Um estudo sugere que dois terços dos portugueses não desgostam de ditaduras. Parece-me otimista. Via Observador, a crônica semanal de Alberto Gonçalves:
Os
incêndios de 2017. Os roubos e as aparições de Tancos. As golas contra o
fumo que sufocavam os utilizadores. O fulgurante e pornográfico
nepotismo nos cargos de decisão. O candidato a primeiro-ministro que
esteve a centímetros de esmurrar um velho. O ucraniano torturado até à
morte por funcionários públicos. A subvenção e a tomada dos “media”. O
“sorteio” e os palpites do juiz Ivo Rosa. O currículo falsificado do
procurador europeu. O “investimento” na TAP. Os “investimentos” na
banca. As dívidas públicas e privadas que não são para pagar mas para
gerir. O estado policial a pretexto da Covid. As falências. Os mortos
por incúria do melhor SNS do mundo. A invasão armada do Zmar e a brutal
detenção de imigrantes. O retorno da censura oficial. O ministro que
tenta intimidar um empresário estrangeiro por questionar as escolhas
desse exacto ministro. O riso permanente do dr. Costa, que nenhuma
máscara esconde.
Em
que nação tais peripécias, uma amostra mínima de cinco anos e meio de
regabofe, não fariam cair o governo? Em muitos, do Burkina Faso à
Nicarágua. No Ocidente, que ainda nos acolhe por lapso e imposição
geográfica, a exigência costuma ser um bocadinho maior. Para felicidade
do PS, por cá a exigência é nula. Talvez pelo contrário: por cá exige-se
que o poder seja corrupto, prepotente e incapaz. Quanto pior, melhor
para o PS, que sobe nas sondagens à medida que o país desce em todos os
critérios económicos, sociais e, desconfio, psiquiátricos. Há dias, o PS
roçava os 40% nas sondagens. De propósito, deixei de fora do rol de
desgraças acima a semana vigente, que estabeleceu novos recordes nas
modalidades do descaramento, despotismo e desnorte. A esta hora, é
plausível que o PS tenha alcançado a maioria absoluta.
A
semana começou com um programa da RTP destinado a louvar a referida lei
da censura. Uma apresentadora de variedades garantiu aos – escassos –
espectadores que a lei é fantástica porque permite punir e evitar a
“desinformação”. Se a lei fosse levada à letra, os senhores que nos
pastoreiam não voltavam a abrir a boca. Por azar, o objectivo é o
oposto: condicionar opiniões divergentes da propaganda oficial, da qual o
programa em questão é excelente exemplo. Para tirar dúvidas, a
apresentadora de variedades perguntou ao criador da lei, o simpático
leninista José Magalhães, se se pode falar em censura. Não se pode,
esclareceu sem contraditório o deputado, que satisfez a apresentadora de
variedades a ponto de ela se deitar no seu colinho. Poucos minutos
decorridos, a senhora, que pelos vistos tem um padrão, já pousava a
cabeça no colinho do prof. Marcelo, após breve entrevista em que ambos
aplaudiram o combate às “fake news”. A piada estava feita. Já espreitei
pedaços das televisões venezuelanas e norte-coreanas: essencialmente,
não se distinguem disto.
A
semana prosseguiu com a revelação, no Porto Canal, das comemorações dos
50 anos do 25 de Abril. Ao que consta, são necessários três anos de
preparativos e dois e meio para lavar a louça e aspirar o chão. A
liderar a vital empreitada, arranjou-se o dr. Adão e Silva (é apenas um
sujeito), vulto com carreira no comentário dependente de ordens
superiores. Se a ideia era enxovalhar o golpe de Estado, missão
cumprida. Por falar em missão, haverá uma “estrutura” adequada à dita,
com resmas de assessores e motorista. Graças ao seu desprendido
entusiasmo por “Abril”, o comissário Adão aceitou a encomenda a troco de
simbólicos 300 mil euros. Perante os resmungos de alguns fascistas, que
pagam a folia mediante impostos, democratas sortidos indignaram-se com
razão. Naturalmente, o prof. Marcelo aprova.
A
semana acabou com o “caso” Medina, ou a entrega, pela câmara lisboeta,
dos nomes e moradas de críticos de Putin à embaixada russa. Alguns dos
denunciados, cujas vidas entraram em saldo, têm nacionalidade
portuguesa. Uma, em Janeiro, contou o crime a “jornalistas”, que o
ocultaram com zelo. Até que enfim a capital é mencionada no estrangeiro
sem ser pelos “rankings” fajutos dos destinos turísticos. O
indescritível sr. Medina, e os indescritíveis defensores do sr. Medina,
que evidentemente incluem o prof. Marcelo, torcem-se em justificações: o
procedimento é normal; tratou-se de um erro lamentável; não há problema
nenhum; os russos juraram ter apagado os e-mails; a embaixada da Rússia
não representa Moscovo; não se pode fazer “aproveitamento político”;
etc. Dizem uns que não há memória disto acontecer em lugares
civilizados, mas é porque sofrem de amnésia: o envio de informação
confidencial ao KGB já fora inaugurado pelo PCP com os arquivos da PIDE.
E considerarmo-nos um lugar civilizado é manifesto exagero.
Já
não temos o que quer que achávamos que tínhamos. Sem surpresas nem
sobressaltos, voltámos às “Conversas em Família”, a um presidente
decorativo, às celebrações masturbatórias de quem manda, ao culto das
denúncias, à proliferação de prostitutos e prostitutas, à radical
impunidade de uns poucos à custa dos restantes. Ao sufoco sem alívio. O
mofo regressou, em versão maçónica, brejeira e analfabeta. A falta de
oposição, factual, não explica tudo. Um estudo fresquinho sugere que
dois terços dos portugueses não desgostam de ditaduras. Parece-me um
dado optimista. Fora uns excêntricos e umas excitações provisórias, o
português médio prefere rédea curta e cabeça baixa a alternativas
“modernas” e “libertinas”. O salazarismo durou 48 anos. A democracia,
pobrezinha, não chegou a tanto. Houvesse aqui vestígios de dignidade e o
PS, mais respectivas metástases, não estaria no poder. Boa parte
estaria na cadeia. Em vez disso, essa sinistra gente vai organizar em
2024 a festa deles, e o velório do que havia em redor. Os meus pêsames.
blog orlando tambosi

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