Os gilmares, toffolis, lewandowskis e derivados estão confundindo a toga com a capa do Superman. Coluna de Augusto Nunes:
Meia dúzia de bacharéis em Direito que viraram ministros do Supremo
Tribunal Federal depois de escolhidos pelo presidente da República (e
aprovados pelo Senado ao fim de uma sabatina com cara de chá de
senhoras) imaginam que, embora os três Poderes sejam independentes, o
Judiciário é mais independente que os outros. Na cabeça desses doutores
em tudo especializados em nada, o Executivo e o Legislativo dependem do
que dá na telha do único poder que não depende de nenhum e não obedece a
ninguém.
Intercalando interpretações amalucadas de normas constitucionais,
frases em Latim e citações impenetráveis de autores que leram na
diagonal, os pedantes de toga fazem o diabo. A semana de trabalho tem
três dias, o ano é obscenamente encurtado por recessos e feriadões, são
cada vez mais frequentes as viagens internacionais (na primeira classe,
ao lado da patroa e por conta dos pagadores de impostos), mas a turma
encontra tempo para decidir o que é certo e o que é errado qualquer que
seja o tema, principalmente se o desconhecem.
Os superjuízes liderados por Gilmar Mendes nunca negam fogo. Como
lidar com homofobia, demarcação de terras indígenas, feminicídio? Eles
sabem o que pode e o que não pode. Operações da Polícia Federal,
atribuições do Ministério Público, desempenho de magistrados e policiais
federais, pronunciamentos do chefe do Executivo, prisão em segunda
instância — perguntas sobre esses ou quaisquer outros assuntos
encontrarão a resposta na ponta da língua do time que finge tudo saber o
tempo todo.
Não faz tanto tempo assim que os ministros do Supremo eram escolhidos
entre os melhores e mais brilhantes do mundo jurídico brasileiro.
Também assolado pela Era da Mediocridade, anunciada pelo resultado das
eleições de 2002, o STF foi ficando parecido com os vizinhos de praça. O
estrago foi agravado pela consolidação do único critério que orientou o
preenchimento de vagas na corte durante os governos de Lula e Dilma
Rousseff: o escolhido deveria mostrar em seus votos que seria
eternamente grato a quem o havia escolhido.
A virtual revogação das duas exigências impostas pela Constituição —
um juiz do Supremo deve ter notável saber jurídico e reputação ilibada —
escancarou a porta de entrada a figuras que falam demais, em linguagem
muito estranha, e falam tanto que não sobra tempo para pensar. No
momento, os semideuses de botequim se concentram numa irracional
ofensiva destinada a emparedar os procuradores da força-tarefa da Lava
Jato, começando por Deltan Dallagnol, acuar o ministro Sergio Moro,
livrar da insônia os bandidos de estimação e, supremo sonho do bando,
tirar Lula da cadeia.
Por ignorar que a paciência da plateia acabou no momento em que
aprendeu com a Lava Jato que todos são iguais perante a lei, a tropa de
choque parece seguir acreditando que ninguém pode com o Supremo — que
pode tudo, até inocentar culpados e culpar inocentes sem que nada
aconteça. Dias Toffoli, por exemplo, abriu um inquérito que tudo permite
e transformou Alexandre de Morais no primeiro relator-detetive da
história. Gilmar Mendes qualificou de “organização criminosa” o comando
da Lava Jato e concedeu um habeas corpus perpétuo ao receptador de
mensagens roubadas Glenn Greenwald. Para essa gente, não há limites para
o absurdo.
“Japona não é toga”, lembrou em outubro de 1964 o então presidente do
Senado, Auro Moura Andrade, a chefes militares decididos a atropelar a
Constituição. Com quatro palavras, Auro ensinou que não cabia às Forças
Armadas usurpar funções privativas do STF. Um general no papel de juiz é
tão absurdo quanto um magistrado no comando de uma divisão de
infantaria. Pois chegou a hora de inverter a ordem dos substantivos
para adaptar a frase aos tempos modernos e obstruir o avanço dos
oniscientes de araque.
Antes que ousem proclamar a Ditadura do Latinório, os doutores em
nada precisam aprender que toga não é japona. A lição será assimilada em
poucos segundos se for berrada em manifestações que a imensidão de
descontentes está devendo a si mesma. Além de uma japona, os gilmares,
toffolis, lewandowskis e similares andam enxergando na toga a capa do
Superman. Como para tantos outros, a cura para esses supremos delírios
também está na voz das ruas.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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