O afastamento do mundo e a busca da solidão, diz Luiz Felipe Pondé em sua coluna na Folha, "resvalam em valores positivos":
Quando
você estiver lendo esta coluna estarei nalgum lugar dos Cárpatos, quase
plenamente desconectado do mundo. Desde que conheci a Romênia, a
Transilvânia e a cadeia de montanhas que a rasga de ponta a ponta, os
Cárpatos, me apaixonei pelo país.
Seu povo,
seu cenário, seu isolamento por centenas de anos, sua agonia comos
comunistas, seu sofrimento ancestral sob o jugo dos turcos otomanos.
País de mistérios e crenças sobrenaturais, a Romênia é mesmo um lugar de
beleza ainda não devastada pelos bárbaros em férias.
Lugar
ideal para quem quiser experimentar um pouco de distanciamento da vida
imediata e corrida de sempre, cercado de construções medievais quase
intocadas, os Cárpatos propiciam muito daquele tipo de paz que muitos
buscam, mas poucos encontram.
A solidão
e o isolamento são tema ancestral na espiritualidade. No cristianismo,
por volta do século 2º, já temos indícios claros de homens e mulheres
que buscavam o isolamento em montanhas e desertos a fim de lá
enfrentarem seus demônios na busca de Deus. Esses homens e mulheres
ficaram conhecidos como "monachoi", os monges do deserto.
Apesar de
sermos uma espécie social e gregária, a ideia de que a solidão"cura" de
algum modo é persistente ao longo dos milênios, associada ou não a
conteúdos religiosos de fato. Hoje em dia, nas grandes cidades, milhares
de pessoas optam por viver sozinhas, porque, simplesmente, a vida "em
conjunto" exaure suas forças.
Imersos
numa rede infernal de conexões, muitos de nós identificam a"recusa" do
celular e das redes sociais como indício de autenticidade. Em que pese o
alto índice de modismo presente em tudo que existe num mundo como o
nosso - em que o marketing, passo a passo, se torna a "ciência
primeira", como a ontologia (ciência do ser) era pra Aristóteles (384
a.C.-322 a.C.), e, portanto, nada seja autêntico, na medida em que
existe uma contradição profunda entre marketing e autenticidade -, a
busca de "desconexão" é verdadeira em muitos casos, devido ao cansaço
que sentimos em ficarmos ligados 24 horas, sete dias por semana ("twenty
four seven", como dizem os americanos).
Quando
analisamos o comportamento de luxo em propaganda, a busca de isolamento e
solidão e, portanto, um certo "desprezo" pelas redes sociais e pelo
mundo sempre aparecem como índice de elegância. Por que o afastamento do
mundo, um certo desprezo por ele, a busca da solidão, sempre resvala
num valor positivo de algum modo?
As épocas
são distintas, os problemas podem mudar, mas a ideia de que o mundo
engana atravessa os séculos. Os exemplos são muitos, dos monges nas mais
variadas religiões aos ativistas do Global Strike (proposta de
desconexão das redes por alguns minutos e o compartilhamento do relato
do que se fez nesses instantes de desconexão), passando pelo isolamento
romântico, todos se cansam em algum momento.
Entre
tantos exemplos, apontaria o estoicismo como um dos casos mais bem
argumentados a favor do engano do mundo e do valor positivo da
"fugamundi".
O
estoicismo é uma filosofia que floresceu na Grécia por volta do século
3º a.C. e chegou a Roma, tendo o imperador Marco Aurélio (121 d.C.-180
d.C.)como um dos seus maiores luminares. A ética estoica buscava a
consciência de que tudo na vida é efêmero e enganoso, quando negamos
essa mesma efemeridade. Permanente apenas o logos, esse princípio
divino, para muitos, materializado na natureza ou no cosmo. O estoico
buscava fugir da cidade e viver próximo à natureza porque esta não
engana, enquanto aquela abriga a mentira, a vaidade, o culto ao vazio.
"Tudo
está morrendo, menos o logos presente na natureza", isso aprendemos ao
convivermos com a natureza. A "pronoia", a "providência" que tudo faz
acontecer e tudo ordena, nos ensina que a humildade diante do cosmo é a
forma sábia de viver. A arrogância da crença em si mesmo, a vaidade da
técnica, a ilusão do social, são formas enganosas, que a prática da
solidão combateria.
Num mundo do sucesso e do glamour como o nosso, nunca será pouco buscar a fuga deste mesmo mundo.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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