São Paulo, setembro de 2023.
Nicole da Silva Ferraz tinha 23 anos quando foi aprovada em um processo
seletivo para trabalhar como suporte técnico de uma empresa de
telefonia em uma multinacional de call center. Era seu segundo emprego e
primeiro contato com o setor de telesserviços. Dois anos depois, veio a
promoção para supervisora de Ouvidoria e Nicole não parou mais de
crescer. Liderou uma central de instâncias – função durante a qual
passou por uma transição de gênero -, cuidou da implantação de uma
operação, comandando um time de cerca de 120 pessoas, fez um intercâmbio
nos EUA e chegou à posição de gestora de clientes bilíngue de uma
plataforma global de streaming. Há pouco mais de um mês, veio a grande
promoção: se tornou gerente e atende agora contas do Brasil e de países
de língua hispânica.
Hoje
cursando ciência de dados, Nicole faz parte de um novo movimento do
call center no país. Um dos maiores empregadores privados, com mais de
1,4 milhão de trabalhadores formais, o setor tem se reinventado,
apostando na qualificação e na progressão de carreira de seus
colaboradores, deixando para trás o estigma de subemprego em que
predominam pessoas de baixa escolaridade.
Segundo
a Associação Brasileira de Telesserviços (ABT), atualmente grande parte
dos trabalhadores do segmento que já concluíram o Ensino Médio estão
cursando o Ensino Superior. “Existe incentivo contínuo à educação e
possibilidade real de crescimento, uma vez dentro de uma grande
empresa”, destaca Antonio Guilherme, presidente do conselho de
administração da ABT, acrescentando que há a necessidade de operadores
cada vez mais capacitados para atender inclusive clientes de outros
países. “Essas demandas estão moldando um novo perfil de profissional
que, bem treinado e em pouco tempo, se torna apto a cargos mais altos e
outras funções”.
“Quando
comecei, as pessoas viam o telesserviço como uma colocação temporária,
visando garantir um meio de sustento. Vejo agora uma realidade
diferente, com a presença de muitos jovens investindo na atividade. Há
plano de carreira para quem quer evoluir. Entrei com essa vontade e a
empresa me deu oportunidade para desenvolver meu potencial”, conta
Nicole que, parte de um setor conhecido por seu alto turnover, está há
17 anos na multinacional Atento.
Trajetória
parecida tem Denize Cassorla, que fez carreira dentro da
Teleperformance (TP). Há 21 anos na empresa, começou como agente de
atendimento aos 16 anos, em um programa de estágio. Depois de dois anos,
foi promovida a instrutora, dando treinamento aos novos agentes, até
chegar à supervisora, passando por diferentes níveis de atendimento e
perfis de contas, incluindo uma companhia aérea e uma TV por assinatura.
Enquanto
atuava no call center, Denize cursou e se formou em arquitetura e
acabou migrando para outro campo da empresa. Fundou a área de
infraestrutura da companhia e hoje, como gerente sênior em
Infraestrutura e Facilities, é responsável pelos 12 prédios da
Teleperformance. “Aprendi tudo aqui. Tive acesso a diversos
treinamentos, como de liderança e coaching, além de cursos de inglês.
Nunca enxerguei o telesserviço como um ‘quebra-galho’. É possível
construir uma vida profissional a partir disso. Eu cresci junto com a
empresa”, frisa.
Quebrando paradigmas
John
Anthony von Christian, diretor-executivo da ABT reconhece, no entanto,
que os estigmas ainda são muitos. “A ideia de trabalho maçante,
repetitivo e até intrusivo é a imagem que predomina na cabeça das
pessoas. O Telemarketing, por exemplo, é uma palavra que costuma ser
utilizada para definir um setor inteiro, quando na verdade é apenas um
canal dentro de um universo muito maior que compõe a atividade e suas
atribuições. Temos nos esforçado para quebrar certos paradigmas que
persistem”.
Nicole
ressalta que nunca gostou de ficar em uma mesma posição por muito
tempo. “Não gosto de repetição. Na minha trajetória, desempenhei funções
diversas e aprendi a lidar com níveis de criticidade muito distintos. O
call center hoje mergulha fundo na experiência do cliente e envolve
operações mais complexas e desafiadoras do que as pessoas pensam. Foi
também onde desenvolvi minha habilidade de liderança”, complementa. O
crescimento da gerente acompanhou a própria evolução da Atento que, além
do atendimento SAC, passou a oferecer soluções para clientes
corporativos, área na qual Nicole também atuou por 8 anos.
Denize
corrobora. “Muita gente se surpreende por eu ter mais de 20 anos de
casa, trabalhado em apenas uma empresa. Mas tem sido uma trajetória
dinâmica. Fui aceitando novos desafios e aprendendo. Tem que correr
atrás e agarrar as oportunidades de migração entre as áreas”.
Um setor em transformação junto com a sociedade
Esta
reinvenção do setor também atravessou uma mudança de mentalidade.
Inclusivo e diverso, o call center concentra, em sua maioria, mulheres,
negros e pessoas da comunidade LGBTQIA+. “Evoluímos junto com a
sociedade e nossa força de trabalho hoje é representativa deste
progresso. É o retrato de uma nova realidade, mais comprometida com
inclusão social e emprego de qualidade”, ressalta Gustavo Faria,
vice-presidente do conselho de administração da ABT.
Nicole
tem propriedade para falar sobre o assunto, já que sua transição de
gênero aconteceu quando completou três anos na multinacional de call
center. Ela conta que a Atento convocou toda a equipe, de modo a educar o
time e acolher a sua nova identidade. “A empresa fez questão de
garantir um ambiente seguro para mim. E me assumir trans e ser acolhida
estimulou outras meninas a fazerem o mesmo”.
Da
posição que ocupa como arquiteta, Denize avalia como o call center
também transformou o seu próprio ambiente de trabalho nos últimos anos.
“As empresas pensam muito mais no bem-estar do atendente, procurando
fazer do ambiente laboral um lugar em que as pessoas desejem
verdadeiramente estar. Ter tido a vivência do atendimento e hoje atuar
na projeção destes espaços me ajudou a entender as dores e buscar
alternativas cada vez mais funcionais”, diz.
Sobre a Associação Brasileira de Telesserviços (ABT):
Representante
de um dos setores que mais empregam no Brasil, com cerca de 1,4 milhão
de trabalhadores, a Associação Brasileira de Telesserviços (ABT),
fundada em 1987, é pioneira em um mercado que impulsiona o crescimento
do país. O segmento é um dos que mais contratam jovens, mulheres e
negros, fomentando a diversidade em frentes distintas. Além de oferecer
oportunidades de primeiro emprego, o setor apoia o crescimento
profissional, por meio de convênios das organizações contratantes com
instituições de Ensino Superior. A ABT reúne 19 empresas em 18 estados
de todas as regiões do território nacional. Uma atividade que, com cada
vez mais inovação e tecnologia, torna-se estratégica para o
desenvolvimento socioeconômico do Brasil.
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