Em "Princípios", texto publicado no Globo, o editor Carlos Andreazza faz uma confissão dos princípios que cultiva e fulmina o partido de Lula: "todo mundo pode ser criminoso, mas só o PT teve — tem — na corrupção um programa para permanecer no poder":
Um leitor me pergunta
sobre os fundamentos do que escrevo. É reflexão oportuna — gatilho para
tratar dos dias correntes. Tenho horror ao Estado, no que identifico a
opressão, e quero distância do governo, que considero ter fim em si
mesmo, e em que distingo, pois, um espoliador de riquezas para tão
somente alimentar a máquina — leitura que me faz um liberal em termos
econômicos.
Creio no indivíduo;
na capacidade do homem para resolver problemas e empreender. Não admito
valor maior que o da liberdade individual. Sou um conservador em matéria
política. Gosto da tradição. Fascina-me a experiência dos séculos — o
peso do conhecimento a sedimentar o edifício da civilização ocidental.
Oriento-me pela consciência de que as coisas admiráveis são facilmente
destruídas, mas raramente criadas. Tenho fé na obra dos que me
antecederam, e não a desguarnecerei para que grupos de pressão avancem
agendas que não estão entre as preocupações das gentes que vivem a vida
real.
Foi um longo caminho
até que alcançássemos, por exemplo, o estado de direito, a segurança da
propriedade privada e a ideia de família. É breve e mascarado, porém, o
tempo necessário para se implodir tudo — breve e festivo. Essa visão de
mundo é a que norteia o que escrevo, e dela decorre a análise política
que faço, por meio da qual pretendo reconhecer e desconstruir projetos
de poder — em cuja massa se encuba, sempre, o autoritarismo.
Segundo compreendo o
estudo do tabuleiro político, dedicar-se exclusivamente a acusar a
corrupção generalizada — sem lhe entender e explicitar origens, nuances e
propósitos diversos — é jogar para a galera tanto quanto enxugar gelo.
Em suma: histeria e esterilidade. Ocorre que o mundo não é feito apenas
de inocentes e estúpidos. Há também aqueles a quem esses são úteis.
O jacobinismo em
curso, que ceifa cabeças justiceira e indistintamente, engrossa com
sangue a lama do interesse daqueles cuja sobrevivência depende de
chafurdar a atividade política, igualando crimes como se da mesma
extensão e intensidade. Eu prefiro o mundo real. Nesse, é provável que o
PMDB de Temer seja uma organização criminosa, como afirma o açougueiro
da delação seletiva. Nesse, contudo, jamais o presidente e seu partido,
sócios minoritários na empresa de ascensão petista, terão sido
protagonistas da apoderação do Estado — como nos querem fazer crer Janot
e seu cavalo Batista.
É a própria história
do PMDB que resenha negativamente essa ficção escrita para o PT. A
variar em grau de engajamento, o partido compôs todos os governos desde a
redemocratização. Não de graça, sempre esteve a serviço do governante
de turno, acomodado ao segundo plano, fiel da balança da tal
governabilidade. O fato de só raramente haver disputado a Presidência é
autoexplicativo. O plano do PMDB é de ordem pecuniária e consistiu em se
federalizar, em se fazer presente em todo o país, mão de obra
nacionalmente organizada para ocupar cargos e lucrar de maneira
descentralizada, em benefício da caciquia regional.
Aplicado há 20 anos, o
golpe da reeleição, arte de Fernando Henrique Cardoso, representou o
marco fundador da corrupção conforme praticada hoje, modelo desenvolvido
e difundido, desde então, pelo PMDB, que inventou a figura do político
com valor de mercado, esse que faz negócio com tudo quanto seja ofício
do homem público, mas que — diferença importantíssima — beneficia-se da
alternância de poder, na medida em que essa, por sua natureza
democrática, dá legitimidade ao sistema e protege o establishment.
Jamais puros, a terem
de responder pelos crimes cometidos, os senhores de PMDB, PSDB, DEM
etc. nunca tiveram senão objetivos de ordem pessoal na corrupção.
O próprio advento —
gravíssimo — da reeleição, em benefício imediato de FHC, consistiu
nisso, num voo solo da vaidade. Solo e cego. Solo, cego e irresponsável.
Porque então veio 2002 — e o PT elegeu Lula presidente. Mais cedo
naquele ano, morrera — assassinado — Celso Daniel. Já então escolhido
para coordenar a campanha presidencial a que não chegaria (substituído,
não à toa, por Palocci), o prefeito de Santo André era o responsável
pelo principal projeto piloto de gestão petista, em cuja corrupção,
conforme a cartilha esquerdista, havia virtude: não se roubava (ao menos
majoritariamente) para bolsos privados, mas para o caixa do partido —
aquele que daria musculatura financeira ao projeto centralizado de poder
petista.
Nisso, no exercício
desse plano, está o cerne da distinção — o assalto ao Estado como meio
para tomar progressivamente o Estado, e alargar o Estado, rendido a
serviço do partido — e o motivo pelo qual não é aceitável tratar a
organização em que se estrutura o PT como pareada a qualquer outra.
O projeto de poder
petista não tem precedentes na história deste país porque desdobra o
autoritarismo moderno, que subjuga o capitalismo em campeões nacionais e
dilapida as instituições desde dentro da República, valendo-se dos
instrumentos da democracia representativa, em que não acredita, para
miná-la. Ou o leitor não se lembrará de Lula jactando-se de uma eleição
em que não havia concorrentes à direita? Ou de quando se comprometeu —
com sucesso — em extirpar o PFL do cenário político?
Todo mundo pode ser
criminoso, mas só o PT teve — tem — na corrupção um programa para
permanecer no poder. E dessa certeza nunca me distraio. Sugiro ao leitor
que a considere antes de qualquer embarque.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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