Por Reinaldo José Lopes | Folhapress
O
mais abrangente estudo feito até hoje sobre o desenvolvimento da fala
entre bebês, do nascimento aos 2 anos de idade, revelou um paradoxo
curioso ao comparar crianças do sexo masculino e feminino.
Ao que parece, ao longo do primeiro ano de vida, os meninos são os
mais tagarelas, mas esse padrão se inverte nos meses seguintes, com as
meninas assumindo a dianteira na produção de sons e das primeiras
palavras.
Os dados do trabalho também reforçam a ideia de que membros da nossa
espécie, em geral, já vêm "de fábrica" com uma capacidade quase
irreprimível de produzir linguagem falada. Na maioria das vezes, os
quase 6.000 bebês acompanhados pelos pesquisadores não estavam
interagindo com outras pessoas quando emitiam suas vocalizações. Ou
seja, "falavam" pelo simples prazer de falar.
Publicado na revista especializada iScience, o levantamento foi
coordenado por David Kimbrough Oller, da Universidade de Memphis, no
Tennessee (região sul dos EUA).
O pesquisador e seus colegas trabalharam com base em mais de 450 mil
horas de gravações, captando os sons emitidos pelas crianças e seus
familiares ao longo do dia todo. "Essa é a maior amostragem de qualquer
estudo já conduzido sobre o desenvolvimento da linguagem, até onde
sabemos", afirmou ele em comunicado oficial.
A massa de dados é tamanha que seria impossível analisá-la
manualmente. Por isso, a equipe de Memphis desenvolveu um sistema que
classificava de forma automática os sons emitidos pelos bebês. O
objetivo era deixar de lado ruídos como choro, riso, tosse, arrotos e
soluços, levando em conta apenas o que os especialistas chamam de
protófonos, considerados precursores da fala.
A categoria de protófonos inclui o que costumamos chamar de balbucios
-- o "bá-bá-bá" ou "tá-tá-tá" que lembram muito sílabas de palavras
propriamente ditas -- e também outros sons orais menos definidos que
parecem ser parte importante do processo de aprendizagem da linguagem
falada.
O sistema automatizado junta tanto os protófonos quanto as primeiras palavras das crianças na mesma categoria.
A análise se subdivide ainda em três aspectos. O primeiro, a
volubilidade, leva em conta simplesmente a disposição maior ou menor dos
bebês para "falar", contando os protófonos que emitem ao longo do dia. O
segundo aspecto é o de "turnos de conversação", que considera até que
ponto as crianças balbuciam num intervalo de até 5 segundos após um
adulto falar algo perto delas (mas não necessariamente se dirigindo a
elas). Por fim, o estudo também contou quantas palavras os adultos
diziam perto dos bebês, para investigar até que ponto esse estímulo está
relacionado ao nível de "tagarelice" infantil.
A análise dos dados revelou que, no primeiro ano de vida, os bebês do
sexo masculino emitiam 10% mais protófonos que os do sexo feminino, mas
essa vantagem se invertia ao longo do segundo ano de vida, quando as
meninas passavam a produzir 7% mais sons típicos da fala.
O padrão se repete no quesito "turnos de fala", com meninos, de
início, mais tagarelas depois que adultos falam, e uma inversão disso
conforme os bebês vão ficando mais velhos. Tudo indica que não se trata
de uma influência do estímulo dos adultos: desde o nascimento, os pais e
parentes conversam mais com as meninas do que com os meninos.
Os dados são relativamente surpreendentes porque uma série de estudos
com crianças e adultos indica uma ligeira vantagem média feminina na
desenvoltura linguística ao longo da vida, embora isso varie muito de
acordo com as circunstâncias exatas da conversa e outros fatores.
Segundo os pesquisadores, uma hipótese possível, baseada na teoria da
evolução, seria a de um elo com a mortalidade mais elevada de meninos,
em especial até um ano de idade. De fato, assim como mulheres adultas
tendem a viver mais, bebês do sexo feminino também costumam ter
mortalidade mais baixa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário