Projeto no Acre capacita os deficientes para produção de peças artesanais.
'Consigo criar peças sozinho', diz alunos de 59 anos.
Francisco Cleide já consegue confeccionar suas próprias peças (Foto: Tácita Muniz/G1)
Em meio a jornais e revistas, mãos habilidosas criam objetos com a
reutilização de papéis. As peças são bem acabadas e chamam a atenção
pelos detalhes e confecção cuidadosa. O fato passaria despercebido, não
fosse por um detalhe: todas as peças são feitas por deficientes visuais.
Há pelo menos 5 anos, a Associação dos Deficientes Visuais (Adevi) em Rio Branco
oferece oficinas e projetos que visam a reintegração dessas pessoas na
sociedade. O artesanato garante aos associados uma arte e uma fonte de
renda.Aos 59 anos, Francisco Cleide Pinheiro de Freitas conta que encontrou no artesanato uma forma de encarar a cegueira como algo natural. Ele diz que o trabalho o faz se sentir útil. “Isso aqui pra gente é uma terapia, fabricamos peças que são vendidas e isso nos garante 50% da venda, o que ajuda na compra do material para continuarmos trabalhando. Eu considero um bom trabalho porque já consigo criar peças sozinho”, diz orgulhoso.
Francisco perdeu a visão de um dos olhos quando ainda tinha 12 anos. Ele cortava cana de açúcar quando um colega acertou-lhe com o terçado em um dos olhos. Aos 35, Francisco conta, ao seu modo, que sua visão foi enfraquecendo até perdê-la totalmente. No centro, segundo ele, encontrou motivos para se sentir motivado e há 5 anos participa do projeto que lhe ensinou a arte de criar.
“Antes nem saía de casa. Esse projeto é muito importante porque faz com que a gente encontre uma forma de trabalhar. Com o apoio das professoras criamos peças e revendemos. As monitoras nos ajudam com os cortes de papelão e aos poucos vamos construindo os objetos”, destaca.
Há cinco anos, Vicente Guimarães se dedica ao
artesanato (Foto: Tácita Muniz/G1)
Após uma picada da cobra conhecida como pico-de-jaca, Vicente Guimarães
Ricardo ficou cego aos 25 anos. Depois do acidente, ocorrido em uma
fazenda de Rio Branco, ficou em coma por alguns dias e ao abrir os olhos
não enxergava mais nada. “Parece que o veneno foi direto para a cabeça e
afetou a visão”, lembra.artesanato (Foto: Tácita Muniz/G1)
Vicente tem 57 anos e se dedica há 5 ao artesanato. Ele diz que o projeto fez com que ele desenvolvesse outras habilidades e aguçasse outros sentidos. Além da confecção das peças, ele toca violão e diz que a oficina é uma distração e aprendizado. “Muitas pessoas que enxergam não se dedicam a aprender algo como a gente faz. Com a ajuda das professoras vamos aprendendo a trabalhar e a nos divertir”, diz.
Maria Albuquerque, de 75 anos, expressa em uma frase o que sentiu ao se deparar com a cegueira aos 70, devido a um glaucoma. "Para mim, foi a maior decepção do mundo não poder mais enxergar". Há 5 anos, participa do projeto e diz que na associação encontra a paz que precisa para se manter tranquila.
"O melhor divertimento é quando estou aqui. Em casa é tudo triste e aqui eu converso e consigo sorrir. Foi uma terapia, porque quando perdi a visão eu não andava mais dentro de casa, me batia nos objetos. Agora consigo andar e vir para o centro. Assim vou levando até quando Deus quiser”, destaca.
Peças são produzidas e vendidas para ajuda de custo da oficina (Foto: Tácita Muniz/G1)
Para quem divide a experiência com os alunos dessa oficina, o
sentimento é de reciprocidade. Uma das monitoras do projeto, Nilvadete
Domingos participa da associação há 5 anos. "É uma terapia para mim
também, é uma lição de vida. Quando vejo o desenvolvimento deles, eu
fico muito feliz", destaca.As peças são vendidas em feiras de artesanato realizadas pela associação. A monitora diz que existe uma possibilidade de um contrato com uma grande empresa da capital, porém, a instabilidade do comércio os preocupam. Os valores dos objetos variam entre R$ 5 a R$ 80 e também podem ser adquiridos na escola que fica na Rua Dom Bosque, no Bosque, em Rio Branco.
Os valores arrecadados com a venda dos produtos são divididos entre a escola e os alunos. Cada um fica com 50% e este lucro é revestido em investimentos nas oficinas.
Peças são feitas de jornal e revista (Foto: Tácita Muniz/G1)
A associaçãoA Adevi foi criada em março de 2012, teve uma pausa no ano seguinte e retornou às suas atividades em fevereiro de 2014. A proposta das oficinas, que vão além do artesanato, é a reintegração dos deficientes visuais na sociedade. Os cursos são abertos para o público em geral, se dividem em informática nos níveis básicos, intermediários e avançados. O espaço também conta com aulas de taekwondo e capoeira em dias alternados.
A associação, segundo a coordenadora de projetos Mirna Rosário, vem sendo contemplada como ponto de cultura, mas se depara com alguns empecilhos, como o transporte desses alunos. "Infelizmente temos buscado apoio às instituições públicas para conseguirmos um carro para o transporte dos associados, porque além de idosos são pessoas com deficiência visual", explica.
Peças maiores são vendidas a partir de R$ 100
(Foto: Tácita Muniz/G1)
Diante do problema enfrentado, Mirna acredita que isso interfira na
pouca adesão das oficinas. "Isso nos causa um grande pesar, porque não é
fácil a aprovação de nossos projetos e até agora a associação não
conseguiu gerir recurso para comprar e manter um carro. E esse fato é de
suma importância para os associados", diz.(Foto: Tácita Muniz/G1)
Sobre o projeto, a coordenadora acredita que é um trabalho de conscientização e apoio a esses deficientes. "Alguns que estão com a gente já têm uma história no artesanato, criam peças e ganham por isso. O fruto do nosso trabalho é que possamos capacitar o máximo de pessoas para essa atividade e que tenham uma habilidade para isso. O objetivo é que eles saibam fazer as peças desde a sua base até o seu acabamento e consigam ganhar com isso", destaca.
A Adevi vai abrir novas vagas para as oficinas a partir de abril, como o projeto é financiados por recursos públicos, todas as oficinas são gratuitas. As peças produzidas são vendidas e os recursos voltados para a instituição. A escola na rua Dom Bosco e funciona todos os dias.
"Atendemos outros públicos, porque queremos trabalhar essa relação interpessoal entre a comunidade e as pessoas com deficiência, porque achamos importante ter essa inclusão. Pretendemos também conseguir voluntários para fazer o acompanhamento dos associados. O trabalho é lindo e nos satisfaz vê-los capacitados", finaliza.
Oficina vai abrir vagas a partir de abril (Foto: Tácita Muniz/G1)
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