Pesquisadores estão preocupados com os animais que vivem na lagoa Santo Antônio
As lesões de pele são causadas pela lobomicose, doença gerada pelo fungo Lacazia loboi
Foto:
Fábio Daura-Jorge / Divulgação
Kiara Domit
Conhecidos mundialmente pela pesca artesanal de Laguna, no Sul do Estado, os carismáticos botos da região estão ficando doentes em decorrência da poluição. A constatação é dos pesquisadores da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) e da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que monitoram a comunidade de 55 botos-da-tainha que vivem atualmente na lagoa Santo Antônio.
Os especialistas que monitoram os animais salientam que o problema não é recente, mas os moradores presenciaram um episódio de comportamento estranho de Prego, um dos botos que auxiliam os pescadores. Por cerca de 35 minutos, o animal saltitou compulsivamente, como se quisesse se livrar de algo ruim.
— A sensação que a gente tinha é a de que ele estava tentando se libertar de alguma coisa, que havia um incômodo por causa dessas lesões. Mas tem vários botos com essas lesões de pele e nunca tinha sido observado esse comportamento – destaca o professor da Udesc Fábio Daura Jorge, doutor em Biologia.
As lesões de pele que podem ter provocado o comportamento estranho de Prego são causadas pela lobomicose, doença gerada pelo fungo Lacazia loboi, que ataca cetáceos e também seres humanos. A patologia foi registrada pela primeira vez em Laguna em 1993. Um estudo de 2011 estimava que cerca de 9% dos animais da época estivessem contaminados. O professor acredita que o número tenha aumentado, dado que está apurando em estudo que deve ser finalizado em dois meses.
Daura Jorge salienta que o problema não é exclusividade de Laguna, pois ocorre em várias populações de pequenos cetáceos, e que não será resolvido da noite para o dia.
— A gente tem que pensar muito em uma estratégia um pouco mais ecossistêmica, em tratamento da água, o habitat em que os botos estão inseridos. Essa doença vem nos avisar que o ambiente deles não está saudável e merece um pouco mais de atenção.
Conforme o professor Daura Jorge, equipes da UFSC, da Udesc e da Associação R3 Animal estão de olho nos botos de Laguna e concentradas em encontrar uma solução.
— Estamos monitorando. Capturar não é a solução, porque a gente não tem o tratamento. Mas vamos acompanhar, ver se a prevalência está aumentando, enfim, vamos pensar mais no habitat. Essa lesão é um indicador de que o ambiente não está bom. Ainda tem muita coisa a ser descoberta — reflete.
População deve colaborar não poluindo
A lobomicose não é problema só de Laguna. Segundo a veterinária Cristiane Kolesnikovas, da Associação R3 Animal, a doença tem aumentado mundialmente, o que provavelmente está relacionado à poluição das águas por rejeitos industriais, agrotóxicos, dejetos domésticos e combustíveis, substâncias que diminuem as defesas naturais dos animais e propiciam o desenvolvimento de doenças. Por isso, não adianta capturar um animal para tratá-lo se toda a população está sujeita à contaminação.
— Tem que tratar a causa, que é a contaminação ambiental. As pessoas que têm o esgoto ligado na barra de Laguna, que jogam lixo, que limpam os motores dos barcos na água estão aumentando a probabilidade de os botos ficarem doentes — alerta.
Embora Laguna careça de levantamento oficial de dados a respeito, o professor Fábio Daura Jorge aponta a presença de poluição orgânica e poluição química na lagoa.
— De repente o fungo está nos prestando um grande serviço, está sendo um indicador de que o ambiente não está saudável para essa população de botos. Se não está saudável para eles, não está saudável para nós também. Com certeza alguma coisa deve ser feita — alerta o pesquisador.
A secretária do Meio Ambiente de Laguna, Aline Trichês Savi, diz ter dificuldades para colocar em prática projetos por ainda não ter conhecimento de um método eficaz de limpeza para a área. No entanto, pretende conscientizar as pessoas sobre a poluição.
— Queremos que as famílias liguem as casas à rede coletora de esgoto da Casan e não joguem lixo na lagoa.
A expectativa de Aline é colocar o projeto em prática no início de maio com palestras em escolas, empresas e comunidades.
ENTREVISTA
Fábio Daura Jorge
Doutor em Biologia, professor e pesquisador
“A doença é um indicador da qualidade da água”
Professor da Udesc, Daura Jorge explica que o comportamento dos botos que vivem na lagoa Santo Antônio, de Laguna, precisa ser monitorado e que há indícios que apontam para o aumento da doença entre os animais.
Diário Catarinense — Qual é o número de botos contaminados pela doença?
Fábio Daura Jorge — Essa informação depende de uma coleta de dados que a gente fez ao longo de 2013. Ainda estamos mapeando para fazer uma estimativa. Provavelmente daqui a um ou dois meses, no final desse estudo, comprovaremos a prevalência dessa lesão. Uma coisa é fato: para outras populações de pequenos cetáceos, como o boto-da-tainha, que ocorrem aqui no Sul do Brasil, está sendo cada vez mais recorrente o registro dessas lesões.
DC — A lesão leva à morte?
Daura Jorge — A lesão em si provavelmente não leva à morte. O que leva à morte é o fato de os indivíduos com essa lesão estarem com o sistema imunológico deprimido e provavelmente acabarem desenvolvendo outros tipos de doença.
DC — Algum boto desse grupo morreu em função da doença?
Daura Jorge — A gente já recuperou botos mortos com lobomicose, mas a provável causa da morte era encalhamento de rede, e não a lobomicose. Teve um registro, em 2011, que a gente acompanhou durante 15 meses o desenvolvimento da doença em um boto. Mas, quando a doença já estava em um estágio bastante avançado, ele desapareceu. A gente não sabe se veio a morrer mesmo ou se acabou abandonando a área ou morreu por alguma outra coisa que desconhecemos.
DC — O que diz a literatura sobre a possibilidade de a lobomicose causar a morte de um boto?
Daura Jorge — Diz que é baixa e que é uma doença que pode ficar incubada por muito tempo, mas dificilmente levar à morte. O que preocupa é que alguns indivíduos aqui de Laguna e de outras regiões do Sul do Brasil têm apresentado um desenvolvimento rápido da doença, o que de repente pode, sim, levar à morte.
DC — O que pode ser feito pelos botos?
Daura Jorge — Monitorar. Está sendo planejada captura para os próximos quatro, cinco anos, mas isso exige treinamento. É arriscado pensar na captura de um boto para tratamento, até porque a lobomicose não tem tratamento. Tem que monitorar. A doença certamente é um indicador da qualidade da água.
DC — O comportamento deles pode ser afetado?
Daura Jorge — Eu não garanto que a doença muda o comportamento, mas a maioria dos que vivem em Laguna e que estão com lesão são botos que não cooperam, que não interagem com o pescador. Alguns têm lesão e pescam.
DIÁRIO CATARINENSSE
Os especialistas que monitoram os animais salientam que o problema não é recente, mas os moradores presenciaram um episódio de comportamento estranho de Prego, um dos botos que auxiliam os pescadores. Por cerca de 35 minutos, o animal saltitou compulsivamente, como se quisesse se livrar de algo ruim.
— A sensação que a gente tinha é a de que ele estava tentando se libertar de alguma coisa, que havia um incômodo por causa dessas lesões. Mas tem vários botos com essas lesões de pele e nunca tinha sido observado esse comportamento – destaca o professor da Udesc Fábio Daura Jorge, doutor em Biologia.
As lesões de pele que podem ter provocado o comportamento estranho de Prego são causadas pela lobomicose, doença gerada pelo fungo Lacazia loboi, que ataca cetáceos e também seres humanos. A patologia foi registrada pela primeira vez em Laguna em 1993. Um estudo de 2011 estimava que cerca de 9% dos animais da época estivessem contaminados. O professor acredita que o número tenha aumentado, dado que está apurando em estudo que deve ser finalizado em dois meses.
Daura Jorge salienta que o problema não é exclusividade de Laguna, pois ocorre em várias populações de pequenos cetáceos, e que não será resolvido da noite para o dia.
— A gente tem que pensar muito em uma estratégia um pouco mais ecossistêmica, em tratamento da água, o habitat em que os botos estão inseridos. Essa doença vem nos avisar que o ambiente deles não está saudável e merece um pouco mais de atenção.
Conforme o professor Daura Jorge, equipes da UFSC, da Udesc e da Associação R3 Animal estão de olho nos botos de Laguna e concentradas em encontrar uma solução.
— Estamos monitorando. Capturar não é a solução, porque a gente não tem o tratamento. Mas vamos acompanhar, ver se a prevalência está aumentando, enfim, vamos pensar mais no habitat. Essa lesão é um indicador de que o ambiente não está bom. Ainda tem muita coisa a ser descoberta — reflete.
População deve colaborar não poluindo
A lobomicose não é problema só de Laguna. Segundo a veterinária Cristiane Kolesnikovas, da Associação R3 Animal, a doença tem aumentado mundialmente, o que provavelmente está relacionado à poluição das águas por rejeitos industriais, agrotóxicos, dejetos domésticos e combustíveis, substâncias que diminuem as defesas naturais dos animais e propiciam o desenvolvimento de doenças. Por isso, não adianta capturar um animal para tratá-lo se toda a população está sujeita à contaminação.
— Tem que tratar a causa, que é a contaminação ambiental. As pessoas que têm o esgoto ligado na barra de Laguna, que jogam lixo, que limpam os motores dos barcos na água estão aumentando a probabilidade de os botos ficarem doentes — alerta.
Embora Laguna careça de levantamento oficial de dados a respeito, o professor Fábio Daura Jorge aponta a presença de poluição orgânica e poluição química na lagoa.
— De repente o fungo está nos prestando um grande serviço, está sendo um indicador de que o ambiente não está saudável para essa população de botos. Se não está saudável para eles, não está saudável para nós também. Com certeza alguma coisa deve ser feita — alerta o pesquisador.
A secretária do Meio Ambiente de Laguna, Aline Trichês Savi, diz ter dificuldades para colocar em prática projetos por ainda não ter conhecimento de um método eficaz de limpeza para a área. No entanto, pretende conscientizar as pessoas sobre a poluição.
— Queremos que as famílias liguem as casas à rede coletora de esgoto da Casan e não joguem lixo na lagoa.
A expectativa de Aline é colocar o projeto em prática no início de maio com palestras em escolas, empresas e comunidades.
ENTREVISTA
Fábio Daura Jorge
Doutor em Biologia, professor e pesquisador
“A doença é um indicador da qualidade da água”
Professor da Udesc, Daura Jorge explica que o comportamento dos botos que vivem na lagoa Santo Antônio, de Laguna, precisa ser monitorado e que há indícios que apontam para o aumento da doença entre os animais.
Diário Catarinense — Qual é o número de botos contaminados pela doença?
Fábio Daura Jorge — Essa informação depende de uma coleta de dados que a gente fez ao longo de 2013. Ainda estamos mapeando para fazer uma estimativa. Provavelmente daqui a um ou dois meses, no final desse estudo, comprovaremos a prevalência dessa lesão. Uma coisa é fato: para outras populações de pequenos cetáceos, como o boto-da-tainha, que ocorrem aqui no Sul do Brasil, está sendo cada vez mais recorrente o registro dessas lesões.
DC — A lesão leva à morte?
Daura Jorge — A lesão em si provavelmente não leva à morte. O que leva à morte é o fato de os indivíduos com essa lesão estarem com o sistema imunológico deprimido e provavelmente acabarem desenvolvendo outros tipos de doença.
DC — Algum boto desse grupo morreu em função da doença?
Daura Jorge — A gente já recuperou botos mortos com lobomicose, mas a provável causa da morte era encalhamento de rede, e não a lobomicose. Teve um registro, em 2011, que a gente acompanhou durante 15 meses o desenvolvimento da doença em um boto. Mas, quando a doença já estava em um estágio bastante avançado, ele desapareceu. A gente não sabe se veio a morrer mesmo ou se acabou abandonando a área ou morreu por alguma outra coisa que desconhecemos.
DC — O que diz a literatura sobre a possibilidade de a lobomicose causar a morte de um boto?
Daura Jorge — Diz que é baixa e que é uma doença que pode ficar incubada por muito tempo, mas dificilmente levar à morte. O que preocupa é que alguns indivíduos aqui de Laguna e de outras regiões do Sul do Brasil têm apresentado um desenvolvimento rápido da doença, o que de repente pode, sim, levar à morte.
DC — O que pode ser feito pelos botos?
Daura Jorge — Monitorar. Está sendo planejada captura para os próximos quatro, cinco anos, mas isso exige treinamento. É arriscado pensar na captura de um boto para tratamento, até porque a lobomicose não tem tratamento. Tem que monitorar. A doença certamente é um indicador da qualidade da água.
DC — O comportamento deles pode ser afetado?
Daura Jorge — Eu não garanto que a doença muda o comportamento, mas a maioria dos que vivem em Laguna e que estão com lesão são botos que não cooperam, que não interagem com o pescador. Alguns têm lesão e pescam.
DIÁRIO CATARINENSSE
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