O Brasil vai dar show de bola assim que se tornar humilde o bastante para começar, também em política, engenharia institucional e educação, a imitar sistematicamente os melhores. Fernão Lara Mesquita:
A
partir dos meados dos 1980s Kenishi Omahe se foi tornando uma presença
cada vez mais assídua na imprensa ocidental. Tendo ocupado altos cargos
em diversas empresas de ponta do Japão, ele foi nomeado, na sequência, o
chefe do escritório da McKinsey para Ásia e Japão e projetou-se como o
mais conhecido divulgador das técnicas de gestão japonesas nos EUA,
especialmente do sistema “just in time” inventado pela Toyota.
O
Japão deixara de ser o patinho feio do capitalismo, célebre pelos
produtos vagabundos que exportava. Tornara-se melhor que o original e
despontava como o Japão que conhecemos hoje deixando de lado o padrão
americano de planejamento de curto prazo com foco na “satisfação dos
acionistas” pelo planejamento de longo prazo de visão mais estratégica e
foco na qualidade. Ele escrevia artigos regularmente e publicou
diversos livros que tornaram–se best sellers não apenas entre os
especialistas. O sucesso foi tanto que no final dos 90 mudou para os
Estados Unidos onde dava aulas na UCLA e em Stanford e era uma estrela
nas palestras sobre eficiência.
Àquela
altura o mundo já tinha andado bastante. Lembro-me de um de seus livros
que começava com a descrição dos vôos das sextas-feiras entre Tóquio e
Seul onde todos os passageiros se conheciam mas passavam a maior parte
do tempo disfarçando, sem se cumprimentar, com as caras enfiadas em
jornais. Eram técnicos importantes e até CEOs dos grandes grupos
japoneses que viajavam para a Coréia onde, num fim-de-semana, ganhavam
mais que o salário do mês no Japão, para ensinar aos coreanos os
segredos das indústrias japonesas.
Nada de novo…
Uma
geração antes o Japão bancava milhares de seus melhores cérebros para
estudar nas melhores universidades americanas ou empregar-se nas suas
melhores indústrias para aprender com eles e depois fazer melhor em
casa.
Os
próprios Estados Unidos não se tornaram a maior potência industrial do
mundo por outro expediente. Um dos capítulos mais fascinantes do
indispensável “Alexander Hamilton” de Ron Chernow é o que descreve como o
genial primeiro Secretário do Tesouro do governo de George Washington e
seu fiel assistente, Tench Coxe, criaram o que viria a ser a Society
for Establishing Useful Manufactures (SEUM), nos albores da grande nação
americana.
Hamilton
e Coxe decidiram que o melhor meio de competir com a Inglaterra, àquela
altura a maior potência industrial da Terra era, numa mão, trazer para
os Estados Unidos a qualquer preço os melhores executivos das indústrias
inglesas, mesmo sob pena de desafiar as leis daquele país e, na outra,
enviar espiões a soldo do Tesouro Nacional para a antiga mãe-pátria para
aprender a construir (e melhorar) as máquinas e tocar as indústrias que
as usavam.
Tão
cedo quanto março de 1791 os Estados Unidos estavam patenteando os
Moinhos (têxteis) Parkson, mesmo admitindo que eram cópias melhoradas
dos ingleses. Naquele mesmo ano criaram oficialmente a SEUM, financiada
por capitais privados, que lançou as bases de indústrias de papel,
tecidos para velames navais, processadoras de algodões e linhos, sapatos
femininos, costuras industriais, chapéus, cobertores, carpetes,
cervejas, etc.
Hamilton
argumentava com os muitos inimigos do seu governo que “pelo espírito da
imitação a sociedade americana iria florescer em negócios domésticos
comparáveis aos ingleses”. Ele selecionou pessoalmente os principais
diretores do empreendimento entre cidadãos nacionais e estrangeiros para
a criação de um polo de difusão de indústrias em New Jersey, e lançou
ações na bolsa para financiá-lo, mesmo sob as críticas da América rural
que, apadrinhada por nomes do calibre de Thomas Jefferson e James
Madison, reclamava incentivos iguais. Sob ataques ferozes dessa
oposição, foi movido a produzir, com Coxe, o “Report on Manufactures”
para prestar contas desse investimento, pelo qual também foi atacado em
função da concepção aumentada dos poderes da União que embutia.
O
resto dessa história – da Coréia aos novos “tigres” do Sudeste Asiático
e à China – já é mais familiar para os leitores de hoje.
Enquanto
isso na nossa América, que de volta às mãos de um Portugal que,
subjugado pela Espanha, expulsara de Pernambuco os judeus que foram
fundar Nova York, o ódio à eficiência campeava solto. Lembro sempre de
um episódio descrito em outro livro fascinante de um “brasilianista”, o A
ferro e fogo, Uma história da destruição da Mata Atlântica, de Warren
Dean, que contava as desventuras de um inventor que, lá pelos 1700,
concebeu um forno muito mais eficiente que os usados nos engenhos
brasileiros e teve de ir implantá-lo nos canaviais do Caribe de tanto
que foi hostilizado pelos usineiros daqui que execravam aquele sujeito
que queria ensinar padre nosso ao vigário.
Warren
Dean fazia cálculos sobre quanto da Mata Atlântica teria sido poupada
só com a adoção daquela invenção, mas na minha cabeça a história batia
diferente. Era uma prova da ancestralidade da distorção que até hoje nos
mata. Nas sociedades regidas pelo privilégio, onde a eficiência não é o
fator decisivo de sucesso, muito pelo contrário, qualquer manifestação
de competência é uma ameaça a ser eliminada e não um avanço a ser
assimilado e disseminado.
Até
hoje é assim, menos para a fatia graças a deus crescente da nossa
economia que, apesar de tudo, conseguiu internacionalizar-se.
Cabe
esperar que aprendamos a lição antes de termos de tomar duas bombas
atômicas na cabeça para nos civilizarmos politicamente, como os
japoneses, ou mergulhar em profundezas tais de miséria que justifiquem o
canibalismo e a deglutição de baratas, escorpiões e morcegos, como os
chineses, e nos tornemos os próximos asiáticos. Com o jogo de cintura em
que a nossa doença política nos vem especializando ha 521 anos, o
Brasil vai dar show de bola assim que se tornar humilde o bastante para
começar, também em política, engenharia institucional e educação, a
imitar sistematicamente os melhores!
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