O bahia.ba traz relato de Zé Carlos, professor de História e ex-MR8, preso durante o regime: "choque por todo o corpo"
Luiz Felipe Fernandez
Neste domingo (31), dia em que o Golpe Militar de 1964 completa 55 anos, o bahia.ba traz o relato de Zé Carlos, professor de História dos colégios Anchieta e Oficina. Preso e torturado durante a Ditadura, ele foi ex-integrante do MR-8, grupo armado de resistência aos militares.
José Carlos de Souza, de 69 anos, foi preso aos 21. Entre 1971 e 1973, período comandado pelo general “linha dura” Garrastazu Médici, ele passou por diferentes métodos de tortura. Tapas no rosto e os chamados “telefones”, que trouxe prejuízo à sua audição, e demais humilhações, eram comuns aos presos. Outros, como Zé, sofreram no temido “pau-de-arara”, por choque elétrico em “todas a parte do corpo” e privação de comida: uma estratégia para evitar sujeira e incomodar os torturadores.
“Se você passava o dia todo sem comer, podia ficar esperando que à noite você ia ser torturado […] Era uma preocupação que os torturadores tinham, de não dar comida ao preso para ele não vomitar, não criar um vexame maior pra eles mesmos”, lembra o professor, que em 2018 desmentiu uma notícia de que alunos seus no Colégio Anchieta o ofenderam com gritos de exaltação à Ditadura Militar. O caso veio à tona na época da eleição.
Ex-integrante do Movimento Revolucionário Oito de Outubro (MR8), o qual fazia parte Carlos Lamarca, Iara Iavelberg, Fernando Gabeira entre outros, Zé Carlos diz que os presos políticos na época também sofriam psicologicamente. A iminência da agressão, proferida muitas vezes com a vítima encapuzada, culminava em um outro tipo de sofrimento:
“Você ser espancado encapuzado é algo muito difícil, porquê quando a porrada vier, você não saberá contrair os músculos. A dor termina sendo pulsante, porque ela não vai passa[…] Você acredita que na sequência vai levar outra porrada, daqui a 1 minuto, 5 minutos. Você sempre vai achar que a porrada vai acontecer na sequência, na sequência, na sequência, e isso se torna muito angustiante”.
O autoritarismo e a violência que marcam o período, para o professor, reflete ainda hoje na atuação da Polícia Militar no país, resultado da falta de punição aos responsáveis pelos abusos e crimes cometidos durante o regime, que durou de 1964 a 1985.
“A gente tem uma Polícia Militar extremamente violenta, por que eles sabem que estão inimputáveis. Nunca um militar foi punido, até mesmo quando eles torturaram, isso significa que o policial, em um escalão menor, pode fazer o uso de toda e qualquer violência”, explica Zé, que lembra de que no Chile e na Argentina, ditadores foram presos.
Para Zé Carlos, a falta de “punição” representa um “erro histórico”, que reverbera na política e na opinião pública. No início da semana, Otávio Rêgo Barros, porta-voz do presidente Jair Bolsonaro (PSL), afirmou que foi determinado que neste domingo (31) fossem feitas as “comemorações devidas” nos quartéis brasileiros ao Golpe, algo inédito no país em 20 anos. Posteriormente, Bolsonaro explicou que os militares iriam apenas ler uma ordem do dia, para lembrar a data que é significativa para a história do Brasil.
“Isso é uma posição anacrônica, você negar o tempo, querer fazer com que o tempo volte, é uma negação grotesca […] os erros históricos foram cometidos lá atrás, quando a Ditadura foi derrotada e não se tomou providências no sentido de fazer as punições necessárias para aqueles que efetivamente se tornaram algozes do povo”, dispara o professor.
O Tribunal Federal da 1ª Região (TRF-1), cassou a decisão da Justiça Federal, que havia proibido as comemorações do Golpe de 1964 nos quartéis. A desembargadora Maria do Carmo Cardoso afirmou que, ainda que o tema seja controverso, não enxerga na recomendação do presidente da República nenhuma “violação aos direitos humanos”, nem ao “princípio de legalidade”.
Em Salvador, um movimento homenageia os mortos e desaparecidos políticos durante o regime, na próxima segunda-feira (1º). A Marcha do Silêncio, organizado pelo Grupo Tortura Nunca Mais, tem concentração marcada para às 14h na Praça da Piedade, com caminhada que segue até o Campo da Pólvora, onde fica localizado o Monumento dos Mortos e Desaparecidos Políticos Baianos.
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