BLOG ORLANDO TAMBOSI
Por que empresas se promovem usando pessoas transgêneros para anunciar seus produtos? Para se passar por inclusivas, mas reação pode ser negativa. Vilma Gryzinski:
O caso da cerveja Bud Light virou um clássico instantâneo: recorreram à influenciadora trans Dylan Mulvaney para criar uma imagem antenada com o que imaginava ser unanimidade entre consumidores jovens e acabaram com um boicote que chegou a provocar uma queda de 28% nas vendas, sem dar sinais de retrocesso.
Ataques
a Dylan Mulvaney, que se imagina mulher e ainda por cima parecida com a
excepcionalmente bela Audrey Hepburn, são altamente condenáveis, mas a
falta de conhecimento de seu próprio público por parte da empresa,
pertencente à InBev, também revelou um impressionante desprezo pelas
pessoas mais conservadoras, que não querem saber de tomar a “cerveja
gay” ou serem obrigadas a defender alguma posição na guerra dos queer, a
categoria genérica que inclui os transgêneros, numa hora em que querem
apenas relaxar num balcão de bar.
Num
mundo ideal, poucos ligariam para a latinha comemorativa feita com o
rosto de Mulvaney, mas no mundo real um bocado de gente se incomodou.
Também não pegou nada bem o vídeo de Mulvaney usando leggings e top da
Nike e parodiando o modo como mulheres fazem ginástica.
Como
numa espécie de resposta à resposta, a Calvin Klein, conhecida pelas
campanhas de calcinhas, sutiãs e cuecas com algumas das pessoas mais
belas – e quase nuas – do universo, provocou: colocou um homem trans bem
fornido de gordura usando um top onde acomoda os seios que pretende
extirpar em breve.
Com
barba cerrada e pelos fartos sobre o corpo, sinais de doses maciças de
testosterona, Bappier Kortam contracena com sua companheira na vida
real, Jamila, também cheia de quilos extras.
É,
obviamente, uma provocação deliberada, como se a empresa dissesse: “Não
gostaram da mulher trans da Nike? Acharam um absurdo ela anunciar
roupas femininas sem ter seios? Pois olhem o que temos a mostrar”.
A
Calvin Klein pelo menos sempre foi do ramo da provocação em suas
campanhas de publicidade. Mas o que dizer da comportada North Face,
conhecida pelos agasalhos quentes e leves, que convocou uma drag queen,
de peruca ruiva e bigode, e ainda se apresentando como Pattie Gonia, um
trocadilho que os publicitários devem ter achado muito engraçado, para
promover roupas de inverno, inclusive usadas por crianças?
A
experiência da Target, a gigantesca rede que praticamente veste metade
ou mais dos Estados Unidos, foi muito negativa ao entrar nesse campo
altamente discutível. Diante das reações do público, que incluíram
discussões com vendedores e roupas jogadas no chão, a Target colocou no
fundo de suas lojas a coleção do “orgulho gay”.
Mais
do que macacõezinhos de bebê nas cores do arco-íris, a linha incluía
maiôs de duas peças com os seguintes itens: tops de tecido de alta
compressão para meninas que querem ser meninos esmagar seus seios e
partes de baixo também compressoras, com modelagem especial na área da
virilha, para meninos que querem ser meninas esconder seus genitais.
Detalhe:
a pessoa que projetou a linha é Erik Carnell, mulher biológica que se
identifica como homem, e desenvolve uma linha própria que inclui
produtos com pentagramas, caveiras de bode e a frase “Satã respeita os
pronomes”. Misturar satanismo com uma rede popular americana mais do que
não dar certo, coloca a “guerra trans” no meio de comunidades que
preferem não se envolver com a questão ou simplesmente condenam os
exageros de uma militância que em várias instâncias parece ter sido
transformada numa seita de fanáticos.
Um
exemplo é o da ciclista trans Emily Bridges à decisão da associação que
regula o esporte na Grã-Bretanha de não permitir homens biológicos nas
competições femininas. Os especialistas mais isentos – sem falar no bom
senso – concordam que, mesmo tomando hormônios ou fazendo intervenções
cirúrgicas, as mulheres trans continuam a dispor de enormes vantagens
físicas sobre as mulheres biológicas. É por isso que não existem homens
trans, com biologia feminina, disputando esportes masculinos.
É
possível discordar e apresentar argumentos contrários. Mas Emily
Bridges acusou a associação de ciclismo de simplesmente praticar
“genocídio”, nada mais nada menos. Lembremos que vivemos num mundo que
ainda carrega as cicatrizes de monstruosidades como o genocídio dos
armênios da Turquia, dos judeus da Europa e, mais recentemente, dos
tutsis de Ruanda. É moralmente repugnante colocar isso no mesmo nível
que a proibição a mulheres trans de participar de corridas de bicicleta
femininas.
Absurdos
dessa natureza provocam reações igualmente extremas. O Tennessee se
tornou o primeiro dos estados americanos mais conservadores a proibir
shows de drag queens em propriedades públicas. É uma forma de acabar com
a moda de convidar drags para contar histórias em escolas.
As
exuberantes e cáusticas drags fazem, por definição, apresentações
cheias de piadas e linguagem corporal sexualizada. São espetáculos para
adultos, que podem escolher assisti-los ou não, não para crianças. Se
mulheres biológicas se apresentassem em escolas infantis usando roupas
parecidas com as das drags, seriam sumariamente expulsas.
Andrew
Sullivan escreveu um recente artigo intitulado “Os queers contra os
homossexuais” onde diz que o movimento trans perdeu qualquer relação com
a antiga luta pelos direitos dos gays. Hoje, inclui temas como “escolas
públicas ensinando conceitos da teoria de gênero e queer a partir do
jardim da infância, mudança de sexo para crianças antes da puberdade, a
colocação de pessoas biologicamente do sexo masculino em prisões
femininas e abrigos para vítimas de estupro, e machos biológicos
competindo em esportes femininos”.
Como
homossexual, Sullivan é particularmente sensível ao fato de que a
“teoria queer” elimina a ideia de que existem pessoas que gostam de
outras do mesmo sexo. “A homossexualidade não é parte da natureza porque
não existe algo como a natureza humana, pois tudo é socialmente
construído, até o corpo”, diz ele sobre o raciocínio queer.
Homossexuais
que se sentem rejeitados, e até negados em sua essência, pela nova onda
queer não são uma novidade – existem situações perturbadoras como a
pressão social sobre jovens lésbicas para fazerem sexo com homens que se
declaram mulheres, mas continuam com todo o equipamento masculino. Se
se recusam, elas são chamadas de transfóbicas.
Anúncios
de tops, maiôs, cerveja ou casacos de inverno passam por cima dessas
complexidades e pretendem faturar com a imagem de inclusividade e
sintonia com os novos tempos. Não estão se dando exatamente bem. A
fabricante da Bud Light já perdeu 14,8 bilhões em valor de mercado.
Postado há 1 week ago por Orlando Tambosi
Nenhum comentário:
Postar um comentário