BLOG ORLANDO TAMBOSI
A pandemia de Covid-19, aliada à falta de expectativas num país cada vez mais pobre e amorfo, tornaram as coisas difíceis. Todavia, os livros são confortos de alma a que podemos regressar. Jorge Fernandes para o Observador:
O
ano que agora finda foi, acima de tudo, longo. A sua duração parece bem
maior do que a simples contagem dos meses aparenta. A pandemia de
Covid-19, aliada à falta de expectativas num país cada vez mais pobre e
amorfo, tornaram as coisas difíceis. Todavia, os livros são confortos de
alma a que podemos regressar. Como vem sendo tradição, escolhi uma
lista de livros de Natal, cujo único critério é o prazer.
Lea Ypi: Free – Coming of Age at the End of History.
Se tivesse de escolher apenas um livro em 2021, este seria, sem sombra
de dúvida, o vencedor indisputado. Professor de Teoria Política na LSE, a
autora, nascida numa família com pergaminhos intelectuais e sociais,
relata os últimos anos do regime de Enver Hoxha na Albânia. Fluente em
Francês aos cinco anos graças à avó, Ypi mostra bem o isolamento a que
abjecção do Comunista havia votado o país: no final dos anos 80,
Estaline ainda era venerado no país. Ypi acabou por emigrar para Itália
onde, depois de se licenciar em Literatura e Filosofia, em Roma, acabou
por se doutorar no Instituto Universitário Europeu, em Florença. Um
livro notável.
Artur Pastor.
Em boa hora António Araújo e a Fundação Francisco Manuel dos Santos
decidiram publicar este livro, em parceria com o Arquivo Fotográfico da
Câmara Municipal de Lisboa. Até à edição do livro, confesso que nunca
tinha ouvido falar de Pastor, apesar de ter havido uma exposição do seu
trabalho em Lisboa há uns anos atrás. Para além de ter dezenas de
fotografias sobre Portugueses comuns, na cidade e no campo, entre a
década de 40 e 90 do século passado, o livro tem ainda um conjunto de
textos de enquadramento do trabalho de Pastor na modernização da
sociedade Portuguesa.
The Matter of Black Lives: Writing from the New Yorker.
Os arquivos da New Yorker estão cheios de pérolas. Depois de um
conjunto de livros organizados por décadas, oferecendo o melhor que
apareceu na revista nas décadas de 40, 50 e 60, este ano apareceu um
livro temático dedicado aquilo que, de forma lata, podemos considerar a
experiência Afro-Americana ao longo das últimas décadas. Cuidadosamente
curados por David Remnick, este volume está dividido nas temáticas
clássicas da revista, indo da política à arte e passando ainda pelas
histórias pessoais. Gosto especialmente do texto de Danielle Allen,
Professora de Teoria Política em Harvard, e actualmente candidata às
primárias do Partido Democrata para governadora do Massachusetts. Neste texto,
Allen compara o seu percurso pessoal com o do sobrinho, preso por um
delito menor e, mais tarde, assassinado numa espiral de violência.
Mário de Carvalho: De Maneira que é Claro.
Cada livro de Mário de Carvalho é, para mim, um acontecimento. Este não
é excepção. Apresentado como um ‘livro de memórias’, o autor apresenta
96 breves entradas nas quais recorda episódios da sua vida, com especial
ênfase para os anos de crescimento, a revolução, e os anos iniciais da
vida adulta. O Português de Mário de Carvalho é soberbo, com um domínio
perfeito do ritmo da frase e a utilização integral do léxico.
Jonathan Franzen: Crossroads.
Depois de ter desiludido com Purity, o seu último romance já com alguns
anos, Franzen regressa neste livro ao seu melhor estilo. Situado nos
subúrbios de Chicago no final dos anos 70, Franzen consegue criar mais
uma ‘família’ e, com ela, mostrar as relações sociais na América da sua
adolescência. Pegando na vida apenas aparentemente banal dos
Hildebrandt, Franzen mostra a negritude que existe por detrás de um
pastor, do seu casamento em crise, e a voragem que ambos os filhos
enfrentam. Ainda não está ao nível de Rabbit de Updike mas caminha a
largos passos para o atingir.
Zuza Homem de Mello: Amoroso – Uma Biografia de João Gilberto.
Pouco antes de morrer, Homem de Mello deixou pronta esta biografia do
inventor da Bossa Nova. Esta pérola que relata detalhadamente a vida de
João Gilberto, desde as origens em Juazeiro, passando pelas temporadas
Baianas nos anos 50, até à explosão de sucesso nos anos 60 e fechando
com as últimas décadas de semi-reclusão. Infelizmente, em Portugal, há
maior preocupação com o acordo ortográfico do que com a simples
distribuição de livros, apesar das melhorias nos últimos anos com a
abertura da Travessa no Príncipe Real. Mão amiga fez-me chegar este
livro do Brasil, a quem estou, devidamente, agradecido.
José Saramago: Viagem a Portugal.
No final dos anos 70, José Saramago escreveu para a Círculo de Leitores
uma obra em que relatou longos passeios por Portugal, articulando um
quadro interessante sobre o país e as suas gentes. A nova edição dá toda
uma nova espectacularidade ao livro, na medida em que inclui, para além
do texto original, as fotografias que o próprio Saramago tirou dos
lugares por onde foi passando. Olhando para a nova edição e para as suas
fotografias, achei muitíssimo curiosa a centralidade que as igrejas e
os elementos religiosos têm para um homem convictamente ateu.
Um Feliz Natal!
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