O país está encalhado e só voltará a flutuar com as eleições de 2018. Artigo de Fernando Gabeira, publicado no jornal O Globo:
Na semana passada
nosso barco encalhou perto da Baía dos Pinheiros, no litoral sul do
Paraná. A maré baixou rápido e ficamos mais ou menos perdidos: só
tínhamos as coordenadas e um rádio. Não havia o que fazer, exceto
esperar a maré subir. Alguém me provocou: nosso barco está encalhado
como o país.
Nessas horas de
espera a gente alonga a conversa. Disse que de uma certa forma só
voltaríamos a flutuar quando viessem as eleições de 2018. Até lá
estaremos encalhados de uma forma diferente do pequeno barco colado na
lama do fundo do mar. Haveria muita turbulência e, como estamos no final
de uma grande investigação, muitas situações repetidas.
A de Temer, por
exemplo, afirmando que não há provas, dizendo-se vítima de uma
perseguição. Quem não ouviu essa fala em outros atores da grande série
político-policial?
Embora às vezes a
gente se sinta perdido na complexidade da crise brasileira, é possível
achar um rumo. Ele passará pela sociedade e pelo Congresso. Vamos entrar
num período eleitoral, e a sociedade costuma ter mais peso nessas
épocas. O Congresso torna-se mais sensível às pressões populares. De
memória, lembro-me apenas de uma grande exceção: a derrota na emenda
Dante de Oliveira.
Enquanto o barco não
sai do lugar, movido pelos ventos da legitimidade, há muito o que fazer
na espera. Num barco, temos de distribuir as bananas, agasalhar a
garganta do sudeste frio que sopra no litoral. Num país é preciso saber o
que se quer enquanto estamos à espera de voltar a navegar. Fora Temer,
ou fica Temer.
A Câmara terá que
decidir isto. Mas não o fará sozinha. Se a pressão social a levar a
aceitar a denúncia contra Temer, é o fim para ele. Só restará, depois de
visitar a União Soviética, passar umas férias no Império
Austro-Húngaro.
Começaria aí uma nova
etapa, a escolha do novo presidente. É preciso algumas precauções
básicas, pois não é possível derrubar presidentes com tanta frequência.
Entregue a si
próprio, o Congresso tende a escolher alguém que o proteja da Lava-Jato.
Mas não existe mais possibilidade de tomar as decisões nas madrugadas.
Uma vigilância social pode conter os passos do escolhido para a
transição.
O que se espera de um
presidente de país encalhado é principalmente tocar a administração.
Quando a maré subir, com eleitos no poder, tomam-se as grandes decisões.
Alguém me lembra que
isso é não é uma situação sonhada. Mas a que a realidade nos coloca.
Mesmo as eleições de 2018, embora tragam mais legitimidade aos eleitos,
não devem ser vistas na categoria de sonho, mas sim de uma oportunidade,
depois de tudo o que pessoas viram e ouviram sobre o sistema político
partidário.
Na rua ouvem-se muito
os nomes de Lula e Bolsonaro. Potencialmente pode surgir uma força de
equilíbrio que suplante as duas. Não creio que aconteça o mesmo que
aconteceu na França, onde houve uma ampla renovação, da presidência ao
Congresso.
Mas alguma coisa vai
acontecer. Enquanto a maré não sobe, há muito o que fazer no barco
encalhado. É preciso que o essencial funcione.
No momento em que
escrevo ouço os helicópteros da PM sobrevoando o morro. Uma dezena de
tiroteios por dia, uma onda de roubos de carga, imagens de crianças
deitadas no chão da escola enquanto os tiros ecoam.
Temer chegou a
anunciar um plano de segurança para o Rio. Era pura agenda positiva,
esse tipo de ação que fazem quando a barra está muito pesada e é preciso
mudar de assunto. A dimensão da crise no cotidiano, a existência de 14
milhões de desempregados, esse pano de fundo inquietante torna a tarefa
mais difícil. Quando governantes já caídos se apegam ao poder, na
verdade colocam seu destino acima do destino nacional. Os reflexos na
economia são sempre negativos.
Encalhamos um pouco mais.
A compreensão do
momento vai exigir da sociedade evitar que o barco encalhado torne-se um
barco naufragado. Será preciso um amplo entendimento entre todos que
reconhecem a gravidade da crise, para que cheguemos em condições
razoáveis em 2018.
Esta semana faltaram
passaportes na Polícia Federal. É um sintoma. Se não houver o mínimo de
energia na administração, daqui a pouco não faltarão apenas passaportes
mas as próprias saídas.
Não é nada agradável
se desfazer de dois presidentes num curto espaço de tempo. Mas o
roteiro, de uma certa forma, estava escrito. Retirado o PT do governo,
restaram em seu lugar os companheiros de uma viagem suja pelos cofres
públicos brasileiros.
A investigação chegou
a eles e à própria oposição. Não importa qual o desfecho jurídico desse
imenso esforço, ele serviu para desvendar para a sociedade um
gigantesco esquema de corrupção e um decadente sistema político
partidário.
Daí pra frente a bola está com a sociedade.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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