MEDIÇÃO DE TERRA

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sábado, 26 de abril de 2014

Poluição prejudica saúde dos botos de Laguna, que apresentam lesões na pele


Pesquisadores estão preocupados com os animais que vivem na lagoa Santo Antônio

Poluição prejudica saúde dos botos de Laguna, que apresentam lesões na pele Fábio Daura-Jorge/Divulgação
As lesões de pele são causadas pela lobomicose, doença gerada pelo fungo Lacazia loboi Foto: Fábio Daura-Jorge / Divulgação
Conhecidos mundialmente pela pesca artesanal de Laguna, no Sul do Estado, os carismáticos botos da região estão ficando doentes em decorrência da poluição. A constatação é dos pesquisadores da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) e da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que monitoram a comunidade de 55 botos-da-tainha que vivem atualmente na lagoa Santo Antônio.

Os especialistas que monitoram os animais salientam que o problema não é recente, mas os moradores presenciaram um episódio de comportamento estranho de Prego, um dos botos que auxiliam os pescadores. Por cerca de 35 minutos, o animal saltitou compulsivamente, como se quisesse se livrar de algo ruim.

— A sensação que a gente tinha é a de que ele estava tentando se libertar de alguma coisa, que havia um incômodo por causa dessas lesões. Mas tem vários botos com essas lesões de pele e nunca tinha sido observado esse comportamento – destaca o professor da Udesc Fábio Daura Jorge, doutor em Biologia.

As lesões de pele que podem ter provocado o comportamento estranho de Prego são causadas pela lobomicose, doença gerada pelo fungo Lacazia loboi, que ataca cetáceos e também seres humanos. A patologia foi registrada pela primeira vez em Laguna em 1993. Um estudo de 2011 estimava que cerca de 9% dos animais da época estivessem contaminados. O professor acredita que o número tenha aumentado, dado que está apurando em estudo que deve ser finalizado em dois meses.

Daura Jorge salienta que o problema não é exclusividade de Laguna, pois ocorre em várias populações de pequenos cetáceos, e que não será resolvido da noite para o dia.

—  A gente tem que pensar muito em uma estratégia um pouco mais ecossistêmica, em tratamento da água, o habitat em que os botos estão inseridos. Essa doença vem nos avisar que o ambiente deles não está saudável e merece um pouco mais de atenção.

Conforme o professor Daura Jorge, equipes da UFSC, da Udesc e da Associação R3 Animal estão de olho nos botos de Laguna e concentradas em encontrar uma solução.

— Estamos monitorando. Capturar não é a solução, porque a gente não tem o tratamento. Mas vamos acompanhar, ver se a prevalência está aumentando, enfim, vamos pensar mais no habitat. Essa lesão é um indicador de que o ambiente não está bom. Ainda tem muita coisa a ser descoberta — reflete.



População deve colaborar não poluindo

A lobomicose não é problema só de Laguna. Segundo a veterinária Cristiane Kolesnikovas, da Associação R3 Animal, a doença tem aumentado mundialmente, o que provavelmente está relacionado à poluição das águas por rejeitos industriais, agrotóxicos, dejetos domésticos e combustíveis, substâncias que diminuem as defesas naturais dos animais e propiciam o desenvolvimento de doenças. Por isso, não adianta capturar um animal para tratá-lo se toda a população está sujeita à contaminação.

— Tem que tratar a causa, que é a contaminação ambiental. As pessoas que têm o esgoto ligado na barra de Laguna, que jogam lixo, que limpam os motores dos barcos na água estão aumentando a probabilidade de os botos ficarem doentes — alerta.

Embora Laguna careça de levantamento oficial de dados a respeito, o professor Fábio Daura Jorge aponta a presença de poluição orgânica e poluição química na lagoa.

— De repente o fungo está nos prestando um grande serviço, está sendo um indicador de que o ambiente não está saudável para essa população de botos. Se não está saudável para eles, não está saudável para nós também. Com certeza alguma coisa deve ser feita — alerta o pesquisador.

A secretária do Meio Ambiente de Laguna, Aline Trichês Savi, diz ter dificuldades para colocar em prática projetos por ainda não ter conhecimento de um método eficaz de limpeza para a área. No entanto, pretende conscientizar as pessoas sobre a poluição.

— Queremos que as famílias liguem as casas à rede coletora de esgoto da Casan e não joguem lixo na lagoa.

A expectativa de Aline é colocar o projeto em prática no início de maio com palestras em escolas, empresas e comunidades.


ENTREVISTA

Fábio Daura Jorge
Doutor em Biologia, professor e pesquisador

“A doença é um indicador da qualidade da água”

Professor da Udesc, Daura Jorge explica que o comportamento dos botos que vivem na lagoa Santo Antônio, de Laguna, precisa ser monitorado e que há indícios que apontam para o aumento da doença entre os animais.


Diário Catarinense — Qual é o número de botos contaminados pela doença?
Fábio Daura Jorge —
Essa informação depende de uma coleta de dados que a gente fez ao longo de 2013. Ainda estamos mapeando para fazer uma estimativa. Provavelmente daqui a um ou dois meses, no final desse estudo, comprovaremos a prevalência dessa lesão. Uma coisa é fato: para outras populações de pequenos cetáceos, como o boto-da-tainha, que ocorrem aqui no Sul do Brasil, está sendo cada vez mais recorrente o registro dessas lesões.

DC — A lesão leva à morte?
Daura Jorge —
A lesão em si provavelmente não leva à morte. O que leva à morte é o fato de os indivíduos  com essa lesão estarem com o sistema imunológico deprimido e provavelmente acabarem desenvolvendo outros tipos de doença.

DC — Algum boto desse grupo  morreu em função da doença?
Daura Jorge —
A gente já recuperou botos mortos com lobomicose, mas a provável causa da morte era encalhamento de rede, e não a lobomicose. Teve um registro, em 2011, que  a gente acompanhou durante 15 meses o desenvolvimento da doença em um boto. Mas, quando a doença já estava em um estágio bastante avançado, ele desapareceu. A gente não sabe se veio a morrer mesmo ou se acabou abandonando a área ou morreu por alguma outra coisa que desconhecemos.

DC — O que diz a literatura sobre a possibilidade de a lobomicose causar a morte de um boto?
Daura Jorge —
Diz que é baixa e que é uma doença que pode ficar incubada por muito tempo, mas dificilmente levar à morte. O que preocupa é que alguns indivíduos aqui de Laguna e de outras regiões do Sul do Brasil têm apresentado um desenvolvimento rápido da doença, o que de repente pode, sim, levar à morte.

DC — O que pode ser feito pelos botos?
Daura Jorge —
Monitorar. Está sendo planejada captura para os próximos quatro, cinco anos, mas isso exige treinamento. É arriscado pensar na captura de um boto para tratamento, até porque a lobomicose não tem tratamento. Tem que monitorar. A doença certamente é um indicador da qualidade da água.

DC — O comportamento deles pode ser afetado?
Daura Jorge —
Eu não garanto que a doença muda o comportamento, mas a maioria dos que vivem em Laguna e que estão com lesão são botos que não cooperam, que não interagem com o pescador. Alguns têm lesão e pescam.
DIÁRIO CATARINENSSE

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