O resultado da eleição na Virgínia mostra que a agenda radical de políticas identitárias e segregacionistas vem incomodando milhares de americanos. Ana Paula Henkel para a Oeste:
Há
algum tempo venho publicando aqui em Oeste artigos que analisam como o
Partido Democrata nos Estados Unidos deu uma guinada radical à esquerda
nos últimos anos. As políticas e as crenças de John F. Kennedy, um dos
nomes mais celebrados dentro do partido, jamais fariam parte da atual
cartilha do presidente norte-americano Joe Biden.
Desde
a campanha presidencial em 2020, havia uma expectativa entre os
norte-americanos sobre as políticas que seriam implementas pelos
democratas se conseguissem derrotar o malvadão do século Donald Trump.
Numa eleição cheia de perguntas sem respostas, Joe Biden foi eleito o
46º presidente dos Estados Unidos, mesmo não tendo saído do porão de sua
residência, nem para debates com o seu oponente. No imaginário de
milhões de cidadãos, pairava a dúvida das acusações dos inimigos de
Biden sobre a guinada radical do partido para o lado extremo da esquerda
americana. Sabe-se que o nome do ex-vice de Barack Obama não foi
empurrado para fora das primárias democratas à toa. Ele poderia,
tranquilamente, derrubar a retórica inflamada de que o partido flertava
com políticas radicais como a agenda de identidade de gênero, big
government, socialismo na América e até um dedinho mais pesado no
controle social e econômico por parte da esfera federal.
Bem,
o que era flerte virou casamento. E dos mais pomposos! Em apenas dez
meses, nunca na história da nação mais próspera do mundo um presidente
viu seus números de aprovação derreterem em tão pouco tempo. E não é por
suas gafes nem perdas de memória ao vivo. Há alguns artigos aqui em
Oeste cheios de detalhes sobre os passos da atual administração que faz
Jimmy Carter parecer um bom presidente: o desastre da retirada caótica
das tropas americanas do Afeganistão; a crise imigratória sem
precedentes na fronteira sul com a entrada de quase 2 milhões de ilegais
apenas neste ano; a estagnação e a inflação combinadas e firmadas como
caminho econômico (stagflation), mesmo com a recuperação econômica em
curso deixada por Trump; a crise nos portos e as prateleiras vazias em
todo o país; os sinais de fraqueza militar diante do mundo; a
interrupção da independência energética; o desemprego nas alturas… and
counting.
Tudo
isso poderia fazer parte de uma crise “compreensível” dentro de uma
pandemia global (análise dos democratas mais ferrenhos) se não fosse a
continuação da agenda no novo radical Partido Democrata que prega, dia
sim e outro também, que forças policiais são malvadas e desnecessárias,
que toda pessoa branca é racista por natureza, que todo menino que “se
sente” como menina tem o direito de usar o banheiro feminino, que aborto
até o último mês de gravidez é questão de “saúde pública”, que
assassinos, estupradores e criminosos que estão na prisão deveriam ter o
direito de votar; entre outros pontos surreais que são parte de uma
agenda ideológica nefasta.
Em
20 de janeiro de 2021, em seu discurso de posse, Joe Biden prometeu
“unir” uma América dividida pelo bufão nazista-fascista que estava
prestes a acabar com a democracia nos EUA. Pois bem, depois de dez meses
na Casa Branca, pouquíssimas aparições e muitas gafes, Joe Biden
conseguiu mostrar as verdadeiras cores de seu governo, que em nada,
absolutamente nada, refletem as palavras proferidas em janeiro.
A
agenda marxista de “negros versus brancos”, “mulheres versus homens”,
“ricos versus pobres”, “filhos versus pais”, “vacinados versus não
vacinados” está a todo vapor desde 21 de janeiro de 2021. E essa agenda
assustadora que inclui a aceitação obrigatória de 47 gêneros, não apenas
masculino e feminino, não ficou restrita à esfera de debates políticos
vazios ou às castas de abastados desmiolados em Hollywood. Ela chegou
com uma força avassaladora, impulsada pelo governo federal, às escolas.
Em
vários distritos escolares nos Estados democratas, professores tentam
aplicar cursos como “Explorando e Compreendendo a Branquitude” e “Como
Ser um Educador Antirracista”, em que os militantes disfarçados de
educadores empurram barbáries baseadas na doutrina conhecida como
Critical Race Theory, ou CRT, algo como “Teoria Racial Crítica”. Esses
cursos pregam o “pecado original” de crianças brancas que, teoricamente,
nascem sem saber que são racistas por natureza (mas são!) e, por isso,
ajudam a sociedade a “assassinar o espírito das crianças negras”.
Chocados? Apertem o cinto.
A
política norte-americana, assim como no Brasil, é hoje muito bem
delimitada. Não é difícil identificar quem vota em democratas ou
republicanos. No entanto, há um ponto de convergência entre eles que
parece não acompanhar o pêndulo político-ideológico. Filhos. Você pode
até ter uma simpatia por políticas mais invasivas do governo na economia
ou em programas sociais, mas essa simpatia acaba quando o assunto é a
invasão do governo na esfera da educação familiar e o que os pais podem
ou não demandar das escolas públicas pagas com dinheiro desses pais,
republicanos e democratas.
Enquanto
no Brasil o vermelho simboliza a cor de partidos de esquerda, nos EUA é
o oposto. O vermelho é a cor dos republicanos e o azul a dos
democratas. No cenário eleitoral no país, os Estados são divididos entre
os blue states (que votam nos democratas), os red states (que votam nos
republicanos) e os purple states (os Estados roxos, que votam em
candidatos dos dois partidos).
Nesta
semana, o pêndulo político de um desses Estados azuis mudou de maneira
surpreendente. Talvez surpreendente para muitos democratas, mas não para
milhões de americanos que acompanham a política nacional com o
pragmatismo característico ianque. A Virgínia, um Estado considerado
deep blue, ou seja, que vota fervorosamente com os democratas há muitos
anos, elegeu um novo governador, uma nova vice-governadora (eleita
separadamente) e um novo procurador-geral do Estado. Todos do Partido
Republicano. A corrida, que aconteceu em 2 de novembro, foi a primeira
prova do governo Joe Biden e pode ser um termômetro para as eleições
legislativas em 2022, os chamados midterms, quando republicanos podem
reconquistar a maioria na Câmara e no Senado.
Glenn
Youngkin, Winsome Sears e Jason Miyares não derrotaram apenas
candidatos do partido oponente que domina o Estado desde 2003, mas uma
agenda bizarra que saiu das cabeças desmioladas dos justiceiros sociais
em Washington e está sendo empurrada em parques e escolas.
É
fato que essa agenda radical de políticas identitárias e
segregacionistas vem incomodando milhares de pais, e, se ela tivesse
ficado restrita à redoma hollywoodiana e seus parquinhos-satélites,
talvez democratas continuariam tranquilos em seus gabinetes nos Estados
deep blue. O problema é que jacobinos, como escrevi em meu artigo da semana passada
sobre o linchamento do jogador de vôlei Maurício Souza, não conseguem
se desvencilhar do radicalismo vil. Há quase cinco anos escrevo sobre os
perigos da agenda impositiva e sem o menor debate sobre transexuais no
esporte e no universo feminino. E um dos perigos é a normalização de
homens biológicos que “se sentem” como mulheres invadindo espaços
particularmente sensíveis para nós, espaços que vão além de quadras e
campos esportivos. Falo de banheiros, vestiários e dormitórios.
E
não foi por falta de tantos alertas feitos por tantas mulheres. O
resultado que mais temíamos dessa agenda lúgubre aconteceu. Em maio
deste ano, um garoto, usando saias e se autointitulando uma pessoa do
gênero oposto, entrou no banheiro feminino de uma escola do Condado de
Loudoun, na Virgínia, e estuprou uma menina menor de idade. Em junho,
durante uma reunião do conselho das escolas públicas do condado, Scott
Smith, pai da menina estuprada, pediu satisfação à escola em público e,
sem obter resposta, elevou o tom da voz e foi preso por questionar
enfaticamente se a escola sabia do ocorrido. O vídeo do pai sendo
derrubado no chão e algemado por policiais viralizou. Além de Smith, os
pais presentes na reunião escolar estavam protestando contra a proposta
do conselho de liberar o uso de banheiros e vestiários para qualquer
aluno que se identificasse como transexual, mesmo sem nenhuma avaliação.
Os questionamentos foram totalmente ignorados, e, logo após o término
do recesso escolar de julho, o conselho aprovou a proposta que
autorizava o uso de banheiros e vestiários de acordo com “a identidade
social” de cada aluno.
Diante dos vídeos que correram as redes sociais da reunião em que Smith foi preso, a escola em questão soltou um pronunciamento oficial sobre o alegado estupro, afirmando que jamais houve tal crime cometido por um aluno transgênero em nenhuma das escolas do Condado de Loudoun. No memorando, distribuído para os pais e para a imprensa, membros do conselho escolar afirmaram que “nossos estudantes não precisam ser protegidos, e eles não estão em perigo. Por acaso temos ataques regulares em nossos banheiros e vestiários?”, dizia o documento. O superintendente do distrito, Scott Ziegler, chegou a afirmar que não havia nenhum registro de estupros ocorrido nos banheiros da escola, completando que essa “pessoa predatória que se identifica como transgênero não existe”.
E
aqui, nesse ponto, o pêndulo democrata desaparece. A política não chega
aonde filhos estão desprotegidos e pais enfurecidos. Com pouco menos de
um mês das eleições para o governo estadual da Virgínia, o candidato
democrata Terry McAuliffe disse: “Eu não deixarei que os pais entrem nas
escolas e tirem livros e tomem suas próprias decisões. Não acho que os
pais devam dizer às escolas o que elas devem ensinar”. O sinal havia
sido dado. Imediatamente, a Associação Nacional de Conselhos Escolares
enviou uma carta ao presidente Joe Biden pedindo que os pais que se
colocassem contra a obrigatoriedade dos cursos que “promovem a luta
contra o racismo” fossem considerados “terroristas domésticos” pelo
Departamento de Justiça dos Estados Unidos da América. Sim, você leu
corretamente.
Não
parou por aí. O pedido “caiu” na mesa do procurador-geral dos Estados
Unidos, Merrick Garland, e o resultado foi um comunicado oficial do
Departamento de Justiça para que agentes do FBI se reunissem com as
polícias locais para discutir como conter o “número crescente de ameaças
contra membros de conselhos escolares, professores e outros
funcionários da educação”. O impacto inicial foi, obviamente, o aplauso
fácil da turba ridícula de militantes jacobinos. Não durou muito. No
mesmo dia, pais se reuniram em um número muito maior — dessa vez por
todo o país — e Garland foi chamado para uma audiência no Senado Federal
em que foi massacrado com perguntas retóricas dos senadores
republicanos. O assunto, que até ali estava na esfera da mídia estadual,
tomou proporções nacionais, e pais por todo o país estavam furiosos por
terem sido chamados, mesmo que indiretamente, de “terroristas
domésticos”.
Nesse
meio tempo, um juiz da Virgínia, diante de provas concretas, condena o
rapaz autointitulado transexual que estuprou a menina no banheiro
feminino da escola. Provas de que a escola acobertou o fato aparecem e a
política, mais uma vez, desaparece. O sistema educacional e a segurança
dos filhos unem pais de todos os espectros políticos. Glenn Youngkin, o
candidato republicano, se colocou ao lado dos pais e focou sua campanha
no perigo da agenda de políticas segregacionistas raciais e de
identidade de gênero, ganhando força em todos os setores eleitorais em
que democratas reinavam. Youngkin levou com folga condados democratas de
grupos negros e latinos, assim como em grupos de mães solteiras. O
resultado da imposição de um manual vil de destruição de parte do tecido
social que alimenta uma sociedade moralmente saudável foi a perda do
controle de um Estado vital para os democratas.
Glenn
Youngkin, um rico empresário, conseguiu devolver o governo da Virgínia
para os republicanos em uma corrida que teve o maior comparecimento
entre os eleitores do Estado na história recente. A participação
eleitoral nessa eleição foi maior do que em qualquer outra eleição para
governador na Virgínia desde 1997. Winsome Sears, a vice-governadora
eleita, imigrante, ex-militar e também republicana, é a primeira mulher
negra na história do Estado a ocupar um cargo no Executivo estadual.
Jason Miyares, eleito procurador-geral do Estado pelo partido
republicano, também entra para a história como o primeiro latino a
ocupar o cargo na Virgínia.
Parece
que o Estado que nos deu George Washington, Thomas Jefferson e James
Madison, Pais Fundadores da América, está agora sob o comando dos pais.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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