Netun Lima/Hoje em Dia
congado
Idealizado por Tizumba (ao centro), o Festejo do Tambor Mineiro acontece anualmente desde 2002


A partir do sábado de Aleluia, as manifestações afro-brasileiras do congado (ou reinado), vão, mais uma vez, se intensificar por toda Minas Gerais. E todas têm seu calendário litúrgico, atestando a devoção a Nossa Senhora do Rosário. Em BH, a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário do Jatobá reserva o mês de agosto para a festa. Já em Contagem, a festa da comunidade dos Arturos acontece em 13 de maio. Há também o Caboclinho do Norte de Minas e a Marujada, no Vale do Aço. As festas se estendem até outubro, com exceção para Conceição do Mato Dentro – lá, acontece em janeiro. Ao todo, são pelo menos 70 grupos espalhados pela Região Metropolitana.

Professora de Letras e Teatro da UFMG e Rainha Conga do Rosário do Jatobá, Leda Maria Martins ressalta a importância para a cultura do país. “O congado é uma das mais importantes manifestações afro-brasileiras, uma das mais importantes reconstituições e reconstruções de saberes africanos no Brasil. E é um dos maiores signos da resistência negra”. Tal fato ganha relevância com o tombamento, o primeiro de um congo, em Belo Horizonte, pelo Patrimônio Cultural, em 1995.

Embora esteja espalhado por todo o país, é em Minas que o congado tem suas raízes mais fortes. Para Leda Martins, a explicação está na resistência do povo negro em Minas e também pela influência de Chico Rei. “Quando chegamos ao final do século 18 e início do 19, há uma série de éditos da Igreja Católica e do Estado português proibindo a coroação. É interessante observar que, em vários estados, esses decretos serão cumpridos à força e, em Minas, resiste-se. Continua com a coroação dos reis, apesar dos decretos. A resistência do reinado em Minas tem outro motivo. Sabe-se pela narrativa que o primeiro rei é de Minas, Chico Rei. Existe guarda de congado do interior do Ceará, assim como tem um reinado em Rosário do Rio Grande do Sul. Também existem em Goiás, São Paulo, Mato Grosso, mas Minas é o celeiro”, sentencia.

Tambores

Autora dos livros “A Cena em Sombras”, de 1995, e “Afrografias da Memória: O Reinado do Rosário do Jatobá”, de 1997, ambos editados pela Perspectiva, Leda Martins avalia que a importância dos diversos ritmos, dos tambores espalhados pelo país, está, justamente, nas “duas grandes matrizes africanas civilizatórias no Brasil”, caso da Nagô-Iorubá e Banto.

“Estamos falando de tambor de Minas, reinados, candomblé, capoeira, das diversas manifestações. Tambor é um dos elementos constitutivos da filosofia, do modo de expressar, de possuir das linguagens banto que vieram para as Américas. Ele não é uno, não é o mesmo em todo o Brasil. Isso demonstra a riqueza rítmica, tímbrica e de linguagem do tambor”, diz, exemplificando que em Pernambuco se proliferou o Maracatu e, no Maranhão, o Tambor de Crioula.

Filhos e soldados de Nossa Senhora

Indiscutivelmente uma manifestação de forte apelo popular, o congado – ou reinado, como alguns especialistas preferem – tem no culto ao sacro a vertente de seus ritmos musicais. “Eles (“congadeiros”) são católicos, mas percebem esse catolicismo a partir de uma referência cultural, cognitiva e de identidade vinculada às culturas de matriz banto”, diz a professora de Música da UFMG Glaura Lúcia.

Essa divisão, prossegue ela, não seria “muito acentuada”. “O que quero dizer com isso é que há momentos dentro do ritual que são mais profundos, espiritualmente, e outros que têm uma leveza. Como eles próprios falam, uma vez fardados, são ‘filhos e soldados de Nossa Senhora’. Estão ali a serviço de uma realização espiritual, por isso tudo sempre é envolvido numa certa sacralidade”, atesta Glaura Lúcia.

Além disso, o congado, por seus variados ramos, gera, por consequência, uma diversidade de ritmos, observa Glaura Lúcia, que tem trabalhos significativos na área, como os livros “Os Sons do Rosário – O Congado Mineiro dos Arturos e Jatobá”, 2002, pela UFMG, e “Cantando e Reinando com os Arturos”, 2006, pela editora Rona, sob sua coordenação e de José Bonifácio da Luz, presidente da Irmandade de Contagem.

Em busca da fé

Um dos mais significativos representantes da cultura afro-brasileira em Minas Gerais, o multiartista Maurício Tizumba diz que o congado é uma realidade que perpassa todo o Estado, desde o Triângulo Mineiro à Região Metropolitana de Belo Horizonte.

“O Triângulo, o Sul, o Noroeste, o Norte, Zona da Mata e a região Metropolitana têm linguagens diferentes. A forma de tocar (o tambor) em Uberlândia é de um jeito, no Centro e Oeste é de outro. Cada canto tem suas regras, sendo que uma não tem nada a ver com outra, mas todas vão em busca dessa fé em Nossa Senhora do Rosário”, assinala Tizumba.