Assim seria, se Haddad tivesse vencido. |
O fato é que o governo do Brasil estaria dando apoio pleno a Maduro se o
resultado do segundo turno da eleição tivesse sido o contrário do que
foi. Coluna do mestre J. R. Guzzo - uma das raras mentes lúcidas que restaram na Veja na era Petry -, surrupiada aqui:
Há certas horas, no Brasil de hoje, em que é realmente um alívio
lembrar que o presidente da República não é Fernando Haddad. Agora,
justamente, é uma hora dessas. O ditador da Venezuela, Nicolás Maduro,
está em guerra contra a maioria da população do próprio país; sua última
ideia foi fechar as fronteiras com o Brasil e a Colômbia para não
deixar que entrem na Venezuela alimentos, remédios e outros artigos de
primeiríssima necessidade. É um novo patamar, ao que parece, em matéria
de brutalidade. Da mesma maneira que um exército trata de cortar todos
os possíveis suprimentos da força inimiga, os militares, as “milícias”
armadas e os outros gângsteres que mandam hoje naquele país acham que,
quanto mais fome, doença e calamidades os venezuelanos sofrerem, mais
fraca vai ficar a oposição. Pode ser. Pode não ser. O fato é que um
pacote de arroz ou uma bolsinha de soro fisiológico viraram alvo
estratégico a ser destruído. Outro fato é que o governo do Brasil
estaria dando apoio pleno a Maduro se o resultado do segundo turno da
eleição tivesse sido o contrário do que foi.
Muito se ouviu falar da situação perigosíssima que teria sido criada
pelo governo do presidente Jair Bolsonaro ao declarar-se, antes mesmo de
tomar posse, absolutamente contra a ditadura venezuelana. De lá para
cá, pelo menos cinquenta outros países com credenciais democráticas
acima de qualquer discussão tomaram a mesma decisão — Maduro, neste lado
do campo, nem sequer é mais reconhecido como o presidente legal da
Venezuela. Fica difícil entender, então, por que o Brasil estaria numa
posição mais segura se tivesse ficado dentro do bando de regimes fora da
lei, do ponto de vista democrático, que apoia a tirania — lugares como
Cuba, Rússia, China e outros da mesma natureza. A verdade, para não
“problematizar” uma situação em que não há problema nenhum a ser
esclarecido, é que a esquerda brasileira, em geral, e o PT, em
particular, não quiseram até agora reconhecer o fato de que a Venezuela,
há muitos anos, se transformou numa tirania imposta pela força bruta de
um condomínio de malfeitores. (O ex-presidente Lula chegou a dizer que o
verdadeiro problema da Venezuela era ter “democracia demais”.) Por
preguiça mental, covardia e simples cobiça, preferiram abraçar a
mentira, sempre muito bem remunerada pelas Odebrecht da vida, de que o
“bolivarianismo” era um movimento “de resistência à direita”. Daí não
conseguiram sair nunca mais.
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Uma das chateações dos cidadãos que não gostam do governo Bolsonaro,
muitos dos quais sonham que ele não complete os quatro anos previstos na
lei, é a curta duração que os seus problemas têm tido até agora. É uma
decepção. Os bolsonarianos, segundo garante o noticiário cotidiano,
vivem gerando crises descritas como mortais dentro do governo; mas as
crises, infelizmente para quem torce contra, estão acabando rápido
demais. Já se perdeu a conta de quantos terremotos ameaçaram liquidar o
governo nesta sua existência de meros dois meses, ou nem isso; a
esperança é que o próximo cataclismo, enfim, consiga pegar. Um dos
melhores momentos nessa sucessão de problemas que queimam a largada teve
como herói o filho do meio do presidente. Como Oliver Cromwell pouco
depois da guerra civil na Inglaterra do século XVII, o rapaz parece ter
declarado a si próprio uma espécie de Lord Protector do reino; mas o seu
papel de protetor do pai e da República, que estaria afundando o
governo em desordem fatal, não durou nem quarenta dias úteis.
Aparentemente, ele está de volta às suas atividades normais como
vereador do Rio de Janeiro. Se a escrita seguida pelo governo até agora
for mantida, é por lá que deverá ficar.
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Num artigo publicado dias atrás sobre a epidemia de abusos sexuais
praticados pelo clero da Igreja Católica, o jornalista Clóvis Rossi
escreveu que sua neta Alice, de 10 anos, só vai à missa acompanhada
pelos pais. É uma dessas frases que, pensando um pouco, definem com
espetacular eficácia uma situação e uma época — muito melhor do que
qualquer relatório de 10.000 páginas elaborado por alguma comissão
investigativa cinco-estrelas, ou mais que isso. Pelo contexto do
artigo, um comentário equilibrado, sereno e inteligente sobre a questão,
parece claro que o jornalista apenas relatou um fato, sem a menor
intenção de montar uma sentença destinada a virar letreiro. Mas aí é que
está: um padre católico, que tanto servia como símbolo de proteção, é
hoje alguém com quem não se aconselha deixar uma criança de 10 anos
sozinha. Pior que isso não fica.
Publicado em VEJA de 6 de março de 2019, edição nº 2624
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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