Coluna de Carlos Brickmann, publicada nos jornais desta quarta-feira:
Anteontem,
dia 3 de janeiro, completei meus primeiros 58 anos de jornalismo,
iniciados na Folha de S.Paulo. Ainda estava no curso colegial e tinha
muita sorte, que me levou a conviver e aprender com Woile Guimarães,
Rolf Kuntz, Renato Pompeu, Murilo Felisberto, Ewaldo Dantas Ferreira,
Nahum Sirotsky, Alberto Dines, Isaac Jardanovsky, Gabriel Manzano Filho,
Bóris Casoy, Jorge de Miranda Jordão – e ainda me tratavam como colega!
Sorte
faz parte do jogo. No dia em que os sequestradores devolveriam o
embaixador americano, no Rio, eu estava escalado para ficar no portão.
Chatíssimo: o carro entraria em alta velocidade, mergulharia numa
garagem subterrânea e, longíssimo, apareceria uma figura na janela,
acenando. Chega então o Fernando Bê – hoje o festejado biógrafo Fernando
Morais. Dois do mesmo jornal no mesmo lugar? Não: fui para um endereço
onde diziam ter achado uma Kombi cheia de armas. Cheguei instantes antes
da repressão. Um grupo achava que eu era do outro e eu achava que o
noticiário estava liberado, pois respondiam a tudo o que eu perguntava.
Quando descobriram, me tomaram as anotações e me mandaram embora,
proibindo que escrevesse.
A
ditadura ainda não tinha mostrado todos os dentes. Ruy Mesquita, do JT,
disse para mudar de hotel naquela noite e escrever. O jornal publicou
sozinho, a Polícia foi me buscar no hotel, eu não estava. Esqueceram-me.
E, tempos depois, um notável legista me deu provas de assassínio por
tortura.
No lugar certo
O
corajoso legista Rubens Pedro Macuco Janini fez o atestado de óbito
correto de Chael Charles Schreier, meu primo. Decifrando o atestado de
óbito, ficou claro que tinha sido morto por tortura. O Estadão deu
editorial, Veja entrou firme, a imprensa do Primeiro Mundo recebeu a
documentação. Sorte? Um grande jornalista da Associated Press, Joseph
Novitsky, sabia que era tudo verdade. Espalhou a notícia e os documentos
pelos clientes da AP. Sorte – mas há anos, no JT, trocávamos boas
informações com ele.
Assistindo a tudo
Como
costumava dizer o proprietário da Folha, Octavio Frias de Oliveira, a
vantagem de ser idoso é ter visto tudo acontecer e o contrário também.
Vi Sarney, presidente da Arena, o partido pró-ditadura, virar vice de
Tancredo, o candidato de oposição. Vi Renan, inimigo de Sarney, virar
seu aliado (e de Lula também). Vi Bolsonaro elogiando o ditador
venezuelano Hugo Chávez, votando em Lula e dizendo que todo milico tem
algo de comunista. Vi que os elogios de Bolsonaro aos torturadores não
impediram inimigos da tortura de votar nos candidatos que o presidente
indicou para controlar o Congresso.
Alckmin vice de Lula? Coisa comum: tempos idos e vividos.
Feliz 2022
Tirando
o último algarismo do ano, que é que vai mudar? Continuamos com 35
partidos, todos muito bem mantidos por nosso dinheiro. Há duas greves em
formação no serviço público: uma no Banco Central, outra na Receita –
nos dois casos, tudo se inicia com a renúncia de quem ocupa cargos de
chefia e a recusa dos subordinados de substituí-los.
A
insatisfação tem a mesma raiz tanto na Receita quanto no Banco Central:
a ordem de Bolsonaro de reservar uma graninha para dar aumento aos
policiais militares. Bolsonaro, a partir do momento em que assumiu,
deixou clara sua opção pelos policiais e pelos militares entre todos os
demais servidores públicos.
Pague mais
No
meio do ano, começa a campanha bilionária com dinheiro público, com
mais um incômodo: os anúncios gratuitos na TV e rádio – gratuitos para
partidos e candidatos, cobrados pelas emissoras (tabela cheia, sem
desconto) e pagos por nós. Mais o escandaloso orçamento secreto, que dá a
partidos, senadores, deputados federais e estaduais, R$ 16,5 bilhões
para gastar como quiserem em suas bases eleitorais e tendo, portanto,
privilégios na luta pela reeleição. Os Estados nordestinos atingidos
pelas enchentes não chegarão nem a 10% disso, somados todos os auxílios
que talvez recebam.
Tá faltando um
Para
completar o quadro, imagine uma eventual greve de caminhoneiros. As
ameaças até agora ficaram em palavras. Mas o diesel está caro, as chuvas
pioraram as estradas, a mercadoria a ser transportada é pouca. Um
perigo.
E vão faltar onze
O
que deve mudar em 2022 é o corpo de ministros: Teresa Cristina, da
Agricultura, a mais destacada, quer se candidatar ao Senado pelo Mato
Grosso do Sul (parada dura, apesar de seu prestígio e da boa gestão:
Simone Tebet, do MDB, se não sair candidata à Presidência pode disputar
com ela). Tarcísio de Freitas, da Infraestrutura, que embora tenha sido
alto funcionário de Dilma tem prestígio com Bolsonaro, pode tentar o
Governo paulista, com Janaína Pascoal, deputada estadual mais votada do
país, tentando o Senado; João Roma, a quem o presidente delegou o
enfrentamento da crise baiana, sai numa jogada de risco, contra ACM
Neto, de um lado, e o PT, de outro.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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