Degradação
pode afetar de 19% a 45% de toda a área do bioma, de acordo com
ferramenta que mapeou pela primeira vez os vetores de degradação no
Brasil.
A
área de vegetação nativa remanescente que pode estar degradada no
Cerrado está entre 18 milhões e 43 milhões de hectares. Essa é a maior
área de vegetação degradada dentre todos os biomas - corresponde a 19% e
45% de toda a vegetação nativa do bioma, respectivamente. Os dados
foram levantados de forma inédita em iniciativa coordenada por
pesquisadores do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) e
lançada nesta sexta-feira (05) para compor o leque de módulos
disponibilizados pela rede MapBiomas.
A versão beta da plataforma de vetores da degradação
permite que pesquisadores e tomadores de decisões combinem vetores para
mapear áreas suscetíveis à degradação no Brasil e gerar cenários do
impacto de diferentes fatores sobre a saúde e as funções da vegetação
nativa remanescente. Para mapear essas áreas, é possível usar diferentes
parâmetros para cada um dos vetores disponíveis na plataforma, como
área de borda, tamanho dos fragmentos, isolamento dos fragmentos,
frequência de fogo, tempos desde o último fogo e idade da vegetação
secundária.
Enquanto
o desmatamento remove toda a vegetação de uma área, esses vetores de
degradação atuam com a vegetação nativa em pé, enfraquecendo sua
estrutura e ocasionando perda de biodiversidade e diminuição nos seus
serviços ecossistêmicos, como captura de carbono e evapotranspiração.
“A
degradação é um processo que causa perda nas propriedades, serviços e
funções de um ecossistema. A linha de base do que é uma perda varia em
função do que se adota como referência, por isso a plataforma foi
construída para permitir a construção de cenários multicritério,
possibilitando a avaliação dos vetores de degradação sobre múltiplas
perspectivas e por territórios”, explica Dhemerson Conciani, pesquisador
do IPAM.
Área de borda e fragmentação
Um
dos vetores de degradação identificados e que pode ser incluído em
análises na plataforma é a área de borda, que consiste no aumento da
fragilidade da parcela de vegetação que se encontra nas extremidades de
uma área de vegetação nativa. Mais vulneráveis ao vento, à radiação
solar e aos agrotóxicos, a vegetação nas bordas é mais suscetível ao
fogo e sua fauna e flora sofrem com maiores índices de predação e
herbívora – quando animais e insetos se alimentam de plantas.
Segundo
a plataforma, a área de borda varia entre 116 milhões e 60 milhões de
hectares em todo o Brasil e tem aumentado rapidamente desde 1985, sendo
um dos vetores de degradação mais comuns no Cerrado e Amazônia. A área
de borda está associada à abertura ao redor de vegetação nativa
preservada, podendo afetar, inclusive, unidades de conservação ilhadas
pelo desmatamento.
O
Cerrado é o bioma com a maior área de borda, variando entre 38,2 a 19,6
milhões de hectares da vegetação natural remanescente. Esse intervalo
considera bordas de 60 a 150 metros. Proporcionalmente, no entanto, o
bioma mais afetado foi a Mata Atlântica, que têm entre 42% e 69% da sua
vegetação natural remanescente suscetível à degradação.
A
susceptibilidade à degradação também pode ser influenciada pelo tamanho
do fragmento de vegetação e a distância que ela se encontra de outras
áreas remanescentes. Ambos são fundamentais para garantir a
biodiversidade, a variabilidade genética e o funcionamento do
ecossistema. De acordo com os dados levantados na plataforma, mais de 17
milhões de hectares de vegetação nativa podem estar localizados em
parcelas de até 50 hectares e quase 10 milhões de hectares estão em
fragmentos a mais de 5km de outras áreas de vegetação.
Degradação pelo fogo
O
fogo tem efeitos diferentes em diferentes biomas e fisionomias. Em
campos e savanas, por exemplo, o fogo, quando ocorre na frequência e
intensidade correta, faz parte do desenvolvimento e manutenção da
vegetação. Áreas alagadas e de floresta, por sua vez, não queimam
naturalmente e por isso são mais degradadas pelo fogo, que pode resultar
em danos irreversíveis, como a perda de espécies e a alteração
permanente da estrutura florestal. Dados do novo módulo de degradação
indicam que cerca de 15% das florestas remanescentes do Cerrado tiveram
pelo menos um evento de fogo na série histórica.
"No
Cerrado, o regime natural de fogo inclui ciclos regulares de queimadas,
mas essa dinâmica tem mudado significativamente. As secas prolongadas e
as altas temperaturas, combinadas ao uso indiscriminado do fogo na
agropecuária e no desmatamento, estão aumentando a frequência e a
severidade dos incêndios no bioma. Essa mudança pode intensificar os
processos de degradação, ameaçando a biodiversidade local e
comprometendo a integridade dos ecossistemas", acrescenta Vera Arruda,
pesquisadora do IPAM.
A
ausência de fogo em áreas onde ele naturalmente ocorreria também pode
ser um indicativo de degradação. Em ecossistemas adaptados ao fogo, como
formações campestres, a exclusão do fogo pode levar ao acúmulo de
matéria orgânica e o desaparecimento de plantas rasteiras que, sem
espaço, são substituídas por árvores e espécies de maior porte,
comprometendo a biodiversidade e a estrutura original da vegetação. No
Cerrado, 28% da área de formações campestres nunca foram atingidas pelo
fogo, segundo dados da plataforma.
Vegetação secundária
Cerca
de 9,5 milhões de hectares da vegetação nativa do Cerrado é secundária –
aquela que está em processo de regeneração após a remoção da vegetação
original, seja por causas humanas ou naturais. A vegetação secundária
com estrutura e funcionamento diferentes da vegetação original, é mais
instável e suscetível a perturbações externas como incêndios florestais,
tornando-a mais suscetível à degradação.
O tempo de crescimento da vegetação secundária varia de acordo com a fisionomia e o uso anterior da área, como pastagem ou agricultura. Por essa razão, a idade dessas áreas, especialmente no período entre 5 e 6 anos, é um indicador importante de sua estabilidade e do seu grau de susceptibilidade à degradação.
No Cerrado, a vegetação secundária ganha uma importância crescente devido às taxas alarmantes de desmatamento, que atingiu 1 milhão de hectares e superou a perda de vegetação nativa na Amazônia pela primeira vez.
“É necessário avançar em direção a uma estratégia que promova o aumento do valor ecossistêmico dessas áreas, estimulando sua conservação e oferecendo incentivos por sua preservação. Isso é fundamental para garantir que essas áreas não sejam convertidas e preservar o papel ecológico que desempenham, como o sequestro de carbono que pode inclusive ser maior que o da vegetação primária”, destaca Bárbara Costa, analista de pesquisa do IPAM.
Biomas
Perdendo
apenas para o Cerrado, a Amazônia, concentra a segunda maior área
suscetível à degradação, variando entre 19 e 34 milhões de hectares.
Essas áreas, no entanto, correspondem a apenas 5,4% e 9,8% da vegetação
nativa remanescente do bioma. Proporcionalmente, no entanto, a Mata
Atlântica é o bioma onde a vegetação nativa é mais suscetível à
degradação, com até 24 milhões de hectares, ou 73% de todo o bioma.
Recuperação de áreas degradadas
Em abril de 2023, um grupo de pesquisadores composto pelo IPAM elaborou e entregou um policy brief a representantes do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima alertando para a necessidade de incorporar medidas de combate à degradação na lista de prioridades do PPCDAm (Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal). O documento chama a atenção para as emissões de CO² em áreas degradadas, que já são semelhantes às áreas desmatadas, e para bombeamento de água 33% menor em áreas com algum tipo de degradação.
Como propostas, o policy brief
destaca a importância de aprimorar as técnicas de mapeamento de áreas
degradadas e defende a criação de um fundo de emergência capaz de apoiar
a proteção de áreas consideradas prioritárias. O relatório também
defende a criação de mecanismos específicos para garantir a qualidade
das áreas dentro de reservas legais e outras áreas protegidas, além da
necessidade de um grupo de trabalho técnico-científico que atue junto ao
MMA no desenvolvimento de novas políticas.
Mais informações:
Lucas Guaraldo
+55 (61) 992787561
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