Excelente texto de J. R.
Guzzo sobre a arenga das "diretas já" como faxina geral. Que faxina, se
tudo voltaria ao corrupto tiranete Lula?. Chega de remendar a
Constituição para livrar a cara de vagabundos oportunistas. Lembra
Guzzo: "os
Estados Unidos têm a mesma Constituição desde 1789, e ao longo desses
228 anos só fizeram 27 emendas para mexer em alguma coisa do texto".
Comparem: no Brasil a Constituição ainda não chegou aos 30 anos, mas já
teve 96 emendas. Deve ser por isso - tem razão o articulista - que os
EUA são uma droga de país e o Brasil é essa maravilha que aí está:
É provável que não
exista no mundo nenhum outro país, como o Brasil, em que os grandes
colossos do pensamento político, ou gente que ganha avida
apresentando-se como tal, têm tanta paixão por recomendar o desrespeito à
Constituição, em nome de altos interesses nacionais, todas as vezes que
aparece um problema mais enjoado pela frente. Complicou? Então mude-se a
lei, porque é a lei que está atrapalhando. Mudar a regra deveria ser o
último recurso; aqui é sempre um dos primeiros. É um dos motivos,
possivelmente, pelos quais tanto os donos da nossa vida pública quanto a
própria Constituição valem a miséria que se sabe. O país está vivendo,
justo agora, um dos grandes momentos dessa busca permanente do atalho e
do facilitário trapaceiro para anular realidades. Corruptores confessos,
entre os maiores já registrados na história mundial da compra de
políticos com dinheiro vivo, ganham um inexplicável perdão perpétuo para
seus crimes por decisão do procurador-geral da República e de um
ministro do Supremo Tribunal Federal; em troca, acusam o presidente da
República de chefiar uma quadrilha de bandidos. Solução proposta pela
sabedoria nacional, após dez minutos de desconforto: mudar a
Constituição para fazer eleições “diretas já” e, em seguida, entregar a
um outro o lugar do presidente atual.
Os Estados Unidos têm
a mesma Constituição desde 1789, e ao longo desses 228 anos só fizeram
27 emendas para mexer em alguma coisa do texto. Nesse meio-tempo,
passaram por uma guerra civil que deixou 600 000 mortos, ou mais, duas
guerras mundiais, guerras na Coreia, no Vietnã e em meia dúzia de outros
cantos do planeta, jogaram uma bomba atômica, enfrentaram a recessão
econômica mais comentada da história, venceram um problema racial tido
como insolúvel, e por aí afora. No Brasil, a Constituição ainda não
completou trinta anos e já teve 96 emendas ─ deve estar nisso, talvez,
um dos segredos que explicam por que os Estados Unidos são uma droga de
país e o Brasil é essa coisa admirável que está aí. Aqui, por safadeza
ou com as melhores intenções, por incapacidade de praticar a democracia
ou pela arrogância dos que elevam suas opiniões à condição de ciência,
os marechais de campo do jogo político têm um serviço de delivery,
aberto 24 horas por dia, para o pronto fornecimento de reformas
constitucionais sempre que não têm ideias verdadeiras, nem coragem, para
enfrentar dificuldades ─ disque já, entregamos a solução em no máximo
quarenta minutos. Virou um vício. E, como todo vício, não precisa de
motivo para aparecer ─ precisa apenas de uma oportunidade. A desgraça de
Michel Temer, chefe de um governo morto e herdeiro de uma fraude
eleitoral sem precedentes, é a oportunidade do momento.
Um bom bode
expiatório, como se sabe, muitas vezes vale tanto quanto uma solução ─
um bode com menos de 10% de popularidade nas pesquisas, então, é uma
saída quase ideal. É o que acontece com Temer. O problema essencial, no
caso, é que ele é o único presidente legal que o Brasil tem hoje; para
tirar o homem de lá, só depois das eleições presidenciais de 2018 ou
através de um processo de impeachment como o que despejou do Palácio do
Planalto sua antecessora, Dilma Rousseff. Propõe-se então, para eliminar
o incômodo de tudo isso, que Temer renuncie ao mandato num “gesto de
grandeza”. Claro: não há nada mais fácil do que exigir grandeza dos
outros. A partir daí é simples. Monta-se uma gambiarra qualquer para
mudar a Constituição e permitir, assim, a invenção de “eleições diretas,
já”, algo que não existe em lugar nenhum da lei. A coisa é apresentada
também com palavras diferentes ─ “eleições gerais”, “antecipação das
eleições”, “entrega das decisões ao voto popular” etc. Mas dá tudo na
mesma.
O que interessa, no
mundo das realidades, é cair fora de uma situação que não está
prometendo nada de bom a nenhum dos grupos que se alimentam, de um jeito
ou de outro, da máquina pública e do Tesouro Nacional ─ incluindo os
que estão hoje grudados no osso. Uns vêm com palavrório de “ciência
política”. Dizem que o governo Temer é legal, mas “não é legítimo”, que a
validade da Constituição “não está sendo aceita” e que “a soberania
popular precisa legitimar a ordem”; se não for assim, “as ruas” vão
exigir “a ruptura das regras” que estão valendo. “Regras”? Sim, regras.
Ficaria desagradável falar em ruptura das leis. Não está claro, em nada
disso, quem tem o direito de decidir se o governo é legítimo ou não ou
quanta gente, precisamente, não aceita mais a validade da Constituição.
Também não há informações sobre os exatos desejos da “soberania popular”
no momento, nem se ela está realmente interessada em “legitimar” alguma
coisa. Ninguém tem dados, enfim, para afirmar se “as ruas” vão fazer
isso ou aquilo, nem quando, nem como. Os demais interessados em
“eleições já”, por seu lado, não perdem tempo discutindo essas
filosofias todas. Querem, simplesmente, escapar da cadeia e da Justiça, e
acreditam que a maneira mais conveniente para fazer isso, ou a única
disponível, é ganhar as eleições presidenciais ─ não em 2018, como manda
a lei, mas já, quando a Lava Jato está roncando ─ e comprar a imunidade
para os crimes de que são acusados. Além do mais, na esperança das
centenas ou dos milhares de ladrões que controlam apolítica brasileira,
uma virada de mesa desse tamanho teria a imensa vantagem de “zerar tudo”
─ os processos de corrupção que correm na Justiça iriam travar, e todo
mundo, de todos os partidos, sairia feliz. A “soberania popular”, para
essas coisas, é uma beleza.
O fato é que não
existe nada de bom nas “eleições antecipadas”. O candidato mais cotado
para a Presidência da República, segundo ele próprio, as pesquisas e a
mídia, é o ex-presidente Lula. Como falar em “arejamento da política”,
“renovação”, “passar o Brasil a limpo” e outras bobagens repetidas
diariamente em favor das “diretas”, se o resultado é voltar tudo a Lula?
O ex-presidente comandou durante oito anos o governo mais corrupto da
história brasileira. É o que está comprovado, na Justiça, pelas
confissões em massa de crimes cometidos durante seus dois mandatos; o
único que não roubou ali, na teoria oficial do PT, foi ele. É
incompreensível falar em “faxina geral”, da mesma forma, quando se
consideram os outros possíveis candidatos. De todos os nomes citados até
agora, nenhum está livre da gosma tóxica em que vive a política no
Brasil ─ é só um deles chegar à Presidência, qualquer um, em qualquer
tipo de eleição, e vai começar tudo de novo, com as delações,
confissões, gravações. Que limpeza será essa? Ignoram-se, igualmente,
outras realidades essenciais. O novo presidente terá de comprar o apoio
do Congresso. Seja ele quem for, não terá a menor possibilidade real de
resolver nenhuma das calamidades urgentes do Brasil. E como poderá ser
feita uma eleição direta para presidente sem fazer a mesma coisa com os
27 governadores, 81 senadores e 513 deputados federais hoje exercendo
seu mandato? Renunciam todos, em 621 gestos separados de grandeza?
Do começo ao fim, nada fecha nessa comédia.
(Da edição impressa de Veja, via Augusto Nunes).
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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