Em esclarecedora entrevista à revista Veja
(páginas amarelas) da próxima semana, o secretário de Desestatização se
diz decepcionado com recuos do governo e revela que as resistências
contra as privatizações partem dos próprios ministros, a começar pelo
ministro astronauta:
O empresário Salim Mattar se orgulha de ter transformado uma empresa
com seis Fuscas na maior locadora de automóveis da América Latina. Com
um patrimônio superior a 1 bilhão de reais, ele foi escalado pelo
presidente Jair Bolsonaro para conduzir o segundo pilar da política
econômica do governo: o programa de desestatização. Em três meses de
Brasília, o secretário conta que, na largada, já percebeu o tamanho da
dificuldade que terá de enfrentar. Além dos poderosos interesses
corporativos, Mattar enfrenta obstáculos no próprio governo. Para evitar
intrigas, não aponta os setores dos quais vem a resistência à
implementação do programa. Cita apenas um: o Ministério da Ciência e
Tecnologia, comandado por Marcos Pontes, cujo secretário executivo já
disse, segundo Mattar, que sua pasta não vai privatizar nenhuma de suas
estatais. O secretário acredita que as rusgas internas são fruto da
falta de informação, apenas isso. A orientação que continua valendo é a
que recebeu do presidente: passar para a iniciativa privada o controle
de mais de 100 estatais. “Ando com os discursos e com os tuítes do
presidente dentro da minha pasta”, diz. A seguir, sua entrevista.
Por que o governo Bolsonaro anunciou um amplo processo de privatização mas não aconteceu nada até agora?
Estou aqui há cerca de três meses. Ainda me encontro na fase de
aquecimento, de entender o governo. Temos 134 empresas estatais, dos
mais diversos setores. Existem casos como o de uma estatal que deveria
produzir um chip para monitorar os rebanhos. O tal chip, que é instalado
na orelha do boi, nem é produzido no Brasil. Hoje, há dezoito estatais
que dão 15 bilhões de reais de prejuízo anual. Imagina esse dinheiro
abrindo creche, ampliando salas do SUS, dando computador às crianças da
periferia? Estamos aquecendo os motores.
O ministro Paulo Guedes já disse que, se dependesse dele, todas elas seriam privatizadas. Comecei
a estudar todas as empresas do governo. Algumas podem ser fechadas,
outras vendidas ou fundidas. Mas há uma dúzia de empresas que vão
continuar existindo, além das três estatais mais valiosas que temos —
Petrobras, Banco do Brasil e Caixa. Elas serão adaptadas aos novos
tempos. Vão ser um pouco mais enxutas, mais profissionais e mais
produtivas. Passarão por um processo de melhoria. As outras, sim,
deveremos vender.
Então a privatização será menos ampla do que o anunciado? Se a
decisão fosse minha, eu privatizaria tudo. Não faz sentido o governo
ter bancos. Mas a orientação que recebi é manter a Caixa, o Banco do
Brasil e a Petrobras. Talvez eu esteja um pouquinho mais à direita do
ministro Paulo Guedes, porque sou quase um libertário. Mesmo sem essas
joias da coroa, será possível arrecadar quase 1 trilhão de reais com as
privatizações.
Como se chega a esse montante? Vamos vender a participação do
BNDES em empresas privadas. Não há razão para existir o BNDESPar
(refere-se à empresa de investimentos do BNDES). Vamos vender também a
participação da Caixa, do Banco do Brasil e da Petrobras em empresas
privadas. Vamos reduzir a dívida. Reduzindo a dívida, caem os juros e
sobra mais dinheiro para investir em educação, saúde, segurança e
infraestrutura.
Quais serão as primeiras empresas na lista da privatização? O
Serpro, a Dataprev e a Casa da Moeda (a primeira é uma empresa de
processamento de dados; a segunda é a empresa de tecnologia da
Previdência Social). Vender as duas primeiras imediatamente, no entanto,
não é uma boa decisão. Estamos enxugando essas empresas, melhorando a
administração. Vamos dar um choque de organização. Elas vão valer mais
daqui a um tempo. Eu diria que vamos privatizar mais no terceiro ano que
no segundo e mais no segundo que no primeiro ano de governo.
O governo desistiu definitivamente de privatizar a Eletrobras?
O governo se rendeu por não ter dinheiro. O governo está quebrado. Tem
mais despesa do que receita. A melhor opção estratégica para o país,
neste momento, é capitalizar a Eletrobras, com a iniciativa privada
aportando dinheiro, vendendo parte do controle. Aí o governo, que hoje
tem o controle da empresa, passará a ter 40%. Podemos vendê-la em outra
etapa.
O programa de privatização é um ponto pacífico no governo? Existem
resistências à privatização dentro do governo. No Ministério da
Ciência, Tecnologia, o ministro… Qual o nome do ministro-astronauta?
Marcos Pontes… Sim, Marcos Pontes. Ele tem cinco estatais
(Correios, Correiospar, Telebras, Finep e Ceitec) e não quer privatizar
nenhuma delas. Pode anotar aí: Júlio Semeghini, secretário executivo do
ministro, disse que não vai privatizar nenhuma das estatais do
Ministério da Ciência e Tecnologia.
As resistências se limitam ao Ministério da Ciência e Tecnologia? Nem
todo ministro é privatista. Então, alguns acham que é importante, que é
de interesse público que a empresa continue estatal. Eu diria que ainda
não tentei convencê-los. Há uma coisa que temos de levar em
consideração: o presidente Jair Bolsonaro disse que vai privatizar tudo o
que for possível. Existe uma orientação clara do presidente nesse
sentido.
Mas até o presidente Bolsonaro, ao que parece, já recuou em pelo menos dois casos.
Às vezes, prometemos algumas coisas que depois no mundo real se tornam
um pouco difíceis. Existem dois discursos do presidente dizendo que
fecharia a empresa do trem-bala, a EPL. O presidente também falou que
iria fechar a EBC. O que é a EBC? Era um antro de petistas, com mais de
2 000 funcionários, que foi usado para tentar segurar a Dilma no
processo de impeachment. Agora, o presidente disse que não vamos mais
fechar a EBC. Para mim, como secretário de Desestatização e
Desinvestimento, é uma decepção. Não faz sentido o Estado ter uma rede
de TV.
Existem outros casos semelhantes? Além da EBC e da EPL, tem os
Correios. Setenta por cento da receita dos Correios vem da entrega de
pacotes. O Estado é dono de uma transportadora. Isso é absurdo. A
Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) tem 1 bilhão de reais em
caixa e 826 funcionários. Só para efeito de comparação, a Finep de
Israel, que faz um trabalho parecido, possui sessenta empregados. Há
ainda a Conab e a Valec (estatais das áreas de abastecimento e
ferrovias). Estamos estudando um pacote para fechá-las. O governo também
tem uma empresa que se chama Telebras, que existe para competir com a
Tim, a Oi e a Embratel. Aí vem alguém e argumenta que metade do satélite
da Telebras é de uso militar — então não pode privatizar. O.k.,
continua-se utilizando metade do satélite e a outra metade passa para a
iniciativa privada.
Deve-se entender então que a ampla privatização era apenas uma promessa de campanha?
Não me dou por rendido. Ainda tenho três anos e nove meses para
convencer o presidente a vender essas empresas. Não perdi a guerra.
Estou frustrado porque o presidente afirmou que acabaria com aquelas
duas empresas, EPL e EBC, mas isso não aconteceu. Mas também é meu papel
convencer os ministros. Pode ter certeza: a privatização vai começar
lenta e gradual e depois vai pegar velocidade.
O senhor já se queixou ao presidente Jair Bolsonaro sobre essa situação? Não.
Por quê? Tem uma reforma da Previdência para acontecer. Vamos
evitar contrariar qualquer grupo de interesse até que a reforma da
Previdência possa estar concluída. A reforma é a prioridade número 1.
O senhor falou com o ministro da Economia, Paulo Guedes? Já
comentei com o ministro essas dificuldades em vender as estatais, mas,
repito, vamos tratar do assunto com maior intensidade depois da reforma
da Previdência. Já viu um avião decolando? Ele gasta entre vinte e 25
minutos para chegar a 900 quilômetros por hora. Ainda estamos taxiando.
É mais fácil gerir uma empresa privada ou administrar uma repartição pública?Administrar
uma empresa privada é muito mais fácil. No governo, a tomada de decisão
é lenta, enquanto na iniciativa privada ela é mais rápida. Mesmo as
estatais, que têm um bom quadro de pessoas, não conseguem ser muito
ágeis.
Por quê? Burocracia. Você tem de seguir uma série de
regulações e legislações, todo um arcabouço jurídico. Uma empresa
privada segue a lei das sociedades anônimas e a lei do mercado. São mais
simples. Aqui no governo, além dessas leis em geral, seguimos uma lei
específica que regula como devem funcionar as diretorias e os conselhos
de empresas estatais. É tudo mais demorado e difícil.
Os militares ajudam ou atrapalham as privatizações? Ainda não
estive com os militares para formar uma opinião. Mas vai chegar a hora
em que terei de procurá-los e dizer: “Por gentileza, eu já privatizei as
minhas empresas. Agora venham cá privatizar as suas”.
Os militares alegam questões de segurança nacional para manter
algumas empresas na esfera estatal. Ando com os discursos e os tuítes do
presidente na minha pasta. Estão grifados em amarelo. Vou mostrá-los
aos que se pronunciam contra as privatizações neste primeiro momento.
Acho que eles poderão mudar de ideia. Volto a dizer: existe uma
orientação clara do presidente.
Há interferência política na escolha dos diretores e conselheiros das estatais?Zero
de interferência política. Nomeamos as diretorias do BNDES, do Banco do
Brasil e da Caixa. Aqui na minha secretaria não houve nenhum pedido. A
indicação política não é ruim, não. A deputada Bia Kicis indicou o
Rogério Marinho (refere-se ao atual secretário de Previdência e
Trabalho) para o ministro Paulo Guedes. Olhe que indicação espetacular! É
uma pessoa técnica, profissional, conduzindo a reforma mais importante
do governo. A indicação foi política, mas a escolha foi técnica. É assim
que tem de ser.
Como o senhor avalia o governo Bolsonaro nestes três primeiros meses de gestão? É
um momento de aprendizado, de construir relacionamentos políticos. Esse
stress que estamos vendo em relação ao Congresso é passageiro. O
ex-governador Magalhães Pinto (mineiro, 1909-1996) dizia que a política é
igual a nuvem: cada hora que você olha está de um jeito diferente. Hoje
está de um jeito, amanhã de outro. O governo está indo bem.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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