A
estrada que liga Pacaraima a Boa Vista se tornou uma rota de esperança
para milhares de venezuelanos que buscam viver no Brasil com mais
dignidade. De acordo com o Ministério da Justiça e Segurança Pública,
quase 80 mil migrantes entraram no país neste ano.
Eles
precisam de necessidades básicas, como alimentação, medicamentos,
acesso à saúde, moradia e um emprego. Ainda conforme o ministério, 20%
dos movimentos estão concentrados em Roraima, principal porta de entrada
das famílias. Desde 2017, já foram contabilizadas 662,8 mil entradas.
Depois
de uma longa viagem à Pacaraima – por vias legais ou “trincheiras”
(rotas alternativas) – os migrantes se arriscam em outro trajeto: os 214
km até Boa Vista, percorridos por carona ou caminhando. A confiança em
dias melhores move cada um deles e os fazem acreditar que há um oásis
além da fronteira.
Mas
esses migrantes também são levados de Roraima para outros estados
brasileiros. Desde fevereiro de 2018, quando foi criada a Operação
Acolhida, resposta humanitária do governo federal à crise, 64,4 mil
venezuelanos embarcaram para um novo destino.
Lideram
o recebimento de migrantes os estados do Paraná (10,6 mil), São Paulo
(9,2 mil), Rio Grande do Sul (9,2 mil), Amazonas (5,3 mil) e Minas
Gerais (4,1 mil). As cidades que também estão no topo do ranking são
Manaus (5,2 mil), Curitiba (4,2 mil), São Paulo (3,7 mil), Dourados (2,8
mil) e Porto Alegre (2,1 mil).
A
maior parte deles tem mais de 18 anos, sendo 34% homens e 29% mulheres.
A modalidade com maior frequência de envio é por reunião social (53%),
quando alguém, não familiar, recebe esse migrante em outra cidade. Em
seguida está o envio para outros abrigos (19%), vagas de emprego (17%) e
reunião familiar (11%).
Desafios vencidos
Em
meio a este cenário, a Visão Mundial abraçou a causa e vem
desempenhando importante papel no trabalho de acolhimento, inclusive
apoiando a interiorização. Desde o ano de 2019, quando a organização
começou a resposta à emergência, inúmeras iniciativas foram colocadas em
prática. O “Adelante”, por exemplo, focava na integração econômica de
mulheres.
Nos
últimos dois anos, a organização voltou a atenção e cuidado para o
projeto “Ven, Tú Puedes!”. A ideia central é dar as mãos aos migrantes e
refugiados no caminho para conseguir um emprego formal no mercado de
trabalho. A carteira assinada representa mais que uma renda sustentável,
mas o recomeço para eles e suas famílias.
Contudo,
entre os anos de 2020 e 2021, a pandemia trouxe desafios ainda maiores:
tirar do papel um planejamento estratégico com intuito de atender esse
público em situação de vulnerabilidade em meio a novos protocolos de
enfrentamento à Covid-19. Com a fronteira fechada, o fluxo migratório
caiu em mais de 50%, mas voltou a patamares elevados após a
flexibilização da fronteira, em junho deste ano.
Para
se ter uma ideia, 16,5 mil venezuelanos ingressaram no Brasil em
novembro de 2021, enquanto a média mensal durante o fechamento da
fronteira ficou em 2,7 mil. Ou seja, em apenas um mês entrou quase
metade do que foi registrado em 15 meses de bloqueio entre os dois
países.
Entretanto,
com garra e determinação das equipes, os resultados foram promissores,
como avalia a gerente de projetos da Visão Mundial, Andréa Freire.
“Estamos na resposta desde o começo da migração. Atuamos com crianças,
jovens e adultos, através do projeto ‘Vem, Tú Puedes!’, assegurando que
eles tenham acesso a cursos de língua portuguesa, aprendam o idioma e se
integrem no mercado de trabalho. Apesar dos desafios, nunca paramos e
conseguimos resultados incríveis”, declara.
Implementação em outros estados
O
projeto não se limita a Boa Vista, em Roraima. Ele ultrapassa as
fronteiras e tem equipes empenhadas em Manaus, no Amazonas, e em São
Paulo. A dedicação dos colaboradores pode ser observada nos números.
Somente em 2021, as ações da organização beneficiaram cerca de 40 mil
venezuelanos nos três estados, direta ou indiretamente.
De
acordo com a gerente interina do projeto, Jéssika Jonas, a Visão
Mundial trabalha em três eixos: empregabilidade, empreendedorismo e
envolvimento do setor privado. Ela explica que o auxílio passa pela
emissão da carteira de trabalho, elaboração de currículo, orientação
sobre entrevista de emprego, até curso de português, a maior barreira
desse público.
“É
um ciclo. A partir dessa ajuda, a gente passa por um momento de
sensibilização empresarial, com objetivo de que as empresas estabeleçam
políticas de contratação da população migrante e refugiada. Ou seja,
estamos falando de uma capacitação, formação e sensibilização com foco
na empregabilidade formal”, acrescenta.
Dados
da organização mostram que 5,6 mil pessoas tiveram apoio para emissão
da carteira de trabalho, e mais de 8 mil conseguiram ajuda para
elaboração de currículo. Além disso, 9 mil foram inscritas em
plataformas de emprego e 1,5 mil terminaram o curso de língua
portuguesa. E o mais importante: 324 venezuelanos empregados
formalmente.
Gás no empreendedorismo e novas metas
Muitos
venezuelanos também têm contratado outros migrantes após abrirem o
próprio negócio no Brasil. Eles regam ideias empreendedoras e conseguem
impulsionar as empresas. Dessa forma, visando ajudar esse público, a
Visão Mundial tem o chamado “Capital Semente”.
O
incentivo financeiro voltado ao eixo do empreendedorismo funciona como
um trampolim àqueles que desejam criar ou ampliar o próprio negócio. O
resultado dessa atuação é significativo. Neste ano, nos três estados,
750 pessoas foram beneficiadas. Além disso, 988 receberam assistência
financeira em decorrência de uma enchente no Amazonas e situações de
vulnerabilidade social em Roraima.
“Essas
pessoas têm a oportunidade de mostrar o projeto daquilo que elas já
trabalham e tinham a oportunidade de receber o Capital Semente, para
investir no próprio negócio. Temos uma equipe que acompanha essas
pessoas por três meses para saber como o dinheiro foi investido, como
alavancou o empreendimento”, destaca Jéssika.
A
projeção para o próximo ano é que o fluxo migratório continue e a
resposta frente à emergência se mantenha em curso, promovendo acesso à
educação, saúde, moradia, transporte e outras condições básicas para
quem deixa uma vida na Venezuela e parte em uma jornada incerta e cheia
de obstáculos.
Por
isso, para 2022, a Visão Mundial traça uma meta ainda mais desafiadora:
estender o projeto “Ven, Tú Puedes!” para a cidade de Pacaraima.
Inicialmente, devem ser levados alguns serviços, como ajuda para emissão
de carteira de trabalho, elaboração de currículo e cursos de língua
portuguesa.
“As
expectativas estão afloradas. O desafio é ousado, mas estamos animados.
Apesar de ser uma atuação nova, estamos esperançosos quanto aos
impactos que queremos causar na vida dessas famílias que chegam, às
vezes, em situação de vulnerabilidade extrema”, finaliza Jéssika.
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