A boca do lobo era, segundo os camponeses hoje favelizados, a pressão violenta que o Sendero ou as forças de segurança exerciam sobre eles. Leonardo Coutinho para a Gazeta do Povo:
Em
1992, Abimael Guzmán, o fundador do grupo terrorista Sendero Luminoso,
foi colocado atrás das grades em um presídio nos arredores da capital
peruana. O “Presidente Gonzalo”, como era chamado pelos seus seguidores,
comandou um dos mais sanguinários movimentos terroristas do nosso
continente, deixando um saldo de 70.000 mortos.
De
inspiração maoísta, o Sendero aspirava implantar no Peru uma ditadura
aos moldes da chinesa. De dentro das universidades, Guzmán fez florescer
um movimento de base acadêmica e rural que infernizou a vida dos
peruanos por mais de duas décadas e, como as Farc na Colômbia,
amasiou-se com o tráfico de drogas, fazendo da cocaína uma de suas
principais fontes de renda.
Nos
Pueblo Jóvenes (como são chamadas as favelas) que dominam a paisagem ao
redor de Lima, era comum ouvir das pessoas originárias de Los Cerros (a
região montanhosa do país) que elas estavam ali fugindo da “boca do
lobo”. Uma explicação quase padrão que aqueles camponeses favelizados
davam por ter trocado suas vilas e vales para viver em cabanas de lona e
palha em morros de areia na desértica periferia de Lima.
A
boca do lobo era, segundo eles, a pressão violenta que o Sendero ou as
forças de segurança exerciam sobre eles. Em meio à total ausência de
limites dos terroristas e do Estado em guerra, aqueles peruanos eram
invariavelmente punidos, ou pelos terroristas por terem colaborado com
as autoridades, ou pela polícia, por acobertamento dos criminosos de
esquerda.
Mas
a ironia, entretanto, é que quando fugiam para cidade, se viam
novamente ameaçados pela mesma boca do lobo. Não havia escapatória.
Senderistas recrutavam meninos pobres para instalar explosivos na base
de torres de transmissão de energia. Uma missão de vida ou morte, pois
quase todas tinham minas terrestres instaladas ao seu redor, dentro de
cercadinhos com placas de não ultrapasse. E a polícia não aliviava para
quem não colaborava.
Quase
trinta anos depois, aqui estão os peruanos novamente na boca do lobo. O
eleito Pedro Castillo, herdeiro das ideias anacrônicas do Sendero, e a
derrotada Keiko Fujimori, filha do presidente que esmagou o grupo
terrorista e enviou o seu fundador para prisão.
O
Peru é o país sul-americano que mais sofreu nesta pandemia de Covid-19.
O número de mortes per capita é mais que o dobro do brasileiro. O país
entrou na pandemia estraçalhado por uma série de crises políticas e
econômicas e chegou na eleição desta semana em meio a um profundo
sentimento coletivo de abandono.
No
cardápio de opções, saíram vitoriosos os extremos. Os peruanos se viram
em meio a mandíbula que fraturou o país. Castillo não é o Presidente
Gonzalo, mas não há otimismo que indique que ele não fará do Peru uma
versão mais moderna e menos radical do senderismo.
A
outra metade que votou na Keiko sabe que Bolívia e Venezuela são
horizontes factíveis para o país que, não faz muito tempo, chegou a ser
exemplo de crescimento econômico. O Peru recém-saído da guerra com o
Sendero e o Peru da Primeira década dos anos 2000 eram dois países
absolutamente diferentes.
Keiko
nunca foi o melhor que o Peru e os peruanos mereciam. Mas a vitória de
Castillo pode ser uma passagem sem previsão de volta para um passado de
violência, divisão e atraso.
A
derrotada Keiko Fujimori vai tentar esticar a corda. Ela acusa seu
opositor de fraude e pode fraturar ainda mais a já partida sociedade
peruana sem muitas chances de reverter o resultado. Enrolada em
corrupção descoberta pela “Lava-Jato peruana”, Keiko já havia sido presa
e concorreu à Presidência em liberdade condicional. Enquanto ela tenta
virar o jogo, o Ministério Público tenta enviá-la mais uma vez para
prisão. E vão conseguir.
Em
tempo: vale a pena pesquisar a foto de Abimael Guzmán, o fundador do
Sendero Luminoso, em sua apresentação em 1992. Guzmán liderou homens que
fuzilavam indígenas no interior do país e que não viam problema algum
em crianças serem estraçalhadas por minas terrestres nas periferias de
Lima desde que cumprissem o objetivo de plantar explosivos em torres de
alta tensão como parte de seus planos terroristas. Durante a prisão, ele
fazia um discurso aos seus soldados. Pregava a violência e a revolução.
Castillo não é o novo “Presidente Gonzalo”. Mas, também, ninguém pode
garantir que dentro daquela jaula não está alguém que pavimentou o seu
caminho.
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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