O grande problema por trás de muitas das reivindicações dos caminhoneiros é a sua intenção de, basicamente, revogar a lei da oferta e da procura, buscar reservas de mercado e reviver distorções em preços. Editorial da Gazeta do Povo:
Em
2018, a categoria dos caminhoneiros conseguiu colocar o Brasil de
joelhos em uma greve que durou quase duas semanas e que se caracterizou
por uma série de atos no mínimo irresponsáveis e, no máximo, claramente
antidemocráticos, como os bloqueios em rodovias, a pressão sobre os
trabalhadores que não quiseram parar e o desabastecimento de itens
básicos em muitas cidades brasileiras. No seu início, muitos brasileiros
chegaram a apoiar o movimento – houve quem visse na greve o início de
uma “revolta tributária” mais abrangente, como o economista Eduardo
Giannetti da Fonseca. Mas, no fim, tudo não passava de uma série de
demandas corporativistas, como uma intervenção para baixar o preço do
diesel e a imposição de uma inconstitucional tabela com preços mínimos
para o frete rodoviário.
Depois
de maio de 2018, houve várias outras ameaças de novas greves, nunca
concretizadas. E as divisões internas da categoria lançam uma série de
incertezas sobre a paralisação prometida para esta segunda-feira. Há
entidades e líderes dispostos a parar e que garantem a realização da
greve, enquanto outros vêm dialogando com o governo federal e rejeitam a
hipótese de cruzar os braços. Só mesmo neste 1.º de fevereiro saberemos
se a mobilização fracassará completamente, se haverá protestos esparsos
em alguns locais, ou se haverá um movimento consistente, igual ou maior
que o de 2018.
Ao
menos desta vez a população não será enganada, ficando claro desde o
início que os caminhoneiros estão apenas em busca da defesa dos próprios
interesses – o que, per se, é algo legítimo; o que torna uma greve mais
ou menos razoável é o teor das solicitações e os métodos empregados
para fazer pressão. Quanto aos meios, aparentemente desta vez os
defensores da greve prometem não bloquear rodovias como fizeram em 2018,
embora Plínio Dias, presidente do Conselho Nacional dos Transportadores
Rodoviários de Cargas (CNTRC), não descarte a possibilidade de
desabastecimento, lançando antecipadamente a culpa sobre o governo
federal, como se a paralisação não fosse uma decisão livre dos
trabalhadores, que deveriam assumir as consequências de suas escolhas.
O
grande problema por trás de muitas das reivindicações dos caminhoneiros
é a sua intenção de, basicamente, revogar a lei da oferta e da procura,
buscar reservas de mercado ao impedir a concorrência, e reviver
distorções que já causaram muito dano ao país. Já vem sendo assim com a
tabela do frete, que o STF insiste, por omissão, em manter viva apesar
de afrontar explicitamente os textos constitucionais que tratam do livre
mercado como fundamento da ordem econômica nacional. Há, ainda,
caminhoneiros insatisfeitos com o marco legal da navegação de cabotagem,
conhecido como “BR do Mar”. Plínio Dias também afirmou que, no caso do
combustível, não bastaria uma redução pontual do diesel, pois o objetivo
do movimento é derrubar a política da Petrobras, que se baseia na
paridade com os preços internacionais. Essa política, é preciso lembrar,
foi adotada para recuperar a empresa após a tragédia lulopetista,
quando os preços dos combustíveis tinham sido artificialmente
represados, causando prejuízos bilionários à Petrobras – além daqueles
provocados pela corrupção desenfreada e por decisões de negócio
desastrosas. A intervenção de Michel Temer em 2018 foi tão desastrada
que levou o então presidente da Petrobras, Pedro Parente, a pedir
demissão.
Em
2018, o então deputado federal e pré-candidato à Presidência Jair
Bolsonaro apoiou o movimento, e teve como retribuição o apoio dos
caminhoneiros; agora, tendo passado de pedra a vidraça, o presidente
está na incômoda situação de ter de negociar com a categoria. Para
apaziguar os ânimos, zerou os impostos de importação sobre pneus para
veículos de carga e incluiu caminhoneiros como grupo prioritário na
vacinação contra a Covid-19. Mas seu espaço de manobra está acabando.
Bolsonaro retomou a retórica de um ano atrás, quando prometeu zerar os
impostos federais sobre combustíveis se os governadores fizessem o mesmo
com o ICMS – o que não vai ocorrer, até porque tais atos teriam
consequências dentro da Lei de Responsabilidade Fiscal; além disso, o
peso dessa renúncia para os estados seria muito maior que para a União, o
que torna o desafio um tanto desigual.
Ainda
que não haja greve, a insatisfação dos caminhoneiros não diminuirá. E
eles sabem do estrago que podem causar, seja pela enorme dependência
brasileira do modal rodoviário, seja pela cumplicidade dos três poderes –
no caso da tabela do frete, o Executivo assinou a medida provisória, o
Legislativo a transformou em lei e o Judiciário mantém a tabela em vigor
com sua omissão. Só uma reafirmação vigorosa de que no Brasil valem o
livre mercado e as leis pode fazer com que os caminhoneiros renunciem a
métodos antidemocráticos e demandas nada razoáveis.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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