O golpe na
Câmara não teve continuidade no Senado, cujo presidente, Renan
Calheiros, pode se tornar réu hoje em julgamento do STF. Só a "voz rouca
das ruas", como dizia Ulysses Guimarães, poderá fazer os políticos
voltarem à realidade. Merval Pereira, no jornal O Globo:
A ficha
parece que está caindo, depois de uma madrugada insana em que deputados
tramaram o constrangimento da atuação da Justiça como se estivessem
aprovando medidas contra a corrupção. Um acintoso golpe parlamentar de
retaliação, uma auto-proteção inaceitável.
Medidas
que supostamente combateriam o abuso de poder dos membros do sistema
judiciário e do Ministério Público na verdade buscam cercear a atividade
da Justiça, igualzinho ouvimos nas gravações clandestinas entre
políticos que falavam em “estancar a sangria” provocada pelas delações
premiadas da Operação Lava Jato.
Os
senadores recusaram ontem à noite um golpe regimental orquestrado pelo
(ainda) presidente do Senado Renan Calheiros para aprovar um
requerimento de urgência para a votação das medidas que haviam sido
aprovadas na madrugada anterior na Câmara. Porque tanta pressa?
Não é
coincidência que para hoje esteja marcado o julgamento em plenário do
STF de processo contra o presidente do Senado, que poderá transformá-lo
em réu. Nesse caso, ele estará sujeito a ter que deixar a presidência
antes do fim de seu mandato, dependendo apenas que o ministro Dias
Toffolli libere o processo, que já tem maioria de votos favoráveis a que
o político na linha de substituição do presidente da República não pode
ser réu.
A crise
institucional deflagrada pela aprovação na Câmara de medidas punitivas
contra juízes e procuradores pode ter desdobramentos políticos graves se
o Senado não sustar o espírito de retaliação que prevaleceu na noite de
terça-feira na Câmara.
A
decisão dos Procuradores de Curitiba de renunciar coletivamente à
Operação Lava Jato se o projeto for aprovado pelo Senado e sancionado
pelo presidente da República Michel Temer é uma arma de pressão política
válida, mesmo porque o presidente da República é parte integrante do
processo legislativo, não sendo obrigado a seguir a decisão do
Congresso. Portanto, pode ser pressionado politicamente, como qualquer
outro agente desse processo.
Os
procuradores, ou mesmo o Juiz Sérgio Moro, podem desistir da Operação
Lava Jato, mas cada um terá que conviver com a nova legislação, se ela
prevalecer ao final do embate que apenas se inicia. E a investigação
sobre a Lava Jato prosseguirá em outros níveis.
Alguns,
como, especula-se, é o caso de Moro, podem até mesmo escolher um ano
sabático no exterior para estudar, mas outros ficarão por aqui se essa
decisão da Câmara for aprovada pelo Senado e sancionada pelo presidente
Michel Temer e, ao fim, for mantida pelo Supremo Tribunal Federal (STF),
o que é altamente improvável.
O
desfiguramento das 10 medidas contra a corrupção, apresentadas pelos
procuradores de Curitiba através de um projeto popular, não seria um
obstáculo intransponível às investigações, apenas representaria o
desperdício de uma oportunidade para aperfeiçoar nossa legislação.
Algumas
propostas, no entanto, não deveriam mesmo ser aprovadas, ou mereciam
melhor análise, como a validação da prova ilícita, o fim do habeas
corpus, o polêmico “reportante do bem”, o teste de integridade.
Outros
temas retirados do texto seriam necessários ao aperfeiçoamento do
combate à corrupção, como a criminalização do enriquecimento ilícito de
funcionários públicos (como não aceitar?), o aumento do prazo de
prescrição dos crimes, o acordo penal, e regras mais rígidas para a
celebração de acordo leniência.
Nada
disso, porém, inviabiliza as investigações, apenas demonstra que nossos
políticos não querem aperfeiçoar o combate à corrupção. Mas incluir na
nova legislação punição por “abuso de autoridade” a juízes e promotores é
um abuso de autoridade do Legislativo.
Propositalmente
vagas e amplas, as definições de condutas passíveis de punição levariam
a que, no limite, réus pudessem abrir processo criminais contra seus
julgadores ou acusadores, no caso do Ministério Público, subvertendo
completamente o sistema judicial. É o que já tentam, por exemplo, os
advogados do ex-presidente Lula, sem consequências práticas.
Os
magistrados são submetidos a sistema de responsabilização administrativa
pela Lei Orgânica da Magistratura e pelo Conselho Nacional de Justiça
(CNJ), assim como o Ministério Público tem seus próprios regulamentos.
Estão sujeitos também a condutas penais, como qualquer cidadão.
Provavelmente
estão sendo vítimas da própria leniência com que se julgam, basta ver
que a medida administrativa mais rigorosa a que estão submetidos é a
aposentadoria compulsória, com vencimentos integrais. Há também a
sensação de que o corporativismo os torna intocáveis em processos
penais.
Nada
disso, porém, justifica esse ataque ao funcionamento da democracia.
Parlamentares, que na sua grande parte responde a processos os mais
diversos, parecem viver em outra dimensão, e apenas "a voz rouca das
ruas", como dizia Ulysses Guimarães, os obrigará a voltar à realidade.
Não
aquela arruaça que vimos em Brasília na terça-feira, com mascarados e
baderneiros defendendo seus interesses corporativos, mas a verdadeira
expressão autônoma da cidadania exprimindo sua repulsa à velha política
que tenta se manter no poder.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
BLOG ORLANDO TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário