Desde
que fortes tempestades atingiram São Paulo na última sexta-feira (3),
milhões de pessoas ficaram sem energia elétrica na capital paulista e em
outros 23 municípios da região metropolitana, com interrupções
causadas, principalmente, pela queda de árvores que romperam muitos
cabos elétricos. Isso porque, hoje, a nossa infraestrutura de
distribuição de energia é majoritariamente aérea. Segundo um
levantamento recente feito pelo CNPq (Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico), o Brasil conta hoje com
apenas 0,4% de suas redes de distribuição de energia instaladas de
maneira subterrânea. Afinal, por que contamos com uma porcentagem tão
baixa de redes instaladas de maneira enterrada?
Já
escrevo e comento sobre a necessidade de falarmos mais sobre redes
subterrâneas de distribuição de energia há algum tempo, e o principal
motivo de não avançarmos nessas discussões é que a sociedade já tem uma
resposta pronta para a questão: as redes subterrâneas são muito caras e
quem vai pagar essa conta são os brasileiros, que já arcam com tarifas
altíssimas de energia elétrica. Quando temos uma resposta pronta para
determinado problema, não discutimos as saídas para a sua resolução com
eficiência.
Contrapondo
este senso comum, a minha intenção é abrir esta discussão com a
seguinte questão: quem já está pagando a conta por contarmos com redes
de distribuição tão frágeis no Brasil? A Associação Brasileira de
Distribuidores de Energia Elétrica (ABRADEE) nos conta que o Brasil
enfrenta quase uma morte por dia com acidentes envolvendo o contato com
redes aéreas de distribuição. No Brasil, lidamos ainda com cerca de 600
minutos de interrupção de energia por ano, sem contar com eventos como o
que acometeu a cidade de São Paulo nos últimos dias. Na Alemanha, onde
80% das redes de distribuição são enterradas, este número é de 12
minutos por ano. Além disso, a produtividade da Alemanha é de três a
cinco vezes maior do que a nossa.
Já
vi e ouvi muitos profissionais dizendo que as redes subterrâneas são 10
ou até 20 vezes mais caras do que as redes aéreas de distribuição de
energia. Mas quando falamos que enterrar redes é mais caro, estamos
comparando quais tipos de configurações de sistemas de distribuição?
Será que não estamos comparando os custos relativos às piores
configurações de redes aéreas com as melhores configurações de redes
subterrâneas?
Para
se projetar uma rede de distribuição de energia, precisamos entender
alguns critérios como a confiabilidade requerida, a carga que esta rede
está atendendo, qual é o arranjo elétrico previsto ou onde este projeto
está sendo executado (em uma zona rural, urbana, em pequenas ou grandes
cidades), entre outros pontos. Em tantos anos trabalhando no setor
elétrico brasileiro, presenciei poucos estudos que tratam sobre este
tema de maneira séria e tecnicamente embasada. Normalmente, este tipo de
comparação utiliza uma base modular, ou seja, aquela “Aspirina” que
cura tudo, inclusive o câncer. Definitivamente, este tipo de discussão
não é séria e não foca em resolver um problema a médio e longo prazo,
mas apenas em colocar um ponto final em algo que pode ser melhorado em
nosso país, principalmente em se tratando da transição energética que
estamos vivenciando.
Obviamente,
redes subterrâneas pressupõem um investimento maior em comparação com
as redes aéreas. Mas o que não consideramos é o quanto de valor que
redes mais confiáveis e seguras podem acrescentar para a nossa
sociedade, e como podemos nos articular para baixar o custo de
implementação delas. Alternativas não faltam. Uma delas seria contar com
o apoio da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), da Agência
Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) e do Ministério Público para criar
padrões de redes de distribuição com diferentes níveis de confiabilidade
e, a partir desta padronização, dar mais escala para a conversão das
nossas redes de distribuição, algo que pode impactar fortemente na
redução dos custos associados aos materiais, mão de obra e serviços
relativos a este tipo de infraestrutura, contando com o apoio do governo
para a desoneração de impostos relativos a estes itens.
Cabe
ressaltar que não estamos falando aqui sobre mudanças de curto prazo.
As concessionárias brasileiras poderiam, por exemplo, estabelecer planos
decenais de enterramento baseados em critérios técnicos como a
priorização das redes que operam com maiores índices de acidentes,
passando também pelas localidades com maiores densidades de carga por
quilômetro. Como sociedade, acredito fortemente que conseguimos
encaminhar este problema de maneira adequada para que, em um futuro
próximo, possamos contar com redes de distribuição mais confiáveis, mais
seguras e menos mortais.
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