O jornal português
Observador fez cobertura jornalística melhor que a dos jornalões
brasileiros, que praticamente ignoram os acontecimentos na Venezuela sob
a ditadura de Nicolás Maduro. Há, inclusive, jornalistas brasileiros
presos. Segue a matéria:
Durante mais de dois
meses as ruas das principais cidades da Venezuela fora palco de
violentos protestos que envolveram oposição e apoiantes de Nicolás
Maduro, presidente do país que tem sido fortemente criticado pela
espiral de escassez e violência que envolve o país. Este domingo o país
vota para eleger 545 membros de uma Assembleia Constituinte mas os
protestos não acalmaram e os meios de comunicação locais estão a dar
como certas as mortes de pelo menos quatro pessoas.
Uma vítima é Ricardo
Campos, o secretário da Juventude da Ação Democrática (a coligação
oposicionista em maioria no Parlmento), que terá sido baleado na cidade
de Cumaná, no Estado de Sucre, segundo escreveu na sua conta no Twitter o
líder da Ação Democrática Henry Allup.
Outras duas vítimas
são Marcel Pereira e Iraldo Gutiérrez que, também segundo os deputados
da oposição, foram assassinados por “coletivos”, milícias paramilitares
de defesa da revolução, nas últimas horas, num protesto contra a
Assembleia Nacional Constituinte no estado de Mérida.
Também o candidato José Félix Pineda Marcano foi assassinado na sua casa, na Cidade Bolívar, dá conta o jornal venezuelano El Universal.
Pineda e a sua
família terão sido sequestrados no sábado à noite, depois de a sua
residência ter sido invadida por homens armados. O político trabalha com
menores e o lema da sua campanha era “Falando é que a gente se
entende”. Ainda não estão totalmente esclarecidas as motivações do
ataque, mas o jornal conta foram roubados vários bens. A polícia não
descarta, contudo, motivações políticas.
Relatos de voto “à força”. Maduro votou de madrugada.
São vários os relatos
que chegam à comunicação social de pessoas que se têm sentido
pressionadas para votar. O Observador tem acompanhado a situação na
Venezuela, através do contacto com luso-descendentes mas também falando
com pessoas que permanecem na Venezuela. Alguns fizeram-nos chegar
mensagens escritas e vídeos de reuniões entre patrões e empregados nos
serviços públicos, que dependem dos subsídios do Estado para alimentação
e habitação, onde se nota a pressão para irem votar.
O Presidente,
entretanto, já votou. E bem cedo, por volta das 6 da manhã — 11h00 de
Lisboa. No meio de uma condenação quase generalizada por parte da
comunidade internacional, Nicolás Maduro pediu “aceitação global” a este
voto. O local onde votou estava, contudo, vazio.
Segundo imagens
divulgadas pelo diário venezuelano El Nacional, o Colégio Miguel
Antonio Caro, situado na avenida Sucre de Catia, às oito da manha, quase
duas horas depois de Maduro ter votado, estavam apenas dez pessoas
presentes. Alguns venezuelanos no Twitter também vão dando contra
daquilo que parece ser, para já, uma adesão aquém das expectativas de
Maduro.
Mas Nicolás Maduro
quis dar o exemplo. “Quis ser o primeiro a dar o voto para a paz, a
soberania e a independência da Venezuela (…). Hoje é um dia histórico”,
disse Maduro depois de votar diante de alguns convidados internacionais
que foram convidados pelo Conselho Nacional de Eleições (CNE) para
observar o sufrágio.
Maduro nega qualquer
ligação do seu regime às mais de 100 mortes já registadas durante os
protestos contra e a favor da sua presidência, dizendo que a Venezuela
“aguenta, estoicamente, os ataques terroristas e a violência criminal”.
“Oxalá o mundo abra
os seus olhos sobre a nossa amada Venezuela, apaguem toda a sua campanha
imperial que se fez e estendam as suas mãos”, referiu Maduro, que vê na
Assembleia Nacional Constituinte um “superpoder que vai poder
reencontrar o espírito nacional”.
O Presidente declarou que a Venezuela é “um país em paz, exercendo o seu direito de voto”.
Chavistas “com esperança numa Venezuela melhor”
A agência de notícias
português Lusa está na Venezuela, e tem falado com algumas das pessoas
que decidiram ir votar este domingo.
“Onde há uma pessoa
como o Presidente (Nicolás) Maduro, que quer trabalhar, não vão poder
continuar metendo as mãos, e eles (os Estados Unidos) estão sempre
pendentes do que estamos fazendo, quais são os problemas económicos, mas
Maduro vai continuar a trabalhar e vai-nos dar paz e tudo o que os
venezuelanos queremos”, disse um eleitor à Agência Lusa.
José António
Hernández, 38 anos, oficial de segurança, explicou que levantou-se cedo
para votar, porque com a Assembleia Constituinte “vai haver paz,
abastecimento de alimentos, segurança para todos. Vamos viver
tranquilos, não será como antes”.
“Com as Forças
Armadas que temos, aqui não há medo, não há temor de que possam acabar
connosco. Não. Estamos aqui, lutando diariamente. Com o ministro da
Defesa que temos, Padrino López, que está no comando, fará todo o
possível, para que os Estados Unidos não continuem ‘metendo as mãos'” no
país, disse.
Do outro lado,
explicou, “há uns (opositores) que não querem deixar trabalhar o
Presidente Maduro e por isso com a Constituinte, vamos estar melhor”.
“Muitas coisas vão
mudar na Constituição, no que respeita à justiça e à segurança do país
para todos. O Clap (bolsa de géneros subsidiada pelo Governo) vai ter
mais alimentos e isso é o que esperamos”, explicou.
Segundo José António,
“tudo vai ser arranjado” e também vai terminar “a corrupção” que existe
no país e que, no seu entender, é da responsabilidade da oposição.
“Mas, já tudo isto
vai mudar, com a ajuda de Deus e do comandante supremo (Hugo Chávez,
presidiu o país entre 1999 e 2013). Convido todos os venezuelanos para
que venham votar, o processo é rápido e esta noite será de celebração de
uma vitória que passará os dez milhões de votantes”, disse.
Em Caracas, pelas
08:00 horas locais (13:00 horas em Lisboa) alguns centros eleitorais
registavam pessoas em fila para votar, no entanto em número bastante
inferior ao que se registaram nas últimas eleições presidenciais e
legislativas na Venezuela, inclusive em zonas como Cátia (oeste) onde
existem bolsas eleitorais afetas ao ‘chavismo’.
Apesar de o Conselho
Nacional Eleitoral ter dado instruções para limitar o acesso da imprensa
a 500 metros dos centros eleitorais, as rádios e televisões estatais
divulgaram imagens dos centros eleitorais, declarações, e do momento em
que votaram vários políticos afetos à revolução, em diversas partes do
país.
Ainda em Caracas, no
leste da capital, havia algumas barricadas, principalmente em Altamira e
Los Palos Grandes, que obrigavam os motoristas a procurar vias
alternativas.
Em urbanizações como
La Florida eram visíveis destroços de bloqueios parciais de ruas, que
não impediam as pessoas de passar a pé.
A circulação de
viaturas, nalgumas zonas da capital era bastante menor, mas eram
visíveis vários autocarros a prestar serviço aos passageiros em várias
zonas como La Candelária (centro), onde há registos de grande repressão
policial, durante a última noite.
El Paraíso e Montalbán (sudoeste) registavam ainda menos trânsito que noutras zonas.
A oposição
venezuelana, que decidiu não participar nas eleições, acusa Nicolás
Maduro de pretender usar a reforma para instaurar no país um regime
cubano, adiar as eleições e perseguir, deter e calar as vozes
dissidentes.
O que pretende Maduro com esta “Constituyente” e quais os argumentos a favor?
O que pretende Maduro com essa Constituinte?
Não disse. Os seus
apoiantes acreditam que, com um maior domínio sobre a oposição e uma mão
mais dura sobre a violência que se alastra no país, Maduro consiga
impor regras que permitam a toda a gente ter acesso a alimentos básicos,
que têm escasseado no último ano. Quem o apoia acredita que a oposição
tem criado fugas de alimentos para o mercado negro, onde são muito mais
caros, e até há notícias de que largas quantidades de comida tenham sido queimadas.
Quando anunciou este
voto, dia 1 de maio — não tendo primeiro realizado um referendo como
exige a Constituição — Maduro falou em “paz”, “estabilidade”,
“coerência”, “união” e todas essas palavras que, aos ouvidos dos 82% de
venezuelanos que atualmente vivem na pobreza, soam como um bálsamo.
“Estes grupos violentos não entendem que a violência não leva a lado
nenhum e que temos que dialogar apesar das nossas diferenças”, disse ao
New York Times Hermann Escarrá, conselheiro legal de Maduro que também
garantiu não estarem previstas mudanças radicais à Constituição
implementada por Hugo Chávez em 1999.
Nem toda a gente
concorda com os protestos generalizados, que impedem os negócios de
funcionar, fecham as ruas e barricam escolas e universidades. Há um
risco de que este cerco acabe por afetar maioritariamente os mais
pobres, que apesar de serem os que mais sofrem com a escassez de comida
por estarem isolados dos maiores centros de abastecimento, são também
aqueles que mais precisam de trabalhar — coisa que as greves
generalizadas impedem. “Não é justo, o governo encarcera aqueles que
protestam mas os que protestam estão a colocar-nos também numa espécie
de jaula”, disse uma jovem de 27 anos à agência de notícias Associated
Press, que tem estado no país a acompanhar o desenvolvimento dos
protestos.
Esta violência pode
ser a maior arma do regime, e a oposição está a fornecer munições na
medida em que, em alguns bairros, há notícias do estabelecimento de
“piquetes” que obrigam toda a gente que por ali passe a regressar a casa
ou a participar nos protestos. Na página Caracas Chronicles, Astrid
Cantor, analista política e médica, escreveu recentemente:
“Temos que nos afastar deste espírito guarimba — a tal instalação de
piquetes — porque se é preciso continuar a protestar também é preciso
que cada venezuelano esteja consciente que isto é uma luta a longo prazo
e, pelo caminho, é preciso que continuemos a construir a sociedade
inclusiva, justa e democrática pela qual protestamos”.
Problemas com a admissão de jornalistas
Esta semana, os jornalistas da SIC foram impedidos
de entrar na Venezuela, para onde tentaram viajar alegadamente
utilizando visto de turistas. A controvérsia tomou conta das redes
sociais: deveriam os jornalistas ter “respeitado” as regras de admissão a
um país que permanentemente atenta contra a liberdade de imprensa, prendendo e agredindo membros da comunicação social,
arriscando não poder cobrir a realização desta eleição? É uma discussão
legítima mas o que parece ser certo, segundo as Organizações
Não-Governamentais que têm exposto as dificuldades em cobrir de forma
livre o que se passa no país.
A organização Repórteres Sem Fronteiras (Reporters Without Borders — RSF) publicou recentemente um relatório intitulado “Os correspondentes não são bem-vindos à Venezuela”, onde ficam claros vários exemplos de violência e intimidação.
Sobre dois
jornalistas brasileiros, a RSF escreve: “Foram presos pelo Servicio
Bolivariano de Inteligencia (SEBIN), os serviços de informações
venezuelanos, detidos por mais de dez horas, submetidos a duros
interrogatórios, chamados de “terroristas” e ameaçados com prisão “para
sempre”.
Desde agosto do ano
passado, quando os protestos começaram a fazer notícia de primeira
página em vários meios de comunicação internacionais, mais de 20 equipas
foram impedidas de entrar no país, lê-se ainda no mesmo texto, onde
ficam também explícitos, em detalhe, alguns episódios de agressão. Em
fevereiro, o sinal da CNN em espanhol foi cortado na Venezuela. (Observador).
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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