Escassez de mão de obra nos Estados Unidos provoca desde greves por salários maiores até aceleração do trabalho automatizado. Vilma Gryzinski:
Uma
das melhores profissões do mundo hoje é ser motorista de caminhão. Um
profissional carga pesada pode ganhar a partir de 70 mil dólares por ano
nos Estados Unidos – um aumento de 33% em relação ao ano passado.
No
Reino Unido, onde uma combinação de fatores específicos agravou a falta
de caminhoneiros – desde o Brexit até o fato de que as ilhas britânicas
têm poucas vias de acesso -, o rendimento anual é maior ainda, chegando
a 80 mil libras, mais do que profissionais liberais. Fora o “bônus de
entrada”, um extra dado aos profissionais simplesmente por assinarem um
contrato de trabalho.
A
“bolha” dos caminhoneiros sumidos, impulsionada por situações criadas
pelas pandemia, como a suspensão das aulas e dos exames de habilitação, é
a face mais evidente de um fenômeno que perpassa todas as esferas da
economia.
Os
empregos ocasionais, como os dos jovens que vão fritar hambúrgueres em
lanchonetes, trabalhar como garçons em restaurantes ou fazer bico em
hotéis, são os mais afetados.
Afastados
pelo fechamento temporário de estabelecimentos do ramo da
hospitalidade, centenas de milhares de trabalhadores não voltaram ou
encontraram oportunidades melhores – ou resolveram fazer alguma outra
coisa na vida, um fenômeno que jé é até chamado em letras maiúsculas, a
Grande Demissão.
Nos
Estados Unidos, em agosto, chegou a 6,8% o número de trabalhadores em
restaurantes que pediram demissão – o dobro da média das outras
profissões. Isso equivale a 890 mil pessoas. Uma revista do setor
calculou que a situação vai piorar muito para os donos de
estabelecimentos: nada menos que 58% dos trabalhadores do setor planejam
deixar o emprego até o fim do ano.
O
que fazer para repor chapeiros, lavadores de pratos, cozinheiros,
auxiliares, garçons e tantos outros profissionais do ramo? Pagar mais,
claro. E oferecer benefícios. Isso vale para todas as categorias.
Ao
todo, quatro milhões de americanos largaram seus empregos em agosto.
Depois de trabalhadores da hospitalidade, vendedores foram a categoria
que mais caiu fora – um indício de que encontraram empregos melhores ou
reavaliaram profissões que demandam maior interação com o público, com o
consequente aumento do risco de contaminação.
Existem
ainda fatores mais amplos. O psicólogo organizacional Anthony Clotz,
que cunhou a expressão Grande Demissão, observou para o Business Insider
que os seres humanos tendem a parar e fazer perguntas existenciais
quando têm contato próximo com morte e doenças.
Ou
pelo menos questionar mais o ambiente de trabalho. Muitas empresas
americanas estão deparando com situações novas. Em lugar de um pacote
fechado de benefícios, como plano de saúde, férias e licença maternidade
remunerada, que não existem universalmente nos Estados Unidos, estão
sendo levadas a negociar horários mais flexíveis e a mistura de trabalho
presencial e home office que parece ter virado padrão.
Quando
nem salários melhores e benefícios reforçados ajudam, o jeito é
recorrer ao trabalho automatizado, que já aumentaria independentemente
da pandemia, mas parece estar entrando num ciclo acelerado. A Walmart,
gigante do varejo, está usando caminhões totalmente automatizados para
transporte de compras de supermercado. O consumidor final ainda não está
no pacote: os caminhões-robôs fazem percursos experimentais de onze
quilômetros entre centros de distribuição.
O
trabalho do futuro convive assim com movimentos do passado, como greves
por melhores salários, cujas origens remontam ao século 18.
Trabalhadores da John Deere, o nome mais conhecido do ramo de tratores e
máquinas agrícolas, estão parados há quase um mês – num momento
estrategicamente escolhido. Tratores usados chegam a custar, em alguns
mercados, mais do que novos. Especialistas do ramo dizem que desde 1973
não acontecia algo parecido.
É
claro que salários maiores para atrair trabalhadores acabam repassados,
pressionam a cadeia de produção já engasgada e aumentam as pressões
inflacionárias, uma preocupação que governos de economias avançadas
fingem não ter, apostando que será um movimento passageiro, fruto do
arranque da recuperação econômica depois do baque sofrido na pandemia.
Segundo os últimos dados, existem nos Estados Unidos atualmente 10,4 milhões de postos de trabalho vagos.
“A
falta de trabalhadores qualificados não é apenas um sintoma da economia
pós-lockdown, ms também o resultado de desdobramentos mais fundamentais
nos Estados Unidos, na zona do euro e no Reino Unido”, diz um relatório
feito pela ING, gigante dos investimentos com alcance global.
“Acreditamos
que existe uma perda mais permanente de trabalhadores devido ao grande
número de trabalhadores mais velhos que estão se aposentando
precocemente. A ideia de voltar aos escritórios e ao transporte diário
também parece menos palatável para muitas pessoas”.
A
aposentadoria precoce é típica dos Estados Unidos, onde os
trabalhadores têm controle direto sobre seus fundos de pensão,
engordados pela exuberância do mercado de ações.
Aposentadorias
gordas, trabalhadores disputados, aumentos salariais e bônus para
camadas que nunca tinham visto isto – as notícias são todas boas para
quem bate ponto, expressão de um passado tão distante que parece vir de
outra era.
É
bom aproveitar enquanto a automação e a Inteligência Artificial não
bagunçam tudo, numa extensão que ainda é difícil imaginar exatamente
como será. Mas dá para antecipar que serão épicas.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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