Sob um bom arranjo, uma 'cidade privada' pode ser um poderoso instrumento para o desenvolvimento econômico, como é o caso de Blumenau, em Santa Catarina. Artigo do amigo Claudio Shikida, publicado pela revista Exame:
Hermann
Bruno Otto Blumenau ou, apenas Hermann Blumenau, é conhecido como o
fundador da colônia de Blumenau, em Santa Catarina. Oficialmente, sua
fundação data de 02 de setembro de 1850, mas o próprio fundador
considerava 28 de agosto de 1852, pois foi nesta data que distribuiu os
primeiros lotes de terra, conforme informa-nos Mariana Deschamps, em sua
dissertação de mestrado sobre a vida cotidiana dos colonos desta famosa cidade.
Neste
mesmo trabalho aprendemos que, inicialmente, Blumenau apresentou o
projeto da colônia à Assembléia Legislativa do estado em nome da alemã
Companhia Protetora dos Emigrados Alemães de Hamburgo. Enquanto
aguardava a aprovação (que não veio, mesmo com o pagamento de propinas),
o empreendedor comprou terras e conseguiu algumas por doações do
governo ao qual, aliás, nunca deixou de pedir (e de receber) algum
auxílio.
A
colônia existiu sob sua gestão por cerca de 10 anos. Sua população
aumentou em cinco anos, mas, a partir de 1855, a situação econômica
deteriorou-se por conta de chuvas e enchentes. Em 1860, o governo
brasileiro comprou e passou a gerenciar a colônia, mantendo Blumenau com
funções administrativas: o empresário transformou-se em um servidor
público.
O
resumo dos primeiros anos de Blumenau não é um caso isolado na
história. Como nos lembra o recente relatório do Banco Mundial editado
por Yuei Li e Martin Rama, Private Cities: Outstanding Examples from Developing Countries and Their Implications for Urban Policy. Urban Development Series, cidades privadas um tipo de jurisdição que sociedades podem usar para gerar desenvolvimento urbano e, claro, socioeconômico.
Um
dos produtos deste relatório é a proposta de um protocolo de política
urbana para estas cidades, composto de 6 itens: (1) potencial
locacional; (2) papel dos atores privados; (3) funções governamentais;
(4) captura do valor da terra; (5) incentivos e regulações; (6)
cumprimento dos contratos. Vejamos cada um deles.
Colônias
como Blumenau não parecem ter sido fundadas com base no potencial
locacional. Visava-se proteger o território, principalmente de ataques
de indígenas e o incentivo para trazer colonos, para as empresas, eram
os descontos nas tarifas de ancoragem nos portos brasileiros.
Entretanto, a localização de uma nova cidade não prescinde de
infraestrutura, cidades próximas, potencial de turismo ou mesmo da
existência de recursos naturais (e.g., minérios).
A
atuação dos atores privados consiste em sua capacidade de atuar na
criação e/ou manutenção de infra-estrutura da nova cidade. Quanto mais
eficiente, relativamente à ação governamental, maior deveria ser o seu
papel na gestão da cidade. Por exemplo, um estudo de 1993, dos economistas De Long e Shleifer,
mostrou que, antes da Revolução Industrial, cidades europeias
governadas por comerciantes foram mais prósperas que as governadas por
príncipes.
Quanto
às funções do governo, elas não deveriam ser a de socorrer
empreendedores malsucedidos como Blumenau. O governo deve vencer o espírito hesitocrático,
ser ágil e eficiente. A chave está em uma honesta avaliação sobre quem
tem vantagem comparativa em certa atividade essencial ao desenvolvimento
urbano: o governo ou o setor privado?
A
propósito, o arranjo público-privado está inevitavelmente ligado aos
três últimos itens do protocolo. Primeiramente, o relatório nos dá
vários exemplos de como a ‘captura’ do valor da terra pode ocorrer em
cidades privadas e seu desenho é função direta do alinhamento dos
interesses entre os diversos agentes governamentais (burocratas,
políticos, poder judiciário) e privados. Trata-se de uma parceria
público-privada que deve se basear em algum critério de custo-benefício
social no qual a sociedade, obviamente, tenha ganhos líquidos.
Além
disso, o texto de Li e Rama parece imputar ao setor privado a maior
parte da culpa das externalidades, aumentando a demanda por regulações.
Ora, o leitor que compartilha comigo o orgulho e o fardo de ser
brasileiro está acostumado com as notícias sobre o descumprimento de
legislações ambientais ou sociais por parte do poder público. Sim, a
regulação criada pelo setor público pode gerar externalidades. A moderna
Economia Política nos lembra que não existem apenas falhas de mercado,
mas também de governo. Estas últimas, muitas vezes, causam as primeiras
(e.g. leis que criam privilégios).
Quanto
ao cumprimento de contratos, o relatório se aproxima da solução
proposta por Paul Romer, especificamente de sua ideia de charter cities.
Neste tipo de cidade – que pode ou não ser privada – há a adoção de um
código legal diferente do vigente no país. A ideia é que isto valeria a
pena se, comparado com a lei do país na solução de disputas, seu
benefício-custo fosse maior. De forma mais branda, Li e Rama falam no
envolvimento de ‘parceiros estrangeiros’ que podem ser, inclusive,
instituições multinacionais que bem podem ser o próprio Banco Mundial, o
FMI etc.
Sob
um bom arranjo destes seis pilares, uma cidade privada pode ser um
poderoso instrumento para o desenvolvimento econômico. Simples? Talvez.
Fácil? Não, mas vale a pena.
Postado há 1 week ago por Orlando Tambosi

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