Se fosse uma manifestação da esquerda
e contra o governo, seria o exercício admirável das liberdades públicas
– o comovente espetáculo cívico do povo levantando sua voz em praça
pública. Mas o protesto é de direita. Aí “é golpe”. J. R. Guzzo, via Metrópoles:
De todas as posições cretinas hoje em circulação no mundo político
brasileiro provavelmente nenhuma é capaz de superar o súbito escândalo
despertado pelo “ataque ao Congresso” que milhares de cidadãos estariam
fazendo pelo fato, puro e simples, de ir para as ruas no dia 15 de março e dizer a deputados e senadores: “Nós não estamos gostando de vocês, nem do que vocês fazem”. Que horror, não?
Quem jamais ouviu falar, neste país, que algum cidadão brasileiro
possa ter tido a pouca vergonha de criticar os nossos parlamentares? É
uma afronta criminosa às instituições. É uma agressão ao “estado de
direito”. É uma declaração de guerra à “democracia”.
Dá vontade de cair numa gargalhada – mas é isso, acredite se quiser,
que estão dizendo políticos que vão da extrema esquerda ao extremo
centro, a classe intelectual-cultural, os formadores de opinião e o
resto deste angu que você sabe qual é. Em sua maneira de ver a vida
pública de hoje no Brasil, todos repetem-se uns aos outros para vender a
ideia de que uma manifestação pública, garantida pelo artigo 5 da Constituição Federal
como “cláusula pétrea” e como o suprassumo do sagrado direito de livre
expressão, é um ato puramente do mal – quando é praticado, é claro, pela
direita e tem o apoio do governo.
Se fosse uma manifestação da esquerda e contra o governo, seria o
exercício admirável das liberdades públicas – o comovente espetáculo
cívico do povo levantando sua voz em praça pública. Mas o protesto é de
direita. Aí “é golpe”.
O pior de tudo, nesta comédia de circo mambembe, é que a indignação se dirige à “defesa do Congresso” – sim, nada menos que o Congresso Nacional,
justo ele, um dos entes públicos mais desprezados, odiados e
desrespeitados pela população brasileira. É difícil achar uma causa pior
que essa. Nem tão desconexa: desde quando xingar deputado, senador e
político é algo que alguém possa reprovar? Desde quando, aliás, não se
pode falar mal do Congresso? Onde está escrito que não pode? Qual o
preceito moral que estaria sendo ofendido?
As manifestações do dia 15, salvo para os grupos extremistas de
sempre, presentes até nas mais belas democracias do mundo, não são
contra o fato de que existe um Congresso no Brasil. São contra os
congressistas – e, mais precisamente, contra o que eles fazem dentro do
Congresso.
O parlamento brasileiro não é peça de uma monarquia. Não desfruta de
direitos divinos, nem está acima do julgamento diário, público e livre
dos cidadãos. Não é um “conceito”, ou uma teoria. É um dos três poderes
da República, e pode ser tão criticado quando os outros dois. Por acaso
não se ataca todos os dias o Executivo? E alguém acha que a democracia
fica ameaçada por causa disso?
Os que se horrorizam com o dia 15 de março se esquecem que deputados e
senadores são servidores do público – e não o contrário. Estão lá, sim,
para ouvir o que o público tem a dizer para eles. Ocupam seus cargos
porque foram colocados ali pelos eleitores; não têm nenhum direito,
agora, de proibir em nome da “defesa das instituições” a palavra de quem
os elegeu.
O governo Bolsonaro
apoia as manifestações? Sim, apoia – e daí? É ilegal, por acaso? Se os
brasileiros que forem à rua apoiam o governo, e estão irritados por
achar, com ou sem razão, que o Congresso está sabotando o trabalho do
presidente e impedindo mudanças pelas quais votaram – muito bem, qual o
problema com isso? O ataque à democracia, na verdade, vem justamente dos
que se apresentam como seus defensores e querem impedir uma
manifestação popular.
Querem, até mesmo, o impeachment de Bolsonaro porque ele e grupos que
o apoiam dão força aos protestos. Estão gastando dinheiro do erário
para fazer isso? Não – nem um tostão. Então chega. Deixem vir o dia 15
de março. As ruas podem encher e podem não encher. É isso o que conta.
* Este texto representa as opiniões e ideias do autor.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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