Ayrton Ruy Giublin Neto*
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), deve retirar do papel o projeto de renegociação de dívidas com a União. Com novas possibilidades de parcelamento de dívidas fiscais, descontos sobre juros e multas, entre outras benesses fiscais, a proposta prevê a retomada do prazo de adesão ao Programa Especial de Regularização Tributária (PERT).
Apoiada publicamente por entidades ligadas ao setor produtivo como FECOMÉRCIO/SP, Confederação Nacional do Transporte (CNT) e Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), a proposta é polêmica e enfrenta resistência do Ministério da Economia e outros setores da sociedade, sob o argumento de que projetos de parcelamento foram aprovados repetidas vezes nas últimas décadas com o objetivo de buscar picos de liquidez, mas sem maiores preocupações com os efeitos negativos dessa espécie de política fiscal.
Um dos principais efeitos negativos citados é o incentivo aos contribuintes que não honram as suas obrigações, sempre confiantes na instituição de um próximo programa de parcelamento. Outro, é o grande número de contribuintes que aderem apenas para renovar as certidões negativas, o que conseguem com o pagamento apenas das primeiras parcelas, refletindo em baixa arrecadação.
Um estudo apresentado pela Confederação Nacional do Transporte ao Senado Federal demonstrou que os efeitos negativos decorrentes dos programas de regularização não superam os efeitos positivos gerados para empresas com reais dificuldades de liquidez. Ademais, segundo a pesquisa, o montante arrecadado nos últimos programas de parcelamento federais (Refis da crise, PRT e PERT) somou 250 bilhões, o que afasta a alegação de baixa arrecadação.
É certo também que algumas medidas avançaram no país para superação dos efeitos negativos da política do “Refis contumaz”, como a lei de transação tributária (Lei nº 13.988/2020) e a nova lei de falências e recuperação judicial (Lei nº 14.112/2020). Ambas conseguem individualizar melhor os setores impactados pela crise e, assim, mitigar o efeito “carona” dos oportunistas. Contudo, por serem mais restritivas, não são suficientes para contornar a crise gerada pela pandemia e dar o fôlego de caixa na extensão e abrangência que o setor produtivo precisa para a retomada da economia. Como bem disse o escritor português José Saramago, “a única maneira de liquidar o dragão é cortar-lhe a cabeça; aparar-lhe as unhas não serve de nada”.
O projeto de Lei nº 4.728/2020 - que reabre o prazo de adesão ao Pert -, portanto, busca a instituição de um programa de regularização tributária ampla para um momento que demanda medidas excepcionais. É nesse sentido a justificativa do projeto em discussão, onde se lê que a pandemia “agravou e consolidou a crise econômica iniciada em 2015 e comprometeu ainda mais a capacidade das pessoas jurídicas pagarem os tributos devidos”, de modo que “o programa amplia a perspectiva de arrecadação no futuro próximo, o que será de absoluta necessidade para que o Brasil possa retomar o crescimento econômico o mais rápido possível”.
Para superar a necessidade de políticas arrecadatórias amplas e de curto prazo, é preciso melhorar o controle de gastos públicos e concretizar a agenda de reformas estruturais, sobretudo a tributária. Todavia, o país não conseguiu avanços significativos e a pandemia esfriou o ímpeto do debate sobre as propostas de reforma tributária em trâmite no Congresso, em vista das novas incertezas econômicas e fiscais.
A aprovação de um programa de parcelamento e regularização tributária, neste momento excepcional, não significará o abandono do objetivo de, a longo prazo, vencer os efeitos negativos da política do “refis contumaz”, mas o reconhecimento da necessidade de uma medida concreta e firme para conter a crise econômica decorrente da pandemia da Covid-19.
*Ayrton Ruy Giublin Neto, advogado, mestre em Direito Econômico e Financeiro, é professor de Direito Tributário da Escola de Direito e Ciências Sociais da Universidade Positivo.
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