A vacina em si pode nos libertar. Mas os 'passaportes de vacinação' vão retirar os direitos das pessoas. Fraser Myers, da Spiked, para a revista Oeste:
Olançamento
da vacinação foi um raro sucesso para o governo do Reino Unido. Não só
as pessoas mais vulneráveis receberam suas doses antes do cronograma,
mas a adesão à vacina também foi muito mais alta do que a esperada.
Entre as pessoas de 70 anos ou mais, a adesão foi de 90%, chegando a
impressionantes 97% na faixa de 75 a 79 anos. As hospitalizações e as
mortes estão desabando. E, no entanto, os clamores por “passaportes de
vacinação” — que implicariam uma vacinação obrigatória de fato — estão
cada vez maiores.
A
questão se tornou confusa por duas demandas separadas chamadas
“passaportes de vacinação”. Para alguns, isso se refere a passaportes
para viagens internacionais. O Instituto para Mudança Global Tony Blair,
por exemplo, afirmou em tom de ameaça que “comprovar seu estado de
saúde em relação à covid-19 vai se tornar um fato da vida” em seus
pedidos por passaportes de vacinação. Mas suas propostas estão voltadas
para a abertura das fronteiras. De muitas formas, isso é menos
controverso. Não é incomum precisar de toda uma gama de injeções para
viajar para alguns lugares.
O
que é muito mais preocupante é o pedido de passaportes de vacinação
para uso doméstico — para acesso a serviços e entretenimento, por
exemplo. E não é difícil ver como o desenvolvimento de um passaporte de
vacinação externo para que você possa embarcar em um avião pode ser
adaptado com muita facilidade.
De
início, o governo havia prometido não introduzir esses passaportes.
“Não estamos planejando ter um passaporte no Reino Unido”, insistiu
Nadhim Zahawi, ministro do Desenvolvimento de Vacinas, no começo deste
mês. “Não é como fazemos as coisas”, disse ele. Sem dúvida, o governo
também estava preocupado com a possibilidade de que, se as pessoas
tivessem a impressão de que estavam sendo coagidas a se vacinar, isso
prejudicaria a confiança.
Mas
algo parece ter mudado desde então. No fim de semana, o ministro das
Relações Exteriores, Dominic Raab, afirmou que o esquema do passaporte
de vacinação, que garantiria o acesso a espaços de hospitalidade e
eventos, estava “sendo considerado”.
Isso
foi derrubado pelo escritório do primeiro-ministro britânico. Mas, em
todo caso, os ministros parecem bastante felizes em deixar o setor
privado levar essa ideia adiante. O jornal Financial Times relata que
empresas em uma vasta gama de indústrias já começaram mobilizar
advogados para elaborar contratos “sem vacina, sem vaga”. Alguns na
indústria de eventos já apontaram os passaportes de vacinação como uma
rota possível para a “normalidade” (como se houvesse qualquer coisa
remotamente normal nessa ideia).
Em
poucas semanas, o ministro de Desenvolvimento de Vacinas foi de
menosprezar esses passaportes como “discriminatórios” a dar de ombros
enquanto eles emergem pela porta dos fundos via setor privado. “Cabe às
empresas decidir o que fazer”, esta é sua evasiva não resposta atual. O
governo chegou a oferecer 70 mil libras do dinheiro dos contribuintes
para as empresas de biometria iProov e Mvine desenvolverem um passaporte
da covid, tamanho seu nível de não envolvimento.
Não
podemos permitir que isso aconteça. Zahawi estava certo da primeira
vez. Passaportes de vacinação seriam discriminatórios. Em primeiro
lugar, porque a hesitação em vacinar-se é mais alta entre muitos grupos
de minorias étnicas e minorias religiosas. Mas, se acreditamos que a
hesitação em relação à vacina é irracional, a perspectiva de grande
número de britânicos oriundos de minorias sendo rejeitados de empregos e
serviços deveria deixar qualquer governo desconfortável. Em segundo
lugar, existem muitos grupos para os quais há a recomendação médica de
evitar a vacinação — de grávidas a pessoas com determinadas questões de
saúde. Eles também não terão permissão para fazer parte da sociedade, de
decidir com que riscos se sentem confortáveis, se assim desejarem?
Ao
contrário do que alguns neoliberais possam dizer, não existe grande
distinção moral entre as empresas retirarem seus direitos e o governo
retirar seus direitos, especialmente se o resultado final for o mesmo:
que você não poderá participar de maneira livre e igualitária da
sociedade.
As
pessoas que foram vacinadas não têm o que temer em relação àquelas que
não foram. É difícil levar a sério qualquer afirmação de que um esquema
como esse tem a segurança como objetivo. Quando o jornalista britânico
Piers Morgan vocifera que “ama a ideia de um passaporte de vacinação
contra a covid para todo lugar”, ele clara e abertamente demonstra
prazer na ideia de oprimir os demais. “Está na hora de alguém revelar o
blefe dos malucos negacionistas da covid e antivacina e bani-los de ir a
qualquer lugar onde cidadãos responsáveis estejam” é a justificativa
dele.
De
alguma forma, o debate do passaporte de vacinação é uma extensão do
debate sobre o lockdown pós-vacina. Mesmo enquanto os riscos causados
pela covid-19 começam a desaparecer do horizonte, graças à imunização, o
impulso autoritário de convencer e controlar a sociedade continua
forte. Novas cepas mutantes do princípio de prevenção continuam surgindo
para o adiamento do retorno das nossas liberdades pré-coronavírus.
Se
forem criados, os passaportes de vacinação virão para ficar. Qualquer
intervenção nova que seja proposta um ano depois da chegada do
coronavírus às nossas costas não será liquidada quando a crise da
covid-19 acabar. Quando implantados, os passaportes de vacinação sem
dúvida sofrerão metástase para acomodar novas formas de coerção e
monitoramento. Eles terão novos propósitos para novas ameaças, reais e
imaginárias.
As
vacinas, ao mais ou menos eliminar os perigos da covid-19, deveriam nos
libertar. Mas neste clima autoritário não deveríamos nos surpreender
que algumas pessoas queiram usá-las para o oposto disso.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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