Tal como os latino-americanos em geral, os brasileiros são ressentidos
em relação aos indivíduos que amealharam fortuna. Não à toa, as toscas
ideias socialistas sempre vingaram por aqui. A propósito, leiam artigo
de Leonardo de Siqueira Lima publicado pela Gazeta do Povo:
Você está numa sala fechada com uma pessoa desconhecida (digamos que
se chame Maria). De repente, chega uma terceira pessoa e oferece R$ 1
milhão para ser dividido entre vocês dois. A regra do jogo é a seguinte:
você deve fazer uma proposta de divisão e Maria diz se aceita ou
rejeita a oferta. Se Maria aceitar, a divisão é feita. Se Maria recusar,
ambos vão para casa de mãos vazias.
Oras, a teoria dos jogos diz que, independentemente da sua divisão, é
racional Maria aceitar a oferta; afinal, pouco é melhor do que nada e,
no fim das contas, ela estaria mais rica do que antes! A teoria diz
também que você, sabendo disso antecipadamente, faria a menor oferta
possível, pois tem ciência de que Maria aceitaria qualquer divisão. Essa
seria uma oferta racional.
Se estivéssemos preocupados apenas com o resultado absoluto das
coisas, é isso que esperaríamos. Você faz uma divisão, Maria recebe uma
pequena parte e acaba aceitando. Em último caso, nenhuma oferta deveria
ser rejeitada. Mas esse resultado assume que as pessoas estão apenas
preocupadas com posições absolutas. Esse teste foi repetido diversas
vezes ao redor do mundo. O teste é conhecido como “Teste da Torta”,
pois, no lugar do valor em dinheiro, geralmente utilizava-se uma torta.
O que se verifica na prática, porém, é algo diferente do que
dissemos. Na maioria dos casos, quando uma oferta muito injusta é feita,
a outra pessoa geralmente a rejeita. Mais precisamente, quando as
ofertas foram menores do que 30%, metade das pessoas as rejeitava.
Isso mostra um fato. As pessoas, além de se preocupar com posições
absolutas, também se preocupam com posições relativas, ou seja, com a
desigualdade. O teste da torta mostra que uma pessoa prefere não receber
nada (para ver uma divisão mais justa) do que ver um colega levando
quase que a torta inteira enquanto ela fica com uma pequena fração.
Independentemente de esse ser o melhor comportamento ou não, esse é
um fato comprovado. A pergunta natural, portanto, que surge disso tudo
é: por que rejeitamos uma sociedade desigual? Há algumas explicações
para isso. Uma delas tem a ver com biologia evolutiva e não com
economia.
Por um grande período da história humana, as pessoas viviam em
pequenos grupos. Para aumentar as chances de sobrevivência era
necessária uma certa propensão a contribuir com o grupo. Ao fim, um
grupo bem-sucedido significa maior chances de sucesso de um indivíduo.
Portanto, do ponto de vista evolucionário, um indivíduo mais fraco
prejudica o bando todo. Por isso a preferência das pessoas em ajudar os
mais fracos. É uma questão de sobrevivência, e não de altruísmo em si.
Herdamos isso dos nossos antepassados.
A nossa preferência por igualdade ao rejeitarmos ofertas injustas
explica muito de nossas reações no dia a dia contra pessoas ricas.
Recentemente, vimos todos os candidatos à Presidência declararem seus
patrimônios, como obriga a legislação eleitoral. João Amoêdo, um
ex-executivo de banco, declarou R$ 425 milhões. Já o ex-chefe do Banco
Central Henrique Meirelles diz ter R$ 377 milhões. A fortuna coloca os
dois no grupo dos supersupersuper-ricos.
Do outro lado, Guilherme Boulos diz ter apenas R$ 15,4 mil e Cabo
Daciolo não declarou patrimônio algum. Sem entrar no mérito se as
declarações são verdadeiras ou não, esse é o cenário perfeito para quem
gosta de rótulos. O capitalista contra o trabalhador. Patrão versus
proletário. O grande comendo o pequeno. É João Amoêdo e Meirelles
ficando com 99% da torta e o restante dos brasileiros com 1%.
Seguindo a mesma lógica dos nossos ancestrais que viviam em bandos,
deveria ser assim: o patrimônio dos candidatos pode nos fazer torcer
para Boulos e Daciolo e excluir Meirelles e Amoêdo das nossas
possiblidades. O próprio PSol fez um material de campanha sugerindo que
apenas Boulos seria o presidente certo para os pobres.
Ao aplicar a lógica evolucionária e detestar candidatos ricos, cometemos muitos enganos. Ainda que sem saber, cometemos.
O primeiro ponto é: quem é mais corrompível? O que fez a sua vida na
iniciativa privada e, não precisando de dinheiro, resolveu entrar para a
política? Ou aqueles que dependem dela para viver?
Mas mais do que isso. Que mensagem a passamos para as pessoas e
nossos filhos se condenamos aqueles que tiveram sucesso na sociedade de
maneira honesta? Execrar um candidato rico significa praticar a cultura
do fracasso. Perpetuamos a ideia de que ter sucesso é feio, imoral e
pessoas vencedoras são um mal para a sociedade.
Esquecemos, porém, que aqueles que acumularam um patrimônio –
principalmente na incitativa privada – o fizeram por gerar valor para a
sociedade. E, diferentemente dos esportes, a iniciativa privada não é um
jogo de soma zero em que, se alguém ganhou, é porque alguém perdeu.
Pelo contrário, é um win-win game. Não há empresário que tenha ficado
rico (honestamente) sem ter feito a vida daqueles que vivem ao seu redor
também melhores. Uma sociedade com muitos Amoêdos e Meirelles é melhor
do que uma com poucos como eles.
Há no instinto humano uma tendência a punir aqueles que não
contribuem com o grupo ou com a sociedade. O teste da torta mostra isso.
Mais do que simples altruísmo, o motivo pelo qual há uma tendência em
“punir” aqueles que não contribuem com o grupo é uma questão de
sobrevivência.
Não acredito, porém, que o patrimônio deva ser critério algum de
voto. Mas, se for, votemos naqueles mais ricos. Pelo menos eles já
provaram que conseguiram agregar valor para a sociedade e sabem gerir
bem um patrimônio. As chances de destruir o país são bem menores.
Leonardo de Siqueira Lima é mestre
em Economia pela Barcelona Graduate School of Economics e associado do
Instituto de Formação de Líderes (IFL-SP).
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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