Lukachenko não está realizando um ato de humanismo, antes uma vingança com uma componente da “guerra híbrida” entre a Rússia e a Bielorrússia, por um lado, e a União Europeia por outro. José Milhazes para o Observador:
Ao
transformar o seu território numa zona de passagem para a Europa de
emigrantes do Afeganistão, Síria, Iraque, etc., o ditador bielorrusso
Alexandre Lukachenko persegue vários objectivos: ganhar dinheiro,
dificultar a vida à União Europeia na sua já difícil tarefa de enfrentar
várias ondas de emigração e apresentá-la como comunidade desumana e
alheia às vítimas da fome e da guerra.
Ontem,
segunda-feira, numerosas centenas de emigrantes ilegais foram enviados
pelas autoridades bielorrussas para as fronteiras contra a Polónia e a
Lituânia, o que certamente irá deteriorar ainda mais a já grave situação
existente nessas zonas. Tropas bielorrussas empurram milhares de
pessoas para as suas fronteiras com esses dois países, obrigando-os a
fechar as suas fronteiras.
“Semelhante
passo de desespero dos refugiados foi provocado pela atitude
indiferente e desumana das autoridades polacas. A parte bielorrussa toma
as medidas necessárias para garantir o funcionamento contínuo dos
canais de ligações internacionais, bem como a segurança das pessoas que
avançam pela autoestrada” – lê-se num comunicado dos Serviços
Fronteiriços da Bielorrússia.
Poder-se-ia
pensar que Lukachenko está a realizar um acto de humanismo face a este
grave problema, mas, na realidade, trata-se de uma vingança e de uma
componente da “guerra híbrida” entre a Rússia e a Bielorrússia, por um
lado, e a União Europeia por outro.
A
primeira pergunta que se coloca é como estes refugiados entram na
Bielorrússia se ela está longe dos países de origem deles? Através de um
esquema que traz dividendos financeiros ao governo bielorrusso. Os
refugiados entram livremente no país com um visto turístico passado numa
embaixada bielorrussa, por exemplo, em Bagdade. Para que o visto seja
passado, o viajante tem de adquirir uma estadia de uma semana em hotéis
de Minsk e deixar uma elevada caução na agência de viagens que é paga à
Bielorrússia caso os “turistas” não voltem a casa, o que praticamente
nunca acontece. Além disso, o fluxo “turístico” aumenta de tal forma que
as companhias aéreas iraquianas e bielorrussas têm vindo a organizar
novos voos.
Vingança serve-se fria
O
dirigente bielorrusso colaborou com a União Europeia na travagem do
fluxo migratório até ao verão de 2020. Porém, Bruxelas não reconheceu a
sexta reeleição de Lukachenko presidente da Bielorrússia e decretou uma
série de sanções económicas e políticas contra Minsk. Ele reagiu abrindo
as fronteiras do seu país à passagem de refugiados principalmente rumo à
vizinha Lituânia, pequeno país da UE que deu asilo político à líder da
oposição Bielorrússia, Svetlana Tikhanovskaya, e a outros adversários
políticos do ditador. Se durante todo o ano de 2020 as autoridades
lituanas detiveram 90 imigrantes ilegais, esse número subiu para 800 no
início de Julho de 2021 e para 3145 no fim desse mês.
A
situação agravou-se de tal forma que a Lituânia se viu obrigada a
construir uma barreira de arame farpado de quase 700 quilómetros na
fronteira com a Bielorrússia e a decretar o estado de sítio na região
fronteiriça.
Mas
a fúria de Lukachenko aumentou quando a UE anunciou novas sanções por
as autoridades bielorrussas terem obrigado a aterrar em Misnk um avião
da Ryanair para deter o jornalista da oposição bielorrussa, Roman
Protasevitch, que seguia a bordo.
Desta
vez, a ira do ditador virou-se contra a Polónia, país vizinho onde
estão refugiados também numerosos opositores bielorrussos.
“Nós
travávamos narcóticos e migrantes, mas agora terão de ser vocês a
comê-los e a apanhá-los”, declarou Lukachenko nessa altura,
acrescentando: “Hoje, eles [países do Ocidente] uivam: ai, os
belorrussos não nos defendem! Milhares e milhares de migrantes ilegais
dirigem-se para a Lituânia, Letónia e Polónia… Gostaria de perguntar:
mas estão loucos? Vocês desencadearam uma guerra híbrida contra nós e
exigem que vos defendamos como antes?”
Numa
situação como esta, a UE, sem renunciar aos seus princípios humanistas,
não deve ceder a chantagens de ditadores como Lukachenko ou Vladimir
Putin e reforçar as suas fronteiras externas. Aqui é indispensável
frisar o nome do presidente russo, pois, como se torna cada vez mais
evidente, o primeiro é cada vez mais um fantoche nas mãos do segundo,
nomeadamente na “guerra híbrida” que mantém contra a União Europeia. Com
esta crise Putin pretende criar novas brechas na União Europeia e
preparar terreno para o aumento das forças da extrema-direita na UE.
PS.
Uma coisa me intriga. A extrema-esquerda está muito “preocupada” com o
ambiente, atirando para cima do capitalismo todas as culpas. Mas será
que a República Popular da China, de longe o país mais poluidor do
planeta, já é para ela um “país capitalista”?
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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