BLOG ORLANDO TAMBOSI
É o que está acontecendo com a Polônia, onde a vizinha e rival Belarus atrai sírios e iraquianos para passar por seu território - e desestabilizar a região. Vilma Gryzinski:
Os
especialistas no transporte de “refugiados” – aspas necessárias para
estabelecer diferenças – estão comemorando na Síria e no Iraque.
O
negócio deu um lucrativo salto depois que Alexander Lukashenkho armou
seu plano de vingança contra a Polônia, onde oposicionistas se
refugiaram desde que ele apertou mais seu regime autoritário e passou a
prender dissidentes.
Lukashenkho,
muito provavelmente com o incentivo e até mais do que isso da Rússia de
Vladimir Putin, passou a atrair pessoas que ambicionam uma vida melhor
no Oriente Médio e até no Afeganistão com a promessa de caminho livre
para a Polônia.
Chegando
lá, eles têm as garantias estendidas aos refugiados em território da
União Europeia – e possivelmente uma via de acesso à Alemanha, para onde
todos sonham ir.
O
problema que a Polônia não quer estrangeiros de países orientais sequer
de passagem por seu território. Também entende muito bem que os
infelizes são usados como uma bomba humana, um instrumento de guerra
híbrida – a guerra lutada por outros meios que não as armas, uma
definição que vai desde campanhas de desinformação até ataques
cibernéticos.
Lukashenkho
é um sujeito esperto; não estaria no poder desde 1999, quando o mundo
soviético ruiu e ele optou por se alinhar com a Rússia, enquanto outros
ex-satélites corriam para a órbita ocidental, buscando garantias de que a
independência recém-adquirida seria protegida pela União Europeia e os
Estados Unidos.
Ao
se alinhar com a Rússia, ele também ganhou costas quentes, detalhe que
lembrou na crise atual, com a linguagem bruta de sempre, “alertando” que
atitudes mais duras em relação à crise dos refugiados arrastaria para o
jogo “a maior potência nuclear do mundo”.
É
claro que insinuar uma terceira guerra mundial atrai um bocado de
atenção – e é claro que o belarusso está abusando da retórica. Nem na
pior das hipóteses a Rússia apelaria a seu arsenal nuclear, sabendo
perfeitamente que ele só pode ser tão grande porque existe a garantia de
que uma represália americana destruiria permanentemente a Rússia.
Mas
Putin gosta de testar os limites dos adversários e ontem mandou dois
bombardeiros nucleares, modelo Tu-22M3, dar uma passada supersônica no
espaço aéreo da Belarus
O
simples fato de que o poder nuclear tenha sido colocado na mesa indica
como Lukashenkho está amando se passar por gente grande e infernizar a
vida da Polônia, um país que já entrou em conflito com a cúpula da União
Europeia justamente por não aceitar uma quota de refugiados na última
grande crise de 2015.
Agora,
a Polônia está de novo numa situação complicada com os parceiros
europeus, submetida a uma multa diária de um milhão de euros por não
desfazer as mudanças no poder judiciário que a União Europeia considerou
incompatíveis com seus princípios.
Se
Lukashenkho esperava por lenha na fogueira, enganou-se. A União
Europeia fechou questão com a Polônia nesse embate com a Belarus. Peter
Stano, porta-voz do Conselho Europeu, disse que Lukashenkho está se
comportando à moda dos gângsters – o que não é nenhuma novidade, mas
chama a atenção pela dureza da linguagem.
Lukashenkho
chegou a fretar aviões para trazer pessoas do Oriente Médio e
despejá-las na fronteira com a Polônia, onde rapidamente foi erguida uma
barreira com arame farpado, o que cria uma imagem dolorosa: homens,
mulheres e crianças, já enfrentando um frio abaixo de zero, sentados
diante de fileiras de soldados.
Refugiados cortam grandes galhos de árvore para fazer fogueiras – e também forçar passagem através do arame farpado.
Os
militares poloneses tentam suas próprias táticas alternativas, e nos
celulares de qualquer pessoa que se aproxime da região aparece a
mensagem: “As autoridades da Belarus mentiram para vocês. Voltem para
Minsk! E não aceitem pílulas de soldados belarrussos”.
Autoridades
poloneses dizem ter provas de que os adversários estão oferecendo
opiáceos e outros remédios psicotrópicos para que aos migrantes aguentem
a dureza das condições na fronteira.
Homens
que, no desespero, arrancam e carregam troncos nas costas
transformaram-se assim em peões de uma guerra moderna, baseada em
manipulação, desinformação e uso cínico de populações civis como armas
de operações psicológicas.
Os
cerca de três mil refugiados são poucos, comparados à maré humana que
afluiu para a Europa em 2015. Famosamente, a Alemanha abriu suas
fronteiras e recebeu mais de um milhão de pessoas, que hoje tenta
integrar com benefícios generosos para que aprendem a língua, trabalhem e
se adaptem ao novos país.
Não
tem sido nada fácil e a face mais tenebrosa desse esforço explode
eventualmente em atentados terroristas contra o próprio povo que acolheu
os migrantes.
A
Polônia não quer esse tipo de migrantes justamente porque são
muçulmanos, não abraçam o modo de vida dos países que os recebem e, em
casos episódicos, criam bolsões de radicalismo de inspiração religiosa.
“Alemanha,
Alemanha”, gritam eventualmente os migrantes, deixando claro seu
objetivo. É impossível não sentir compaixão por estas pessoas que, no
grande jogo, são peças no tabuleiro do xadrez entre os aliados
ocidentais e a Rússia.
O que fazer com eles?
A
resposta, como já antecipam, provavelmente virá da Alemanha. Os dilemas
são complicados Dar-lhes refúgio só vai atrair mais gente ainda, forçar
a Polônia a aceitá-los pelo menos temporariamente azedará ainda mais
uma relação já tóxica, deixá-los onde estão redundará em mortes por
congelamento.
Um
dos objetivos estratégicos de Putin talvez seja o de afastar mais a
Polônia da União Europeia, o que seria um desastre para ambas.
Lukashenkho
montou uma boa armadilha. Mas, talvez, dessa ver tenha sido esperto
demais e seu destino possa ser negociado por gente muito mais importante
do que ele.
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