebi que os bons tempos na economia não tinham
nada a ver com uma competência do PT, eram influenciados pelo cenário
internacional e por coisas deixadas de antes. Sem a eficiência que eu
imaginava na economia, não compensava mais”, argumenta ele.
Em sua decisão de voto para esse ano, decidiu que apoiaria um nome
que defendesse o liberalismo econômico, com a privatização de estatais e
a redução dos gastos públicos. Só que apenas isso não bastava: entre
João Amoêdo (Novo) e Bolsonaro, ficou com o segundo por enxergar uma
defesa melhor das causas que acredita. “Quero o liberalismo como
alternativa, mas não é só isso. Estou preocupado com a falta de
segurança e com a crise nos valores morais. Nesse aspecto, o Bolsonaro é
muito mais firme que o Novo.”
Fawzi faz a ressalva que não considera o postulante do PSL como “uma
alternativa perfeita”. “Mas, hoje, é a única que nós temos”, diz. Entre
as ponderações que faz está a observação de que ele acredita,
diferentemente de Bolsonaro, que, sim, o Brasil viveu uma ditadura
militar e que não é um bom caminho. “O meu pai foi afetado pela
ditadura. Eu sei que ela ocorreu. Houve, sim, e não é como ele diz. Só
que eu não acredito também na narrativa da esquerda, defendo um
meio-termo”.
‘Uma verdadeira facção’
“A corrupção vem de antes, é claro, mas aumentou muito no governo do
PT”. A constatação é do técnico em segurança eletrônica Abimael
Nascimento, de 46 anos, de Pouso Alegre (MG). “Eu votei no Lula na
primeira eleição. Dois anos depois, com o Mensalão, eu me arrependi.
Elegi um partido que é uma verdadeira facção”, lamenta.
Para Abimael, o que pautou seu voto no petista e o leva neste ano a
Bolsonaro é um mesmo sentimento de “revolta”. “Quando eu votei no Lula,
eu estava revoltado e achava que ele também. Pensava que ele ia ajudar
os mais pobres, mas acabou só afundando a dignidade do povo”.
Nesse caso, então, o que faria a história ser diferente dessa vez?
Abimael aposta no discurso nacionalista. “O Bolsonaro e a equipe dele
estão mais preparados. Ele traz um discurso ético e patriótico, fala
sobre a importância de andar direito em prol do seu país. É diferente.”
Só que nem todos o ex-eleitores de Lula que vão votar no capitão da
reserva estão tão esperançosos quanto Abimael. “Ele provavelmente vai me
decepcionar, como todos os que vieram antes”, lamenta o veterinário
Bruno Milagres, que tem 37 anos e vive em Belo Horizonte (MG). Para ele,
a opção a Bolsonaro permite que ele evite votar no PT ou no PSDB sem
ter que recorrer ao voto nulo.
O voto de Bruno em Lula foi no pleito de 2002. “Votei por um
sentimento de consciência coletiva, de achar que ele era o melhor para
todos os brasileiros. Lula prometia que ia mudar o Brasil, que ele não
era desses que estavam na política, um cara com uma história humilde”.
Triste com os escândalos que envolviam o PT, o veterinário mineiro
passou a votar no PSDB e em Aécio Neves mas também se decepcionou.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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