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Assim como os founding fathers dos EUA eram bastante diferentes entre si, nossos fundadores também divergiam, às vezes de forma bastante violenta – como na rivalidade entre José Bonifácio e Gonçalves Ledo, dois protagonistas do livro. Alexandre Borges para a Gazeta do Povo:
Acaba
de chegar às livrarias uma obra obrigatória sobre a história do Brasil,
às vésperas do bicentenário da pátria: "Os Fundadores", de Lucas
Berlanza, um prodígio que ainda vai dar muito o que falar.
Segue a entrevista exclusiva com o autor para a Gazeta do Povo.
1 – Qual é a proposta do livro e como surgiu a ideia?
“Os
Fundadores” é uma tentativa de conectar as reflexões contemporâneas do
Brasil, às vésperas do bicentenário da Independência, com as reflexões e
gestos de algumas das mais importantes personalidades que idealizaram e
realizaram a emancipação política do país no começo da década de 1820.
A
partir de uma seleção de personagens – com seis capítulos, cada um
protagonizado por uma figura histórica específica, mas o texto está
repleto de menções de personagens laterais que também foram relevantes
naquele contexto -, exponho brevemente suas biografias, seu significado
para a Independência brasileira e seus pensamentos e concepções de país.
A
proposta apareceu originalmente dentro de um projeto cultural mais
amplo que homenagearia os pais fundadores, inclusive com um componente
audiovisual, uma iniciativa concebida alguns anos atrás por alguns
amigos e que infelizmente não foi possível realizar, por motivos de
força maior. Graças à parceria que tenho construído com a editora
Almedina, o trabalho editorial que produzi para esse projeto inacabado
pôde vir à luz, estando disponível a todos os leitores de língua
portuguesa.
2 – Qual o critério para selecionar os seis personagens centrais?
O
conceito de “pais fundadores” é originalmente norte-americano. Nos EUA,
são considerados founding fathers os personagens que lutaram na chamada
Revolução Americana, bem como os que assinaram a Declaração da
Independência ou a Constituição do país, onze anos mais tarde. Mesmo
assim, há discussões em aberto sobre a inclusão de certos nomes nessa
lista.
No
Brasil, embora tradicionalmente se reconheça a importância do imperador
D. Pedro I e do Patriarca da Independência, José Bonifácio, o conceito
não se firmou com a mesma repercussão no seio social e não é possível
fundamentar uma lista de pais fundadores em um ou dois documentos que
todos tivessem assinado. Entretanto, é perfeitamente possível relacionar
personalidades de grande relevo nas raízes de nossa formação nacional, e
foi o que fiz, sem nenhuma pretensão de estabelecer a abordagem
definitiva a respeito; inclusive, dialoguei com outros trabalhos que
tiveram propósitos similares, como a obra de Otávio Tarquínio de Sousa e
a de Jorge Caldeira.
O
critério neste livro foi encontrar protagonistas em três grandes
estágios de assentamento de um Império independente: o processo de
emancipação do Brasil à categoria de Reino Unido, simultaneamente à obra
de desenvolvimento encabeçada por D. João VI; os episódios clássicos
que levaram ao rompimento com as Cortes de Lisboa; e, finalmente, as
guerras por independência, que se estenderam por 1823.
3 – Quais as principais lições que os personagens detalhados no livro podem oferecer aos brasileiros de hoje?
Destacaria
o espírito de mediação, de negociação entre os ditames do real e os
propósitos do ideal, importando eventualmente fazer as necessárias
concessões; a necessidade de encarar com honradez e estima a nação que
se representa e o exercício da função pública; a utilidade de consagrar
poucas leis para que penetrem o espírito das instituições; a paciência e
a resignação diante do que não pode ser mudado; a importância do
conhecimento e da ciência; a coragem de dizer “não” quando necessário; o
valor da liberdade; entre outras ideias e atitudes que, em maior ou
menor grau, encontramos sendo ensinadas e exemplificadas por esses seis
personagens, a despeito de seus naturais e evidentes defeitos.
Não
se trata de uma hagiografia, mas é preciso acabar com essa obsessão por
amesquinhar tudo e todos e não enxergar a grandeza pessoal onde ela
existe.
4
– O que significa falar em um “projeto”, conforme diz o título? Os pais
fundadores compartilhavam todos um mesmo projeto para o Brasil?
Todos
os personagens elencados, de uma maneira ou de outra, somaram esforços
ao projeto de estabelecimento de um país independente capitaneado por
uma monarquia constitucional. Existe, portanto, um desenho geral que,
sob esse aspecto, permite unificá-los.
Assim
como os founding fathers dos EUA eram bastante diferentes entre si,
nossos fundadores também divergiam, às vezes de forma bastante violenta –
como na rivalidade entre José Bonifácio e Gonçalves Ledo, dois
protagonistas do livro. Uma preocupação que tive foi em não esconder
isso, fazendo parecer que o Brasil nasceu de um plano perfeito de
gabinete; as ideias e concepções dos personagens são centrais, mas
também deve ser ressaltada a dinâmica da interação entre essas ideias,
entre suas proximidades e incongruências, e a dos dramas e
acontecimentos em que suas presenças históricas foram registradas.
Um
país não se resume a um projeto teórico, mas a aceitação dos limites
humanos na determinação dos rumos sociais é exatamente um dos valores
que encontramos nos pensamentos de alguns de nossos pais fundadores.
5 – Que objetivos o livro espera alcançar e o que pode oferecer aos leitores?
Procuro
atingir principalmente dois objetivos: primeiro, o cultivo do espírito
de patriotismo e pertença, a fim de fortalecer o entusiasmo e o
interesse nas questões pátrias – sem submergir no fetichismo
nacionalista de índole autoritária; segundo, o aprendizado das lições
que os projetos de país dessas personalidades, com seus defeitos e
qualidades, podem fornecer aos brasileiros do século XXI.
Meus
trabalhos em geral têm seguido a linha de procurar discutir o
assentamento de correntes políticas como o liberalismo e o
conservadorismo nas próprias bases fornecidas pelo Brasil, por nossa
História e nossa cultura política, e ainda haverá novos livros e artigos
de minha lavra concentrados nesse propósito.
A
razão é que, como o professor Antonio Paim, grande teórico e
historiador do liberalismo brasileiro, acredito que as ideias não vagam
no ar, encarnando-se em tradições, e que não é eficiente construir
postulados e agendas de forma inteiramente abstrata. Por isso mesmo, não
me identifico com a luta por melhorar um país que não se ame e não se
conheça.
"Os Fundadores: o Projeto dos Responsáveis Pelo Nascimento do Brasil" (Lucas Berlanza, Edições 70)
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