Um amigo meu, professor da Universidade de Miami, cientista reconhecido, foi parado pelo guarda. Excesso de velocidade.
Tentou se explicar: “Sim, estou apressado, mas o senhor compreenda, estou atrasado para uma aula na universidade...”
Nem terminou a frase.
“Atrasado, professor?
Não tem problema, vou aplicar a multa bem rapidinho”, disse o policial,
enquanto teclava no celular. “Pronto, pode ir, e cuidado, há outros
pontos de fiscalização.”
No Rio, um dos carros
utilizados pelo prefeito Crivella teve 55 multas no ano passado, das
quais 38 por excesso de velocidade, sete por passar no sinal vermelho e
cinco por circular na faixa exclusiva de ônibus.
Ficou por isso mesmo.
As multas foram canceladas porque, tal é a alegação, autoridades têm o
direito de não respeitar as leis de trânsito. Ou, dito pelo avesso,
furar sinal vermelho é legal para o prefeito. Ou ainda: o motorista de
um carro oficial pode, legalmente, colocar em risco a vida de outros
motoristas e pedestres.
E por que o prefeito
teria esse direito? Digo o prefeito porque certamente a culpa não é do
motorista. Algum superior manda: desça o pé porque Sua Excelência está
atrasada. Alguém poderia dizer: o motorista pode recusar uma ordem
ilegal ou cuja execução possa causar danos a ele e a terceiros. Mas não
funciona assim, conforme todos sabemos.
Pode parecer um caso
pequeno, mas basta dar uma olhada no noticiário para se encontrar uma
sequência de histórias com o mesmo enredo: a lei não vale para
autoridades nem para as elites políticas.
Por exemplo: nenhum
funcionário pode ganhar mais que o juiz do Supremo Tribunal Federal.
Logo, vencimentos superiores a esse teto são ilegais, certo?
Errado: assim como
criaram exceções para legalizar o excesso de velocidade, o “sistema”
inventou verbas indenizatórias que tornam legal o excesso de
vencimentos. Caso do auxílio-moradia, pago mesmo a funcionários que têm
casa própria e cujo cônjuge também recebe a mesma vantagem.
Lula foi condenado em
segunda instância, por unanimidade, e tornou-se ficha suja, inelegível,
portanto. O ex-presidente luta de todas as maneiras para escapar da
cadeia e ser candidato — uma prerrogativa do réu. Mas reparem os
argumentos apresentados pela sua defesa e por diversos outros chefes
políticos: sendo Lula um líder popular, pré-candidato e primeirão nas
pesquisas, as condenações não deveriam ser aplicadas. Quer dizer, a lei
não deveria ser aplicada.
Já são três casos: o
prefeito pode furar sinal vermelho, o juiz pode ganhar mais que o teto,
um ficha suja condenado pode ser candidato a presidente. O prefeito é
responsável pelo respeito às leis do trânsito; o juiz é responsável pela
aplicação da lei em geral, inclusive da que trata de remunerações do
funcionalismo; e o presidente é responsável pela ordem legal
republicana.
Todos legalizando o ilegal. E desmoralizando a política.
Tem mais.
Em defesa da deputada
Cristiane Brasil, governistas e aliados dizem que não há qualquer
problema em ter um ministro do Trabalho envolvido com ... questões
trabalhistas. Mais ou menos como se o chefe da Receita Federal estivesse
enrolado com a Receita.
Há centenas de
parlamentares processados por crimes comuns, muitos já réus em mais de
uma ação, e que continuam legislando, não raro em causa própria. A lei
penal não vale para eles.
A Caixa Econômica
Federal está em óbvia situação difícil, consequência de uma combinação
de má gestão e corrupção. Três vice-presidentes acabam de ser afastados e
não se pode esquecer que Geddel Vieira Lima, hoje preso, foi justamente
vice-presidente da Caixa.
Por isso, sem
dinheiro, a Caixa está restringindo a concessão de empréstimos,
inclusive para governos estaduais. Bronca geral dos parlamentares da
base. Ameaçam não votar a reforma da Previdência ou qualquer outra
coisa. Ocorre que se a Caixa fizer tais empréstimos aos estados, sem
aval da União, estará cometendo uma ilegalidade. E se o Ministério da
Fazenda der o aval, seria outra ilegalidade.
Pois o pessoal não vê
aí qualquer obstáculo. É só aprovar alguma regra legalizando essa
ilegalidade, um assalto à Caixa — e assim se vai, quebrando uma estatal
atrás da outra.
Eis porque a
Lava-Jato causa alvoroço. A operação está dizendo que roubar é crime e
que os ladrões vão para a cadeia. Dizendo só, não, está aplicando a
regra segundo a qual a lei vale para todos. Simples, assim. É um
assombro.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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