BLOG ORLANDO TAMBOSI9
Não seria a primeira vez em que objetivo estratégico justifica “sacrifícios” táticos — em outras palavras, afogar forças do lado russo. Vilma Gryzinski:
“Militares
que estavam se deslocando ao longo da represa, naturalmente, morreram.
Uma avalanche de quase trinta metros de altura de água varreu a planície
do Dnipro, levando tudo no seu caminho. Toda a parte baixa de
Zaporijia, com grandes depósitos de produtos variados, equipamento
militar, dezenas de milhares de toneladas de produtos alimentícios, foi
inundado em questão de minutos”.
“Dezenas
de embarcações com seus tripulantes pereceram na terrível enchente.
Unidades militares (soviéticas) ocupavam posições ao longo de dezenas
quilômetros do Dnipro. De repente, apareceu um rio. Um grande número de
oficiais e soldados do Exército Vermelho, com peças de artilharia e
equipamento bélico, morreu. Além dos militares, dezenas de milhares de
cabeças de gado e de pessoas que trabalhavam no campo morreram na
inundação”.
A
impressionante descrição foi feita por um ucraniano sobre os
acontecimentos de 18 de agosto de 1941, quando Stálin deu a ordem às
tropas da NKVD, a polícia política que tinha suas próprias unidades
militares, para explodir a usina hidrelétrica do rio Dnipro, a maior da
Europa, inaugurada apenas dois anos antes, com o objetivo de parar o
avanço das tropas invasoras da Alemanha nazista.
Historiadores calculam que entre 20 mil e 100 mil civis e militares morreram na inundação, um nada pelos padrões stalinistas.
“Explodimos
a represa do Dnipro para não permitir que esse primogênito do plano
quinquenal caísse nas mãos dos bandidos hitleristas”, disse um porta-voz
soviético da época — sem mencionar que a hidrelétrica havia sido
construída com ajuda de americanos, recompensados com condecorações,
joias, obras de arte e, principalmente, grandes estoques de cereais
confiscados na Ucrânia aos camponeses que resistiam às ordens de
coletivização do campo — os mortos nesse “terror pela fome” são
calculados entre 3,5 e 7 milhões.
A
descrição impressiona pela semelhança com a explosão da usina
hidrelétrica de Kakhovna, na madrugada de terça-feira. Ela fica a 150
quilômetros de Zaporijia, localidade agora mais conhecida pela usina
nuclear, sob controle russo, cujo funcionamento vive sendo ameaçado.
Um oficial ucraniano, capitão Andrei Pidlisni, disse à CNN que “ninguém do lado russo conseguiu escapar”.
“Todos os regimentos que os russos tinham daquele lado foram levados pela enchente”, afirmou.
A
explosão da represa deixou dezenas de milhares de pessoas com suas
casas e plantações inundadas e um número incalculável de animais
domésticos, além de cerca de 300 animais selvagens de um zoológico de
Nova Karkhovna, cidade do lado sob ocupação russa. Só escaparam os
cisnes, que foram vistos nadando em torno da prefeitura inundada, no
lado ucraniano.
Embora
chocante, e incluída na lista de crimes de guerra das Convenções de
Genebra, a destruição da represa não foi exatamente uma surpresa para os
militares ucranianos. Eles próprios usaram a tática, em escala muito
menor, para segurar os russos, logo no início da invasão, numa região
perto de Kiev.
A
explosão e a inundação complicam bastante a contraofensiva da Ucrânia,
cujas forças precisam atravessar o rio Dnipro para tentar interromper o
corredor territorial que liga as áreas sob ocupação russa à Crimeia.
As
águas vão baixar nos próximos, deixando prejuízos materiais e
ambientais de extensão que está sendo comparada ao derretimento do
reator nuclear da usina de Chernobil, no fim da era soviética — e também
terrenos enlameados que dificultam ou impossibilitam o avanço de
blindados.
O
alto comando ucraniano não tem muito o que inventar, apesar da
flexibilidade e da criatividade demonstradas ao longo dos últimos
dezesseis meses. Suas forças têm que ir para a outra margem do rio e
empreender ataques contra um inimigo que está na defensiva e se preparou
longamente para o assalto, com trincheiras tão longas que podem ser
vistas em imagens de satélite, incontáveis dispositivos antitanque e
concentração das tropas, em princípio, mais preparadas.
Foi
esse um dos motivos para deixar o Grupo Wagner encarregado da tomada de
Bakhmut — um assunto mal resolvido, inclusive com acusações do seu
desbocado líder, Ievgueni Prigozhin, de que suas forças estão sendo
bombardeadas pelos próprios compatriotas — e não por um erro do tipo
fogo amigo.
Nunca antes numa guerra convencional houve uma presença militar e política tão grande de uma força paralela como o Grupo Wagner.
Esta
é apenas uma das novidades dessa guerra em que a segunda maior potência
militar do mundo não apenas não consegue realizar seus planos de
ocupação, domínio e anexação de um país mais fraco, como demonstra
graves vulnerabilidades em termos de doutrina, planejamento,
equipamento, tática, desempenho e logística.
Teriam
os russos matado seus próprios homens com a explosão da hidrelétrica
para alcançar um trunfo como atrasar a contra-ofensiva inimiga?
Fora
as declarações do capitão ucraniano, não há, por enquanto, outros
indícios. Garantir isso é tão difícil quanto encontrar quem sustente que
os russos nunca, jamais, de forma alguma fariam isso. Podem fazer,
fizeram no passado e talvez tenham feito de novo.
Em
vários sentidos, mandar ondas e mais ondas de recrutas mal treinados e
mal equipados para tomar de assalto posições inimigas, para depois usar
sua reação como forma de localizar quais alvos devem ser atacados pela
artilharia pesada, não é muito diferente de afogar seus próprios
combatentes em troca de vantagens estratégicas.
“A
guerra é um inferno”, proclama uma das mais famosas frases sobre o
assunto, dita pelo general Sherman, que lutou do lado vencedor, o da
união, da Guerra Civil Americana.
Uma
guerra de conquista é mais infernal ainda e vamos ver seus próximos
desdobramentos nas semanas à frente. A prazo mais longo, talvez esteja
sendo configurada a realização do comentário de Leon Aron, historiador
russo emigrado para os Estados Unidos:
“Os deuses da história russa são extremamente implacáveis com derrotas militares”.
Aron
acha que Putin pode continuar com a guerra até que os mais importantes
líderes ocidentais — e a opinião pública de seus países — se cansem ou
sejam substituídos e desistam progressivamente da Ucrânia. Ou pode
forçar uma situação que leve o planeta à beira de um confronto nuclear
e, com todo mundo em estado de extremo pânico, propor então um acordo de
paz que o deixe com os territórios ocupados atualmente.
Tem
autocandidatos ao Nobel da Paz que já estão propondo isso
antecipadamente. É a turma louca para assinar uma rendição em nome do
país dos outros.
Postado há 1 week ago por Orlando Tambosi
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