BLOG ORLANDO TAMBOSI
Acossado pelo caso das gêmeas, assustado com a irrupção do Chega e as críticas do PS, desconcertado pela forma como Montenegro lida com ele, Marcelo resolveu criar um fato: o pagamento às ex-colónias. Helena Matos para o Observador:
“Temos
de pagar os custos. Há ações que não foram punidas e os responsáveis
não foram presos? Há bens que foram saqueados e não foram devolvidos?
Vamos ver como podemos reparar isto”, afirmou Marcelo Rebelo de Sousa,
segundo a agência Reuters, num jantar com a imprensa estrangeira.
A 27 de Abril voltou ao assunto: “Marcelo insiste em “reparação” às ex-colónias. “Não podemos meter isto para baixo do tapete. Temos obrigação de liderar”
O
embaraço perante as palavras do Presidente da República é enorme, a
começar pelo óbvio: uma iniciativa desta natureza de modo algum pode ser
uma iniciativa presidencial. Porquê então este frenesi presidencial?
Há
quem defenda que Marcelo está a ser como sempre foi; que agora que
cortou relações com o filho está ainda mais só; que não come nem bebe
como devia; que se está a divertir; que, para usar uma expressão que o
celebrizou, está “lelé da cuca”… Talvez esteja tudo isso. Ou talvez não.
O
que me parece indiscutível é, que acossado pelo caso das gémeas,
assustado com o crescimento do Chega e com as críticas do PS ao papel
que desempenhou na demissão de Costa e desconcertado pela forma como Montenegro lida com ele ao não alimentar o jogo marceliniano das fontes de Belém,
Marcelo resolveu criar um facto. Sim, noutros tempos Marcelo teria
saído de Belém à procura de eléctricos descarrilados ou de pessoas
sem-abrigo para logo repetir a exigência que fizera no ano anterior e no anterior ao anterior
de que se pusesse fim a tal flagelo. Ou teria ido para a praia mudar de
calções. Mas agora, neste penoso final de último mandato, nada disso já
é suficiente.
Portanto
Marcelo vai criar um cenário que baralhe tudo e todos e sobretudo o
preserve a ele. A esquerda que não lhe perdoa as eleições de Março de
2024 vai ter dificuldade em desligar-se destas propostas presidenciais. O
Governo será acusado de colonialismo pela esquerda e de fraqueza pelo
Chega, que obviamente capitalizará mais ainda. E ele Marcelo acredita
que vai ficar a pairar sobre a polémica.
Mais
uma vez agiu com a absoluta irresponsabilidade de quem não se interroga
sobre as consequẽncias das suas palavras. Por exemplo, este literal
ajuste de contas vai de quando a quando? Vamos, por exemplo, indemnizar
os descendentes das famílias judias cujos filhos foram mandados de
Lisboa para São Tomé no século XV, ou somos apenas responsáveis pelos
escravos que comprávamos nas costas africanas aos comerciantes árabes
que por sua vez os compravam a reis aficanos? E as reparações da
escravatura entre africanos vão ser assumidas por quem? Terão direito a
reparações os descendentes dos escravos traficados pela rainha Njinga ou
da serva que usou como cadeira enquanto negociava com o governador
português João Correia de Sousa? Inclui o conceito de reparação também
os chamados retornados? Por exemplo, quem lhes pagará a eles o que
deixaram em África? Portugal? Os estados nascidos nas colónias que
deixaram? Ou, o que será certamente mais fácil porque se resolve dentro
de portas, vai o estado português finalmente pagar os depósitos em
dinheiro que milhares de portugueses fizeram nos bancos portugueses que
operavam nas colónias e que acreditavam poder levantar quando chegassem a
Lisboa? Estas são apenas algumas das muitas questões suscitadas pelas
recentes declarações de Marcelo. Isto se nem ponderarmos o absurdo de
que esses novos estados que o Presidente pretende que indemnizemos pelo
nosso passado colonial são eles mesmos um resultado desse colonialismo.
Os estados de Angola, Moçambique, Brasil, Cabo Verde… não foram
colonizados por Portugal pela prosaica razão de que não existiam nesses
termos. Portanto vamos indemnizar pelo nosso passado colonial quem
resultou desse mesmo passado?
Como
todos aqueles que falharam no presente e desistiram do futuro, Marcelo
acantona-se no passado para daí, desse lugar que é História, fazer
política. O resultado desse tipo de táctica pode facilmente resvalar da
comédia para a tragédia. O que em certa medida é também o resumo dos
anos de Marcelo Rebelo se Sousa como Presidente da República: uma
comédia que se transformou numa tragédia.
Postado há 8 hours ago por Orlando Tambosi
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