Ateliês produzem calçados com componentes importados, atividade legal, mas criticada por entidades do setor calçadista

Atividade emprega cerca de mil pessoas em 20 indústrias localizadas em diversos municípios
Foto:
Charles Dias / Especial
Micheli Aguiar
Tem muito sapato no mercado com etiqueta Made in Brazil feito com
peças vindas da China. Montar calçados com componentes importados do
principal concorrente brasileiro virou prática corriqueira de ateliês,
principalmente no Vale do Sinos. A parceria, iniciada há quatro anos, é
simples. Empresas gaúchas entram com a mão de obra especializada e
empresários chineses, com as peças, em especial o cabedal — a parte de
cima do calçado. A relação se torna legítima com índice de
nacionalização de pelo menos 40%. O resultado é um sapato com preço que
pode chegar a metade do produzido só com componentes nacionais.
Usar o conhecimento da região — uma das maiores concentrações de calçadistas do país, apesar de não ser ilegal, incomoda os líderes do setor. A Associação Brasileira da Indústria de Calçados (Abicalçados) tenta que o governo crie medidas de proteção.
Além disso, finalizar o processo aqui seria uma forma de escapar da tarifa antidumping, que impõe acréscimo de US$ 13,85 para cada par produzido na China e vendido no Brasil. Importar as peças também é mais vantajoso, segundo a Abicalçados, já que o imposto sobre os componentes varia entre 18% e 20%, enquanto o do produto montado é de 35%.
Produzir sapatos com peças vindas da China foi a forma encontrada pelo empresário Luiz Gilberto de Freitas, de Sapiranga, para seguir trabalhando. Depois de quase três décadas como funcionário, decidiu gerenciar o próprio negócio. O ateliê, aberto em 2010, foi um fracasso, principalmente pelos atrasos nos pagamentos.
— Com o chinês, é garantia de serviço para o mês todo e ainda paga o trabalho a cada semana — afirma Freitas.
Chineses buscam etiqueta nacional como diferencial
Em Campo Bom, o empresário Adair Fillmann também está satisfeito com os parceiros asiáticos. Após morar na Nicarágua trabalhando para uma grande empresa brasileira que usava componentes chineses, encontrou na montagem de sapatos a maneira de gerar emprego para 59 funcionários responsáveis por duas linhas de montagem masculinas.
— A gente produz até 2,5 mil pares por dia. Entramos só com a mão de obra — relata o empresário.
O ateliê de Fillmann produz calçados masculinos da Broken Rules, enquanto o de Freitas monta a coleção feminina da Mooncity. Ambas as marcas são da Fluxo Confecções, de São Paulo. A empresa tem como sócios dois chineses, que estão há mais de uma década no Brasil. Hoje, cerca de mil pessoas trabalham em 20 fábricas em cidades como Dois Irmãos, Estância Velha e Candelária.
Finalizar o produto no país foi a solução encontrada pela Fluxo Confecções para ampliar a participação no mercado brasileiro e ganhar competitividade por meio do preço. Sem revelar o volume de calçados montados em fábricas gaúchas, a empresa conseguiu, com a tática, garantir etiqueta Made in Brazil, uma forma de conquistar o consumidor brasileiro.
— Estamos no Brasil desde 2004 e era preciso se adaptar a uma nova realidade. Conhecer o fornecedor também é uma das nossas vantagens na importação — diz o consultor no Brasil da Fluxo Confecções, Nunzio Atanazio.
Importar peças é legal, diz governo
Suspeitas sobre a legalidade da montagem de calçados com peças chinesas no Brasil fizeram com que a Fluxo Confecções tivesse de prestar esclarecimentos ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. A empresa trazia solados pelo porto de Paranaguá (PR) — atualmente, tem um parceiro em Nova Hartz —, e o cabedal vinha por Itajaí (SC). A Fluxo também utiliza a Capital Trade, de Itajaí, como sua importadora de componentes. A Abicalçados interpreta que a divisão da entrada da matéria-prima no país burla a fiscalização.
— A investigação se estendeu a outras empresas e não resultou em nada efetivo. Para o governo, é legal — diz Heitor Klein, presidente da Abicalçados.
A legislação do Brasil permite que um produto receba a etiqueta como nacional quando há até 60% de componentes importados, o que dá segurança e respaldo legal para as empresas. Indústrias brasileiras também usam a tática. Prova disso é o salto na importação do cabedais, que saiu de pouco mais de 300 mil pares em 2004 para mais de 13 milhões no ano passado, segundo dados do ministério.
Para Valdemar Masselli, vice-presidente de Inovação e Tecnologias da Associação Brasileira de Empresas de Componentes para Couro, Calçados e Artefatos (Assintencal), esse tipo de estratégia fere a indústria calçadista. O executivo afirma que a briga pelo menor preço faz o produto brasileiro perder valor agregado e mutila o desenvolvimento do setor no Estado.
Para Marcos Lélis, gerente-executivo de inteligência comercial e estratégia de mercado da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimento (Apex-Brasil), a indústria local não pode ficar somente nos pedidos de medidas de proteção junto ao governo, mas buscar projetos que visem a inovação do produto.
— Medidas de proteção só servem a curto prazo. Quem está bem hoje iniciou o processo de mudança há 10 anos, quando os chineses começaram a incomodar de verdade.
Meta é alcançar os mercados classe A
Enquanto chineses vêm ao Brasil produzir calçados de olho no mercado local, os brasileiros querem conquistar o segmento de luxo, que não para de crescer na China — a previsão é aumentar 10,9% até 2016. A meta é transformar o calçado verde e amarelo em objeto de desejo, assim como o italiano, que já conquista as vitrines asiáticas.
Para vestir os pés das mulheres chinesas, no entanto, é preciso saltar da incômoda posição de calçado mediano para de alto padrão.
De forma modesta, mas consolidada, o calçado brasileiro já ocupa espaço em lojas chinesas. Desde 2011, 12 empresas exportam focadas para o público chinês de classes A e B, concorrendo, justamente, com os italianos. O potencial de consumo dessa fatia de mercado é de mais de 1 bilhão de pares por ano.
— Não queremos concorrer com o calçado chinês, porque essa guerra é perdida. Queremos concorrer com sapatos de excelência — afirma Heitor Klein, presidente da Abicalçados.
Abrir e conquistar o mercado chinês exigiu estudo estratégico do setor, que contou com o auxílio da Apex-Brasil para criar o programa Brazilian Footwear. A iniciativa oferece informações, dados e pesquisas de direcionamento para o calçado brasileiro. Em 10 anos, o Brasil conseguiu ampliar de 98 para 150 o número de países com os quais negocia. Desses, sete são tratados como padrão classe A: China, Estados Unidos, África do Sul, Colômbia, França, Emirados Árabes Unidos, Rússia e Itália.
— Esse projeto quer colocar o calçado brasileiro em um patamar onde a nossa indústria possa se desenvolver com qualidade. Concorrer com o italiano e o espanhol é o futuro — afirma Marcos Lélis, gerente-executivo de inteligência comercial e estratégia de mercado da Apex-Brasil.
Usar o conhecimento da região — uma das maiores concentrações de calçadistas do país, apesar de não ser ilegal, incomoda os líderes do setor. A Associação Brasileira da Indústria de Calçados (Abicalçados) tenta que o governo crie medidas de proteção.
Além disso, finalizar o processo aqui seria uma forma de escapar da tarifa antidumping, que impõe acréscimo de US$ 13,85 para cada par produzido na China e vendido no Brasil. Importar as peças também é mais vantajoso, segundo a Abicalçados, já que o imposto sobre os componentes varia entre 18% e 20%, enquanto o do produto montado é de 35%.
Produzir sapatos com peças vindas da China foi a forma encontrada pelo empresário Luiz Gilberto de Freitas, de Sapiranga, para seguir trabalhando. Depois de quase três décadas como funcionário, decidiu gerenciar o próprio negócio. O ateliê, aberto em 2010, foi um fracasso, principalmente pelos atrasos nos pagamentos.
— Com o chinês, é garantia de serviço para o mês todo e ainda paga o trabalho a cada semana — afirma Freitas.
Chineses buscam etiqueta nacional como diferencial
Em Campo Bom, o empresário Adair Fillmann também está satisfeito com os parceiros asiáticos. Após morar na Nicarágua trabalhando para uma grande empresa brasileira que usava componentes chineses, encontrou na montagem de sapatos a maneira de gerar emprego para 59 funcionários responsáveis por duas linhas de montagem masculinas.
— A gente produz até 2,5 mil pares por dia. Entramos só com a mão de obra — relata o empresário.
O ateliê de Fillmann produz calçados masculinos da Broken Rules, enquanto o de Freitas monta a coleção feminina da Mooncity. Ambas as marcas são da Fluxo Confecções, de São Paulo. A empresa tem como sócios dois chineses, que estão há mais de uma década no Brasil. Hoje, cerca de mil pessoas trabalham em 20 fábricas em cidades como Dois Irmãos, Estância Velha e Candelária.
Finalizar o produto no país foi a solução encontrada pela Fluxo Confecções para ampliar a participação no mercado brasileiro e ganhar competitividade por meio do preço. Sem revelar o volume de calçados montados em fábricas gaúchas, a empresa conseguiu, com a tática, garantir etiqueta Made in Brazil, uma forma de conquistar o consumidor brasileiro.
— Estamos no Brasil desde 2004 e era preciso se adaptar a uma nova realidade. Conhecer o fornecedor também é uma das nossas vantagens na importação — diz o consultor no Brasil da Fluxo Confecções, Nunzio Atanazio.
Importar peças é legal, diz governo
Suspeitas sobre a legalidade da montagem de calçados com peças chinesas no Brasil fizeram com que a Fluxo Confecções tivesse de prestar esclarecimentos ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. A empresa trazia solados pelo porto de Paranaguá (PR) — atualmente, tem um parceiro em Nova Hartz —, e o cabedal vinha por Itajaí (SC). A Fluxo também utiliza a Capital Trade, de Itajaí, como sua importadora de componentes. A Abicalçados interpreta que a divisão da entrada da matéria-prima no país burla a fiscalização.
— A investigação se estendeu a outras empresas e não resultou em nada efetivo. Para o governo, é legal — diz Heitor Klein, presidente da Abicalçados.
A legislação do Brasil permite que um produto receba a etiqueta como nacional quando há até 60% de componentes importados, o que dá segurança e respaldo legal para as empresas. Indústrias brasileiras também usam a tática. Prova disso é o salto na importação do cabedais, que saiu de pouco mais de 300 mil pares em 2004 para mais de 13 milhões no ano passado, segundo dados do ministério.
Para Valdemar Masselli, vice-presidente de Inovação e Tecnologias da Associação Brasileira de Empresas de Componentes para Couro, Calçados e Artefatos (Assintencal), esse tipo de estratégia fere a indústria calçadista. O executivo afirma que a briga pelo menor preço faz o produto brasileiro perder valor agregado e mutila o desenvolvimento do setor no Estado.
Para Marcos Lélis, gerente-executivo de inteligência comercial e estratégia de mercado da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimento (Apex-Brasil), a indústria local não pode ficar somente nos pedidos de medidas de proteção junto ao governo, mas buscar projetos que visem a inovação do produto.
— Medidas de proteção só servem a curto prazo. Quem está bem hoje iniciou o processo de mudança há 10 anos, quando os chineses começaram a incomodar de verdade.
Meta é alcançar os mercados classe A
Enquanto chineses vêm ao Brasil produzir calçados de olho no mercado local, os brasileiros querem conquistar o segmento de luxo, que não para de crescer na China — a previsão é aumentar 10,9% até 2016. A meta é transformar o calçado verde e amarelo em objeto de desejo, assim como o italiano, que já conquista as vitrines asiáticas.
Para vestir os pés das mulheres chinesas, no entanto, é preciso saltar da incômoda posição de calçado mediano para de alto padrão.
De forma modesta, mas consolidada, o calçado brasileiro já ocupa espaço em lojas chinesas. Desde 2011, 12 empresas exportam focadas para o público chinês de classes A e B, concorrendo, justamente, com os italianos. O potencial de consumo dessa fatia de mercado é de mais de 1 bilhão de pares por ano.
— Não queremos concorrer com o calçado chinês, porque essa guerra é perdida. Queremos concorrer com sapatos de excelência — afirma Heitor Klein, presidente da Abicalçados.
Abrir e conquistar o mercado chinês exigiu estudo estratégico do setor, que contou com o auxílio da Apex-Brasil para criar o programa Brazilian Footwear. A iniciativa oferece informações, dados e pesquisas de direcionamento para o calçado brasileiro. Em 10 anos, o Brasil conseguiu ampliar de 98 para 150 o número de países com os quais negocia. Desses, sete são tratados como padrão classe A: China, Estados Unidos, África do Sul, Colômbia, França, Emirados Árabes Unidos, Rússia e Itália.
— Esse projeto quer colocar o calçado brasileiro em um patamar onde a nossa indústria possa se desenvolver com qualidade. Concorrer com o italiano e o espanhol é o futuro — afirma Marcos Lélis, gerente-executivo de inteligência comercial e estratégia de mercado da Apex-Brasil.
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