Walmir Rosário


Não nego que preferia a vida noturna de antes, quando íamos às festas com a única intenção de ouvir uma boa música, beber cerveja e cuba libre e jogar conversa fora, dentre outras coisas.
As leis foram feitas para serem descumpridas, diz os mais céticos sobre a mania do brasileiro com o famoso jeitinho deixado pelos portugueses como uma célebre herança para nós. E têm uma certa razão (se é que ela existe pela metade), basta atentarmos para a profusão da nossa legislação atual. Ir e vir está lá consagrada na nossa Constituição Cidadã, mas sempre escamoteada.
Me lembro de tempos passados em que qualquer um poderia andar – bater pernas, como se dizia – à vontade, seja em que horário fosse, sem ser incomodado. Mesmos às madrugadas da velha Itabuna, retornando das farras, andando pelas ruas da cidade. Naqueles tempos, incômodos nenhum, ou pouquíssimos, quando encontrávamos algum boêmio como nós e nos pedia: “Tem um cigarrinho aí, turma?”.
Morador do bairro da Conceição, que os moradores do centro e outros bairros chamavam pejorativamente de Abissínia (por causa da guerra com a Itália do Benito Mussolini, 1935/36), andávamos sem qualquer sobressalto. Um ou outro amigo do alheio até que se escondiam nos guarda-corpos da ponte Góes Calmon (a ponte velha), deixávamos passar com tranquilidade, pois sabia que na volta da farra não se carregava dinheiro.
Pois é, naquela época reclamávamos de outras coisas, é certo, mais o direito de ir e vir estava assegurado pela nossa coragem em frequentar os muitos clubes e bares da cidade, sem qualquer restrição. Longe de mim traçar qualquer comparação entre as vantagens e desvantagens da vida em Itabuna em épocas diferentes, mas como o homem é um ser que se adapta bem no seu ambiente, os modos e costumes são de fácil adaptação.
Não nego que preferia a vida noturna de antes, quando íamos às festas com a única intenção de ouvir uma boa música, beber cerveja e cuba libre e jogar conversa fora, dentre outras coisas. E tínhamos todos esses locais disponíveis, que começava com uma preliminar nos bares da moda: Primavera, Santa Rita, ABC da Noite, Avenida, Vagão (posteriormente, Balcão) e por aí afora.
Após o esquenta, era chegada a hora de boates e clubes, a depender da programação. E esses locais eram o que não faltavam, dos mais modestos aos mais luxuosos, como São Caetano, Fátima, Conceição, Mangabinha (chegou a abrigar dois), sem falar no Pontalzinho (alto da colina) ou os vetustos Itabuna e Grapiúna. Cada qual com uma programação diferente e de chamar a atenção.
Festávamos muito, bebíamos muito, vivíamos com intensidade, até no trabalho e nos estudos. Assim era a vida naquela Itabuna em desenvolvimento e cosmopolita por natureza. Na volta pra casa, coçávamos os bolsos para dividir o dinheiro do táxi, mas se a vaquinha não dava, íamos a pé, felizes e contentes pelas ruas da cidade. Volta e meia encontrávamos uma ou outra figura folclórica mexíamos com eles e ouvíamos os impropérios. Nada demais, não precisaríamos ser politicamente corretos.
Também encontrávamos os inimigos (melhor definindo: adversários) de outros bairros, dizíamos e ouvíamos algumas lorotas e, a depender da conveniência, partíamos para a briga. Nada de armas, apenas socos pontapés alguns golpes de defesa pessoal com a recém-chegada capoeira, e pronto. Tanto fazia bater como apanhar, uma nova refrega já ficava marcada para o futuro.
No dia seguinte, nos encontrávamos na escola, no trabalho, na praça Olinto Leone (jardim da prefeitura velha), sem ressentimentos, apreciávamos o incansável desfile das moças, conversávamos amenidades, até certo ponto. Ouvíamos música, os mais recentes lançamentos do Rio e São Paulo, em nossas vitrolas que funcionavam com quatro ou seis pilhas Rayovac ou Eveready.
Contando hoje a quem não viveu em Itabuna daquela época (anos 50, 60 e início dos 70), poderemos ser olhados de soslaio por alguém acostumados com as novas tecnologias e tentar nos ridicularizar com a vida pachorrenta. Mesmo falando do número de cinemas que tínhamos disponíveis, a exemplo do Itabuna, Marabá, Catalunha, Oásis e Plaza, os que não viveram aquela época não conseguem comparar com as facilidades dos canais de TV e a Netflix, Primevideo, etc.
Ainda não víamos televisão por essas bandas, mas dispúnhamos das rádios Clube (hoje Nacional), Difusora e Jornal, que nos informavam as notícias mais recentes do momento e o que tinha de mais novo nas paradas de sucesso. Não satisfeitas, ainda promoviam os programas musicais ao vivo, diretamente das praças, ou nas matinês de domingo no Cine Catalunha.
Mas, para arrematar nossa conversa, nesses 108 anos de Itabuna não descarto épocas, nem mesmo a que vivemos agora, com esse viés de violência, mas ainda prefiro nos meus tempos de infância e juventude. Para encerrar com o mesmo assunto que iniciei, prefiro andar à vontade, despreocupado, sem o compromisso de chegar cedo, pois o meu relógio só marca o horário da saída. A volta é uma questão de gosto e conveniência.
Quem disse que não éramos cosmopolitas?
Homenagem aos 108 anos de Itabuna.
Walmir Rosário é advogado, radialista e jornalista., além de editor do Cia da Notícia.