Vivemos em uma
sociedade em que a violência gratuita é marca registrada de videogames,
filmes e música popular. Matar e atirar, com requintes sórdidos, se
tornou o prato do dia a dia do que há de mais baixa qualidade em
audiovisuais e discursos.
Fomos do retrato
realista de mortes violentas nos filmes do diretor Sam Peckinpah para o
ritual sangrento de metal cortando a carne, como se fosse um tipo de
balé macabro. O rap institucionalizou a violência contra as mulheres e a
polícia – obtendo bilhões de lucro, em grande parte como meio de
crianças suburbanas encontrarem uma autenticidade vicária das ruas. E
essa ideia de cortar, sangrar ou atirar metaforicamente em quem você não
gosta sem consequências reais entrou no diálogo político internacional.
Por exemplo, por que a
cultura popular acena e concorda com a difusão do assassinato
metafórico de presidentes do Partido Republicano? A esquerda costumava
acreditar que as palavras tinham poder e as imagens tinham
consequências; a glorificação casual da carnificina trivializou a
violência e apenas tornou-a mais aceitável – e mais provável.
Em 2017, o ódio
obsessivo a Trump levou, por exemplo, a muitas obscenidades: Madonna nos
contou que ela sonhou em explodir a Casa Branca, a comediante Kathy
Griffin posou com um fac-símile ensanguentado da cabeça de Trump, Snoop
Dogg atirou em um sósia de Trump em um vídeo, uma companhia
shakespeareana esfaqueou ritualisticamente Trump-César no palco todas as
noites, Johnny Depp fez a piada: “Quando foi a última vez que em um
ator assassinou um presidente? (...) Já faz algum tempo, e talvez esteja
na hora”.
Mas essa moda de
matar não é algo novo – e nem é resultado dos tweets muitas vezes
descuidados ou explosões indisciplinadas de Trump.
Em 2012, um modelo da
cabeça do ex-presidente George W. Bush apareceu em uma estaca na série
da HBO, Game of Thrones – “por acidente”, é claro. Mas naquela época, a
moda de matar Bush já era um gênero exaustivo. No calor das eleições de
2004, Alfred. A. Knopf havia publicado o romance de Nicholson Baker,
“Checkpoint”. Era pouco mais que um diálogo entediante entre personagens
sonhando em como assassinar o presidente Bush.
(Agora foi
“atualizado” por To Kill a President, do escritor britânico Jonathan
Freeland, um suspense sobre o assassinato de um presidente parecido com
Trump.)
Em outubro de 2004,
muito tempo antes do discurso de Johnny Depp sobre John Wilkes Booth, o
colunista convidado do Guardian, Charles Booker, lamentou que não havia
um assassino presidencial para matar Bush: “John Wilkes Booth, Lee
Harvey Oswald, John Hinckley Jr. – onde vocês estão agora que precisamos
de vocês?”.
A lista de expressões
públicas de “assassinar Bush” poderia ser expandida – elas apareceram
em uma variedade de gêneros, como o “docudrama” de 2006 de Gabriel
Range, “A Morte de George W. Bush”, que retratava o assassinato
bem-sucedido em 2007 de George W. Bush (que teve a cena de um funeral
presidencial incluída na trama).
Era Obama
Entre a moda de matar
Bush e a moda de matar Trump, um hiato mais calmo durante os oito anos
de mandato de Barack Obama. É verdade que seus críticos muitas vezes
foram rudes, questionando sua certidão de nascimento e cavando histórias
de sua juventude supostamente dissoluta. Mas nunca houve, graças a
Deus, uma moda de assassinato entre celebridades e na cultura popular
associada a Obama, apesar das reações fortes que ele geralmente
provocava. Se tivesse existido alguma coisa como “Checkpoint” ou “Morte
de George W. Bush”, entre 2009 e 2017, o artista transgressor em questão
teria sido arruinado, talvez levado aos tribunais e preso como o
cineasta bengasiano Nakoula Basseley Nakoula, ou transformado em bode
expiatório ou pelo menos vigiado como os jornalistas Sharyl Attkinson e
James Rosen.
O que ocorreu foi bem
diferente: o ganhador do Nobel, Obama, ganhou hagiografia, com
jornalistas hiperbolicamente comparando-o a Deus ou entusiasmados de que
ele era capaz de deixar as pernas bambas com seus discursos. Essa
devoção foi constantemente encorajada pelo próprio Obama, que havia
anunciado sua intenção de resfriar o planeta e diminuir o nível do mar
(considerando os invernos gélidos recentes no interior da América e os
canais quase secos de Veneza, ele talvez tenha conseguido um sucesso
parcial).
Na verdade, Obama foi
rodeado de uma onda forte, comparada com aquela que queria matar os
republicanos, mas com direção totalmente oposta.
Em janeiro de 2016,
Obama recebeu o rapper Kendrick Lamar na Casa Branca. (O hit “How Much a
Dollar Cost”, de Lamar, teria sido a música favorita de Obama em 2015).
Outra música de Lamar, “BLOOD” (com a letra “and we hate the popo” – “e
nós odiamos a polícia”, em tradução livre) atacou a polícia em uma
época em que a os tiroteios policiais estavam nos noticiários. A capa do
álbum lançado por Lamar na época, “To Pimp a Butterfly”, representava
uma dúzia de jovens afro-americanos no gramado em frente à Casa Branca,
comemorando com champanhe e notas de cem dólares o cadáver de um juiz
branco aos seus pés, que lembrava Ronald Reagan.
Inverta os papeis e
imagine um convite à Casa Branca de um cantor de country que houvesse
produzido uma capa com homens brancos sobre um negro e seria esperado da
opinião pública nada menos que um clamor por impeachment. Suponho que a
arte de capa de Kendrick tentava insinuar que a revolução teve sucesso –
os velhos guardas brancos não apenas haviam desaparecido, mas,
felizmente, estavam mortos e havia chegado a hora de trazer o dinheiro e
as bebidas para comemorar o novo guarda na Casa Branca.
Ignorar a arte
racista de Lamar e as letras antipolícia é como tirar uma foto em 2005
com Louis Farrakhan (“Os judeus falam ‘nunca mais’. (...) Você não pode
falar ‘nunca mais’ para Deus porque quando ele te coloca no forno, você
realmente está no forno! (...) ‘Nunca mais’ não significa uma coisa
maldita quando Deus prepara isso para você!”). Abraçar Lamar deu
confiança popular para Obama, mas com negação plausível: afinal, uma
figura pública não pode ser responsável por todas as expressões
emocionais de um artista ou ativista social.
Mais recentemente,
Obama revelou seu retrato presidencial feito pelo artista da moda atual
Kehinde Wiley. Wiley é um artista conceitual de política de identidade
que enfatiza a própria identidade negra e gay como essencial para seu
trabalho. Ele já havia atraído controvérsia em duas ocasiões por
recalibrar pinturas famosas do passado – retrabalhando as cenas de
violência com uma estética inter-racial. Nessas duas pinturas, uma
mulher negra com uma espada na mão está segurando a cabeça decepada de
uma mulher branca que ela acabou de decapitar. Ou como Kehinde Wiley
descreveu seus decepamentos de brancos por negros para a revista New
York, “é meio que uma brincadeira com aquele negócio de ‘mate o
branquinho’”.
Justificando o ódio
O que explica as
regras de um gênero nojento de moda de assassinato, decapitação ou
morte? Presidentes de direita são alvos, enquanto Obama flerta com
aqueles que desenvolvem artisticamente fantasias de assassinados
inter-raciais. E as regras nas últimas décadas parecem muito claras:
1) Por sua
natureza supostamente imoral, a direita mereceu tais invenções de
fantasias obscenas (Trump com ferimentos de faca mortais e a cabeça de
Bush em uma estaca são quase naturais).
Em contraste, os
líderes de esquerda são pessoas morais. Até mesmo fantasiar que os seus
líderes possam sofrer o mesmo destino é repugnante. Os meios são
diferentes porque os fins também são: igualdade e justiça social versus
privilégio branco e exploração. De modo simplificado: para alcançar
agendas progressistas, é possível explorar todos os caminhos violentos
da imaginação.
2)
Considerando a longa história de opressão racial nos Estados Unidos, não
pode haver limites para a contextualização “e se os papeis se
invertessem?” (por exemplo, um artista pop sem talento, com um histórico
de substituir negros por vítimas brancas em pinturas famosas de
decapitação, explicando que as inversões eram uma espécie de brincadeira
com “aquele negócio de matar negros”). Imaginar ou retratar
decapitações de brancos ou o assassinato de um presidente do Partido
Republicano é um grito angustiado e garantido do oprimido, enquanto
reverter os papeis raciais seria uma prova de que o racismo permanece. O
mundo da arte por natureza se posiciona como uma antítese às estruturas
de poder; imaginar que ele ativaria forças de justiça social no sistema
não é apenas irrealista, mas também absurdo.
3) Assassinar
metaforicamente um Bush ou Trump não tem ramificações na vida real.
Abaixar o nível do que é culturalmente aceitável não tem nada a ver com a
violência, como a de um eleitor de Bernie Sanders atirando no deputado
Steven Scalise e em colegas congressistas do Partido Republicano. Mas no
caso de alvos progressistas, diminuir o nível pode ter consequências
reais, considerando a propensão inata da direita ao ódio e à violência.
Traduzindo, isso
significa que o sóbrio e doce Obama pode incentivar seu lado de
exploração cultural – e em seu tom usualmente judicioso – enquanto não
se preocupa com a moda de matar de Kendrick Lamar ou Kehinde Wiley, que
ele apadrinha. Tudo isso é uma expressão ousada e bem-vinda de
autenticidade e versatilidade presidencial.
E talvez do mesmo
modo distorcido, também é assim a arte de assassinar ritualisticamente
Bush ou Trump em filmes, arte e literatura, por meio de facas, balas e
bombas: criticando artisticamente – e tudo por uma causa nobre.
*
Colaborador da NRO, Victor Davis Hanson é associado sênior na Hoover
institution e autor, mais recentemente, de “The Second World Wars: How
The First Global Conflict Was Fought and Won” (“As Segundas Guerras
Mundiais: Como o primeiro conflito global foi lutado e vencido”, em
tradução livre).
©2018 National Review. Publicado com permissão. Original em inglês.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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