Os próximos 12 a 15 meses são cruciais para evitar outro salto no escuro em 2022. Artigo do ex-ministro Pedro Malan, publicado pelo Estadão:
A
cada início de inverno deste período de governo Bolsonaro venho
publicando neste espaço textos voltados para o eventual leitor que
preferiria não experimentar, em outubro de 2022, a polarização
irrefletida que marcou a eleição de 2018 e julga ainda possível,
desejável e salutar contribuir para tornar viável uma eventual coalizão
ampliada de centro.
Como
escreveu em texto recente Margareth Dalcomo, “aos cansados desses
longos meses e que pretendem não se imiscuir nas querelas e desavenças
políticas resta a lógica aristotélica, que lembra, aos que não gostam da
política e permanecem neutros por convicção: somos e seremos sempre
governados pelos que gostam e instados a arcar com as consequências
dessa nada impune neutralidade”.
Há
que levar em conta as sofridas memórias vividas por todos os
brasileiros nos últimos dois anos e meio. Refiro-me não apenas à
pandemia e à desastrosa postura do chefe do Executivo em relação a ela. É
preciso que o País não perca sua memória – a memória do que alguns
historiadores chamam do “passado recente”: aquele que continua
influenciando o escopo das escolhas possíveis no presente.
Foram
ações e omissões, erros e acertos, paixões e interesses, conflitos e
compromissos que nos trouxeram, como país, ao que somos hoje. Entender
como um país se tornou o que é, e o que poderia vir a ser, exige
consciência do peso ou do empuxo do passado, como condição para viver
criativamente no presente e, principalmente, para ter visão sobre o
futuro, seu e de seu país no mundo.
O
processo que nos trouxe até aqui está em curso há décadas. Estamos há
mais de 130 anos em busca de uma República democrática digna desse nome.
Por vezes, e particularmente agora, é preciso defender conquistas que
julgávamos, realisticamente, em processo de consolidação.
O
risco de retrocesso existe e vem se tornando menos obscuro ao longo dos
últimos dois anos e meio. Acentuado pela propensão ao autoritarismo que
vem marcando, a cada inverno que passa, a postura e a conduta daquele
que deveria servir de exemplo a seus concidadãos – e não apenas àqueles
que o têm como mito, como oráculo inquestionável.
Dizia
o texto publicado aqui em junho de 2019 (início do primeiro inverno):
“É difícil imaginar que possamos seguir com o grau de surpresas e
incertezas que marcou os primeiros meses deste governo”. Por mais
espantoso que pareça, elas se acentuaram nos 12 meses que se seguiram,
com crescente atividade e influência do núcleo familiar e do núcleo
ideológico do Palácio do Planalto nas redes sociais. No início do
segundo inverno tentávamos ainda interpretar a escalada da estratégia
bolsonarista, cada vez mais inspirada no sucesso de Trump nos EUA quanto
ao uso, “como nunca antes no Brasil”, das redes sociais, crescentemente
mobilizadas.
E
desde então as incertezas, ansiedades e contradições só se acentuaram. A
polarização acerba vem sendo a marca dos primeiros 18 meses do governo.
Em 19 de abril de 2020 Bolsonaro discursou na manifestação de seus
fiéis seguidores em frente ao quartel-general do Exército, em Brasília,
em meio a faixas pela restauração do AI-5 e contra o Congresso e o STF.
Em fins de maio o País assistiu à íntegra do vídeo de uma surrealista
reunião ministerial – a pandemia de covid-19 já fora declarada
oficialmente pela OMS havia cerca de um mês e meio. Quem tinha dúvidas
sobre o que era o presidencialismo de confrontação, à la Trump, deve
tê-las perdido então. A partir daí, o instinto de sobrevivência política
levou o presidente a fazer o que havia desprezado até então: tentar
construir uma base de apoio no Congresso apta a permitir-lhe ganhar a
reeleição em outubro de 2022.
Trump,
o modelo de Bolsonaro, obteve em 2020 10 milhões de votos a mais do que
havia obtido em 2016. Em belo artigo publicado neste jornal (23/11/20),
Moisés Naim escreveu: “São 74 milhões que não se importaram em votar em
um presidente que mente de forma compulsiva, constante e facilmente
verificável. Que não acreditam que Trump seja mentiroso, ou não se
importam com isso, ou têm necessidades e esperanças mais importantes”.
Mas
o fato é que os eleitores norte-americanos decidiram, por uma diferença
de 6 milhões de votos, não dar um segundo mandato a Trump. Que então se
recusou a aceitar o resultado das urnas. Na verdade já declarava desde
2016, quando disputou pela primeira vez, que só reconheceria o resultado
das urnas “if I win”. Em episódio inesquecível, insuflou seus
seguidores a marchar contra o Congresso norte-americano. Era 6 de
janeiro. A democracia norte-americana reagiu à invasão de seu Parlamento
em plena sessão, e Biden tomou posse duas semanas depois.
A
democracia venezuelana não resistiu a Chávez e Maduro. Há o risco de
Bolsonaro ter em 2023 um quinto inverno. Seria o inverno de nossa
desesperança, porque o Brasil teria dado em 2022 outro salto no escuro,
como fez em 2018. Aqueles que desejam evitá-lo deveriam pensar na
importância crucial dos próximos 12 a 15 meses. Para tanto muito
ajudaria o uso da memória, que é, ou deveria ser, um fenômeno sempre
atual, um elo vivido no eterno presente.
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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