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POPULARIDADE – Governo do presidente João Goulart tinha aprovação de mais de 60% das classes A e B
Há quase 50 anos, em 31 de março de 1964, os militares depuseram o
então presidente João Goulart, considerado uma “ameaça comunista”, e
instituiram no Brasil uma ditadura que durou 21 anos. Durante muito
tempo, o golpe foi tratado como uma revolução e acreditava-se que o ato
teve pleno apoio popular. Agora, estudos revelam que Jango e as reformas
que defendia, na verdade, tinham apoio da maioria da população.
De acordo com pesquisa Ibope feita entre 9 e 16 de março de 1964, 66%
da população de São Paulo consideravam a reforma agrária necessária.
Tinham a mesma opinião 67% da população de Belo Horizonte e 82% dos
moradores do Rio de Janeiro. A atuação do presidente João Goulart também
não tinha uma avaliação negativa. Se ele pudesse se candidatar
novamente para o cargo, votariam nele 40% da população de SP, 39% de BH e
51% do RJ.
Os dados foram levantados pelo professor Luiz Antônio Dias, chefe do
Departamento de História da PUC de São Paulo. Parte dessas pesquisas são
analisadas em um capítulo da coletânea “O jornalismo e o golpe de 1964:
50 anos depois”, que será lançada no dia 14 de abril, no Rio de
Janeiro.
“Quando começou a se colocar o João Goulart como uma opção para ser
votado, ele teve adesão superior até a de Juscelino Kubitschek, que era o
nome mais expressivo naquele momento. Mas esses números, que foram
encomendados pela Federação do Comércio de São Paulo, que fazia oposição
ao governo, não foram divulgados na época. Goulart tinha uma
possibilidade real de ser reeleito, caso fosse candidato”, reflete.
Mais pobres
“Entre os mais pobres, 86% consideravam o governo bom, ótimo ou
regular. A sua média de aprovação era de 72%. Mesmo entre as classes A e
B, sua aprovação era superior a 60%”, revela o professor. Contudo, Luiz
Antônio ressalta que “parte das elites tinha preocupação com a ascensão
das camadas populares e existia de fato a ideia de que as coisas
estavam fugindo do controle, principalmente por causa das manifestações e
greves que eclodiam pelo país”.
Segundo o professor, apesar de as pesquisas demonstrarem que a
população não associava Goulart diretamente ao comunismo, o medo desta
“ameaça” era real. Outro fator que foi preponderante para legitimar o
golpe, na avaliação de Luiz Antonio, foi a atuação da imprensa. “A
grande mídia divulgava a ideia de que João Goulart era frágil e seria um
refém dos comunistas, que ele próprio havia colocado no governo. Com
exceção do Última Hora, toda grande imprensa fez oposição ao Goulart.
Essa mídia refletia a opinião da elite, que tinha medo da ascensão
popular”.
Só a partir de 1966 o posicionamento da grande impressa começou a
mudar. “Foi quando se percebeu que os militares não entregariam o
governo aos civis”, conclui. Em dezembro de 1968, na gestão do
presidente Costa e Silva, foi editado o AI-5, que endureceu a censura à
imprensa.
Mídia teve relação ambígua com regime militar
A relação da mídia com o regime militar foi ambígua, analisa o
historiador Luiz Antônio Dias. “Assim como teve o colaboracionismo,
também havia muitos jornais menores com postura crítica contra o regime
repressor e, mesmo dentro das redações, nem sempre os jornalistas
refletiam o posicionamento da empresa e sofreram perseguição”, diz.
E essa repressão sobre os jornais mais críticos ao governo militar
começou antes mesmo do golpe de 1964. Aos 86 anos de idade, o jornalista
José Maria Rabêlo lembra com lucidez de um dos episódios mais violentos
contra a imprensa brasileira, ainda em 1961, quando em Minas Gerais já
era articulado o golpe.
Punaro Bley
“Em outubro daquele ano foi nomeado para o comando da ID-4, a
Infantaria Divisionária, a mais importante unidade do Exército em BH, o
general João Punaro Bley, declarado opositor de Jango. O Binômio, jornal
que eu dirigia, quis saber quem era afinal aquele general. Então o
jornal mandou ao Espírito Santo dois repórteres para fazerem um
levantamento da sua vida. Ele havia sido interventor por lá durante o
Estado Novo”, recorda o jornalista.
José Maria Rabêlo conta que seus colegas descobriram uma série de
“horrores praticados pelo general durante sua interventoria, desde
perseguição à imprensa até a tortura”. O Binômio publicou uma reportagem
de página inteira, com chamada na capa, com os títulos: “Quem é afinal
esse general Bley? Democrata hoje, fascista ontem”.
Não demorou muito para o general Bley ir tirar satisfação. “Ele
apareceu na redação questionando quem eram os autores daquela ‘merda’.
Eu respondi que não era ‘merda’, mas uma reportagem fundamentada”, conta
José Maria Rabêlo, que chegou “às vias de fato” com o general. No mesmo
dia, cerca de 200 homens do Exército e da Aeronáutica depredaram as
instalações do Binômio. “Só escapei porque deixei o jornal depois da
briga. Essa violência foi noticiada no mundo inteiro”, lembra o
jornalista, que depois do golpe viveu exilado por mais de 15 anos.
Ponto a ponto
• Diante das propostas de reforma de base do governo João Goulart,
setores conservadores da sociedade, militares, e entidades
representativas do empresariado pressionam a queda do presidente,
acusado de ser uma “ameaça comunista”.
• A grande mídia reflete os desejos destes setores. Veículos como O
Estado de S. Paulo; Organizações Globo; TV Record; Jornal do Brasil e
também o grupo Folhas mantêm relações estreitas com dois órgãos
extremamente importantes no período: o Instituto de Pesquisas e Estudos
Sociais (Ipes) e o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad). O
complexo Ipes/Ibad coordenava uma ampla campanha política e ideológica
contra o governo Jango.
• O Ibad teria, inclusive, recebido recursos dos Estados Unidos para
financiar campanhas de opositores ao Goulart, como Carlos Lacerda,
Magalhães Pinto e Ademar de Barros, além de uma série de deputados e
senadores.
• Em 31 de março de 1964, com a grande mídia a favor e suposto apoio popular, os militares depõem o presidente João Goulart.
• Em 1º de abril de 1964, prisões e protestos se espalham pelo país em
consequência do golpe militar. A sede da UNE, no Rio, é incendiada e
tomada pelo governo militar.
• Em 2 de abril, o presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli
, assume a Presidência interinamente, mas o poder de fato passa a ser
exercido por uma junta, autodenominada Comando Supremo da Revolução,
composta pelo general Artur da Costa e Silva, almirante Augusto
Rademaker Grünewald e o brigadeiro Francisco de Assis Correia de Melo.
• Em 9 de abril de 1964 é editado o Ato Institucional nº 1 (AI-1), que
permite a cassação de mandatos e a suspensão de direitos políticos. São
marcadas eleições indiretas em dois dias para Presidência e
vice-presidência da República, com mandato válido até 31 de janeiro de
1966.
• No dia seguinte é divulgada a primeira lista de cassados pelo AI-1.
Entre os 102 nomes estão o de João Goulart, Jânio Quadros, Luís Carlos
Prestes, Leonel Brizola e Celso Furtado, assim como 29 líderes sindicais
e alguns oficias das Forças Armadas.
• Em 15 de abril, o marechal Humberto de Alencar Castello Branco assume
a Presidência, eleito pelo Congresso Nacional. Castelo Branco deveria
governar até 31 de janeiro de 1966. Porém, seu mandato é prorrogado e
são suspensas as eleições presidenciais diretas previstas para 3 de
outubro de 1965. Ele permanece até 15 de março de 1967.
• Em 9 maio de 1964, o dirigente comunista Carlos Marighella é baleado e
preso no Rio. Em 27 de outubro do mesmo ano, o Congresso aprova o
projeto Suplicy, que extingue a UNE e proíbe as organizações estudantis
de realizar protestos. Em 4 de novembro de 1969, é executado por agentes
do Dops em São Paulo.
• O governo do general Emílio Garrastazu Medici, de 1969 a 1974, é
considerado o mais duro do período militar. A repressão à luta armada
cresce e uma severa política de censura é colocada em execução. São os
anos de chumbo.
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