Coluna de João Pereira Coutinho, publicada na Folha de S. Paulo:
1. Como é triste a
luta contra a ordem natural das coisas. Na França, sempre que uma modelo
aparece em imagem comercial que tenha sido alterada digitalmente, esse
abuso deve ser confessado na própria imagem. "Photographie retouchée",
"fotografia retocada", eis a expressão para lutar contra a "ditadura da
beleza".
Para as autoridades,
as mulheres "normais" vivem oprimidas por ideais de beleza inatingíveis.
O sofrimento físico e psicológico que isso provoca –distúrbios
alimentares, ansiedade, depressão– exige medidas severas.
Dito e feito: se as
francesas puderem ver uma Marion Cotillard sem Photoshop, dormirão
descansadas depois de se confrontarem com a imagem de um ogro. "Vejam só
como ela é grotesca!", dirá o bagulho redimido, com os olhos vidrados
de asco.
Não tenciono
perturbar as fantasias dos simples. Muito menos lembrar que essa
exigência legal, com multas até R$ 140 mil, é de um paternalismo
arrepiante para as mulheres. Prefiro contar uma história –a minha.
Sou colunista há 20
anos; faço televisão há praticamente metade. Isso levou-me a observar, e
em certos casos a conhecer, fauna midiática diversa. Modelos,
jornalistas, atores. Conclusão?
Existe a ideia
difundida de que, sem maquiagem ou truques digitais, os belos não seriam
tão belos. Eles mentem –e merecem ser denunciados como os falsários que
são.
Não se iluda, leitor
ou leitora. Ainda não conheci um só exemplar que comprove a esperança
dos ressentidos. Em pessoa, os belos são quase sempre mais belos do que
aquilo que aparentam. Em muitos casos, o excesso de maquiagem ou de
Photoshop só estraga ou atrapalha.
A delirante medida
francesa, tratando as mulheres como crianças, é uma expressão do
"espírito do tempo": da ideia paranoica de que "nada é natural", tudo é
uma "construção" (social ou, no caso, digital).
Na raiz dessa ideia
está a mesma recusa em aceitar a inevitável injustiça da vida: a
constatação melancólica de que existe alguém mais belo, mais
inteligente, mais rico ou mais talentoso do que nós.
Eu, se fosse
publicitário em Paris, começaria a produzir imagens comerciais com
modelos "au naturel". Ou talvez não. Se o mundo descobrisse que a beleza
existe mesmo, o mais certo era ilegalizá-la. Ou, no mínimo, criar cotas
para a feiura.
*
2. Almoço quase
sempre sozinho. Escolha pessoal. Gosto de fazer uma pausa no dia para
revisitar, em sossego, a minha mobília mental.
Hoje, porém, o cardápio foi outro: na mesa do lado, uma mãe conversava com o filho como se fosse da idade do filho.
Sim, eu sei: é comum
nos adultos de meia-idade a tentação humana, demasiado humana, de
negarem a idade. Nos homens, então, a coisa atinge proporções de farsa.
E, se existem filhos
adolescentes, com namoradas adolescentes, pior ainda: eles vestem-se
como os filhos, querem ser amigos dos mesmos amigos, seguir as mesmas
"tendências", partilhar os mesmos gostos e desgostos. Com sorte, quem
sabe, ainda ficam com as sobras sentimentais.
Mas a neurose da
idade não é apenas uma questão de vestuário. Também é de vocabulário. A
mãe, para criar uma ilusão de "juventude" e "cumplicidade", partilhava
com o filho as suas primeiras experiências sexuais. Com linguagem e
pormenores de fazerem corar o marquês de Sade.
O rapaz, que teria
uns 16 anos, escutava tudo com o olhar baixo e envergonhado. A mãe, sem
entender aquela "timidez", aconselhava mais "espírito de aventura".
Sem efeito. Quando o
filho percebeu que eu percebia o que a mãe não percebia, seu pensamento
de náufrago foi audível para mim: "Por favor, que se abra um buraco no
chão e que eu possa desaparecer dentro dele".
No fim, a mãe pagou a
conta e, orgulhosa da sua "modernidade", saiu do restaurante com a
esperança de que o filho, tratado como um "voyeur", jamais a irá
abandonar. Sobretudo quando a velhice se tornar inapagável.
Pobre mulher.
Parafraseando a célebre máxima, todos os filhos acabam por matar aquilo
que amam. Um processo que dá pelo nome de maturidade.
Aos pais está reservado um papel mais modesto –e mais importante: entregar os filhos à vida, mas mantendo a dignidade.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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