O colunista português João Pereira Coutinho, que escreve semanalmente na Folha de S. Paulo e se diz ao mesmo tempo conservador e libertário, afirma que os brasileiros precisam conhecer outros nomes da literatura lusitana, como Agustina Bessa-Luís e José Cardoso Pires. Entrevista a Arthur Aguiar, da revista pernambucana Continente:
Ele
fala de política e arte, de literatura e cultura, de sociologia, porte
de armas, da comunicação em tempos modernos, de economia, da saudade das
cartas. Tudo pode ser encontrado nas colunas e artigos escritos pelo
português João Pereira Coutinho, a quem a Folha de S.Paulo, que publica
quinzenalmente, às segundas, seus textos no Brasil, chama de “o mais
bem-humorado integrante da vaga recente de colunistas da ‘nova
direita’”.
“O
objetivo é o mesmo: divertir, informar, enfurecer e conquistar o
leitor. No fundo, eu só quero ser amado”, dizia ele, em 2007, quando
editou pela primeira vez, em Portugal, o livro Avenida Paulista, que
acaba de ser lançado em edição brasileira, pela editora Record. Ele é
autor também da novela Jaime e outros bichos (1997) e da compilação de
crônicas Vida independente (2004). Avenida Paulista reúne parte do seu
trabalho publicado na imprensa, mas sobre ela o colunista diz apenas se
tratar de “um aperitivo”. O livro é dividido em dois grandes blocos:
Sambas e Chorinhos. Na primeira, estão os textos mais leves, na segunda o
autor apresenta seu lado pessimista. “Arrumei tudo em duas metades, que
facilmente se resumem a entusiasmos e depressões”, revela na
apresentação. Nas páginas finais do livro, numa terceira parte
intitulada Encore, o colunista relata algumas de suas experiências na
capital paulista.
Enquanto
se diz conservador quando fala de política, Coutinho alega ser
libertário em todos os outros sentidos, e propõe que, num mergulho na
literatura lusitana, os brasileiros deixem de lado o nome mais
representativo entre os recentes do país e busquem outros autores.
“Chega de Saramago!”, decretou, sugerindo que o célebre ganhador do
Prêmio Nobel de 1998 seja deixado de lado em favor da descoberta de
outros escritores contemporâneos, como Agustina Bessa-Luís (Contemplação
carinhosa da angústia) e José Cardoso Pires (O delfim).
Nascido
em 1976, na cidade do Porto, Coutinho passou a escrever a coluna no
jornal paulista antes mesmo de completar 30 anos de idade, em 2005.
Anteriormente, já havia sido colunista dos semanários portugueses O
independente (1998-2003) e Expresso (2004-2009). Formado em história da
arte e em ciência política, mistura e alterna os dois assuntos com
erudição e bom humor, em um texto interessante, cujo estilo já alegou
ter “roubado” de escritores brasileiros (Paulo Francis, Nelson
Rodrigues, Ivan Lessa e Diogo Mainardi) e anglo-saxões (H.L Mencken e
Jeff Bernard). Os escritores brasileiros mais recentes, entretanto, não o
empolgam mais, como afirmou na entrevista que se segue.
A
pedido do próprio Coutinho, em Lisboa, a entrevista abaixo foi
concedida por e-mail. Sucinto, ele evitou se prolongar muito em
explanações sobre suas respostas, mas deixa claro o que pensa ao ir
direto ao ponto. Questionado sobre o porquê de preferir responder à
imprensa por escrito, surpreendeu ao afirmar não ser uma preocupação com
a possibilidade de ser mal-interpretado, mas simplesmente um
comportamento econômico.
Em
seus textos publicados no Brasil e em Portugal, o articulista prefere
evitar analisar as notícias sobre o Brasil. Diz ser proposital, por
ignorância do país como um todo, pois conhece apenas “o Rio de Janeiro e
São Paulo”. Ele prefere usar o espaço das suas crônicas justamente para
“trazer a Europa aos brasileiros”. E faz uma ponte em que trata, sob
uma ótica um tanto fora dos padrões politicamente corretos adotados na
maior parte da imprensa do país, de temas que vão da reforma ortográfica
ao fenômeno do YouTube, Susan Boyle. Essa fuga dos padrões ideológicos,
diga-se, acaba gerando fortes reações contra e a favor do que escreve.
Chamado de polêmico e provocador, ele nega este perfil, mas com certeza
se diverte com a notoriedade.
CONTINENTE
A Folha de S.Paulo, jornal que publica seus textos no Brasil, o
descreve como “o mais bem-humorado integrante da vaga recente de
colunistas da ‘nova direita’”. O que acha disso? Considera-se de fato
bem-humorado? E de direita?
JOÃO PEREIRA COUTINHO
Não sei exatamente o que significa ser de “direita”. A distinção surge
historicamente localizada na Revolução Francesa, quando as classes
aristocráticas e clericais se sentavam à direita do rei nos Estados
Gerais. Ora, recuando até 1789, eu não posso dizer que, em princípio,
estaria à direita do rei. Mas há uma coisa que eu posso dizer: sou
essencialmente um conservador em política e um libertário em todo o
resto. Se essa combinação gera bom humor, melhor ainda.
CONTINENTE A que outros nomes desta “nova direita” considera-se ligado ideologicamente?
JOÃO PEREIRA COUTINHO Não me considero ligado a nenhum nome em especial, muito menos da “nova direita”.
CONTINENTE
Acha que esta personalidade está exposta nos textos publicados na
coluna e no livro? É possível conhecer o que pensa João Pereira Coutinho
a partir dos textos reunidos em Avenida Paulista, ou fica faltando
algo?
JOÃO PEREIRA COUTINHO
Fica faltando tudo. No livro Avenida Paulista está apenas um aperitivo.
Espero que os pratos principais venham nos próximos anos.
CONTINENTE
Que tipo de reação recebe do público brasileiro – que associa o termo
“direita” ao “mal” e quase todos os políticos se dizem de “esquerda”?
Como isto se reflete em sua relação com o Brasil? É daí que vem o termo
“polêmico”, muitas vezes usado para descrevê-lo?
JOÃO PEREIRA COUTINHO Não
faço ideia. Até porque não me considero particularmente polêmico, muito
menos provocador. Pelo contrário: eu sou simplesmente uma pessoa que
reage quando o mundo me provoca. E o mundo provoca-me todos os dias,
várias vezes por dia.
Milton Hatoum |
CONTINENTE Acredita que há espaço para esta dicotomia “direita-esquerda” no mundo contemporâneo?
JOÃO PEREIRA COUTINHO
Acredito, mas a dicotomia, como todas as dicotomias ideológicas, sofreu
uma evolução histórica. Penso que a grande distinção, hoje, está entre
“monistas” e “pluralistas”, na boa tradição de Isaiah Berlin. Ou seja,
entre pessoas que acreditam num único ideal redentor e os outros que
preferem uma multiplicidade de fins últimos de vida. É possível
encontrar pessoas de esquerda ou de direita em ambas as categorias.
CONTINENTE
Antes de completar 30 anos você já tinha uma coluna no principal jornal
do Brasil. Como surgiu esta “parceria”, e como você mudou e mudou sua
relação com o Brasil desde então? Acha que a visão externa o ajuda na
interpretação dos fatos ligados ao país?
JOÃO PEREIRA COUTINHO
Raramente escrevo sobre o Brasil. Por respeito e alguma ignorância
sobre o Brasil “real”. Conheço apenas uma parte do Brasil,
essencialmente reduzida ao Rio de Janeiro e a São Paulo. A minha
intenção é trazer o mundo para o Brasil, sobretudo a Europa, e não
servir o Brasil aos brasileiros. Existem outras pessoas mais competentes
do que eu para isso.
CONTINENTE
A entrevista foi aberta com perguntas sobre política, mas sua formação
é, antes, em história e história da arte. A política parece se sobrepor à
arte com frequência em seu trabalho de colunista. O que pensa disso?
Que relação tem com a arte hoje?
JOÃO PEREIRA COUTINHO
A arte é o meu interesse principal: a pintura, o cinema, a literatura, o
teatro. Mas tenho escrito sobre política porque, infelizmente, só
existem os prazeres estéticos quando estão resolvidos os prazeres
éticos. E estamos longe de viver num mundo onde isso seja uma realidade.
Agustina Bessa-Luís |
CONTINENTE O que pensa da produção artística e cultural do Brasil, atualmente, seja música, literatura ou mesmo artes plásticas?
JOÃO PEREIRA COUTINHO
A literatura contemporânea brasileira é muito, muito pobre. Da nova
geração prefiro nem falar. Dos veteranos, leio com regularidade Milton
Hatoum, Scliar, Rubem Fonseca. E tenho pena de que o Mainardi não
escreva mais ficção.
CONTINENTE
E de Portugal? Muitas vezes, mesmo tendo tanta ligação histórica, o
Brasil acaba ficando longe de Portugal. Da produção artística
portuguesa, o que acha que deveríamos conhecer melhor?
JOÃO PEREIRA COUTINHO
Alguns escritores contemporâneos, como Agustina Bessa-Luís ou José
Cardoso Pires, por exemplo. Poetas como Mário Cesariny. Chega de
Saramago!
CONTINENTE
O que alguém que escreve e, acima de tudo, admira a literatura, pensa
sobre a reforma ortográfica da língua portuguesa?
JOÃO PEREIRA COUTINHO
Sou contra a Reforma Ortográfica por motivos que já escrevi. A língua
pertence aos seus falantes, não a um conselho de sábios que se considera
“dono” da língua. (Em artigo publicado na Folha, em 28 de setembro de
2008, Coutinho dizia ser “visceralmente contra. Filosoficamente contra.
Linguisticamente contra.” Ele alegava ser incapaz de aceitar que uma
“dúzia de sábios se considere dono de uma língua falada por milhões”. Os
motivos da oposição eram acreditar que a língua é produto de uma
história que está sendo ignorada pelo Acordo. “A pluralidade é um valor
que deve ser estudado e respeitado.”)
CONTINENTE Você disse preferir responder a esta entrevista por e-mail. Por quê?
JOÃO PEREIRA COUTINHO Porque as chamadas telefônicas são mais caras.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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