O professor e articulista Ricardo Vélez-Rodríguez - que
é colombiano de nascimento - analisa os motivos da derrota do
presidente Santos no plebiscito do último domingo, cujo objetivo era
referendar o acordo de paz entre o governo e os narcoterroristas das
Farc. Santos foi açodado, diz o professor, cedendo demais aos bandidos:
No Brasil não se
entendeu bem o índice exigido no plebiscito de domingo na Colômbia, de
13% dos votantes. É que lá o voto não é obrigatório. Dessa forma, o
acordo de paz seria aprovado, ou rejeitado, se alguma das opções
ultrapassasse esse limite, que corresponde a 4,5 milhões de votantes,
dentre os 34 milhões que poderiam fazê-lo.
Votaram efetivamente
13 milhões de colombianos. A abstenção foi grande: 62,57%. Eu torcia
sinceramente para que a Colômbia ultrapassasse esse limite da guerra
interna, que já dura meio século, e para que as vítimas desse conflito
tivessem as indenizações justas. Ponto importante era – e ficou faltando
– que a comissão de verificação observasse se, realmente, estavam sendo
colocados sobre a mesa todos os recursos que as FARC possuem, para que
com eles se pagassem as indenizações às vítimas. O ponto fraco observado
pelos opositores ao tratado de paz consistia nas penas muito fracas
assinaladas para os guerrilheiros, sendo que muitos deles cometeram
crimes gravíssimos. Como ficariam, perguntava o presidente Uribe, os
presos que pagam condenas por delitos menores? Será que eles são piores
que os guerrilheiros das FARC contemplados com penas muito menores?
O resultado das urnas
foi, como se sabe, negativo. É que o processo de paz colombiano foi
fruto do açodamento de Santos para capitalizar politicamente os louros
da pacificação. E, em decorrência disso, o atual presidente cedeu demais
às FARC, uma verdadeira ORCRIM de lavagem de dólares e de produção e
comercialização de cocaína, além das tradicionais atividades delitivas
praticadas durante décadas, de sequestro e chantagem contra os cidadãos e
o Estado.
O processo de
pacificação era necessário e a ele apontava a política traçada por Uribe
nos primórdios da reação do Estado colombiano contra o poder do crime
organizado, lá por volta de 2002. O primeiro passo, de derrota militar
das FARC e eficaz eliminação dos suas cabeças, foi conseguido no longo
período que se estende entre 2002 e 2014. Uribe foi o arquiteto dessa
estratégia. No contexto dela se deu a modernização das Forças Armadas,
que de 130 mil conscritos inexperientes passaram a 400 mil homens
profissionalizados e bem armados. Isso ficou e será fundamental nos
próximos passos. Gozado que o número de militares coincide, mais ou
menos, com os aproximadamente 300 mil mortos pela guerra nessa fase.
Santos, a meu ver,
cedeu demais na ânsia de que, ainda no seu governo, fosse assinado o
Tratado de Paz. Santos foi importante como Ministro de Defesa de Uribe e
executor da estratégia por ele traçada. Mas falhou nas negociações, que
deveriam ter tido representantes do grupo uribista, que dizia coisas
sensatas. Este grupo, embora importante, ficou do lado de fora por
pressão do governo atual. Algo semelhante se pode dizer dos grandes
grêmios econômicos, que congregam os industriais e os empresários
colombianos em geral. Eles ficaram sub-representados na Comissão de
Negociação.
Principal falha do
governo Santos: não fez um levantamento aprofundado dos imensos recursos
financeiros em poder das FARC. Não percorreu “o caminho do dinheiro”
dos meliantes, como dizem os promotores do Ministério Público brasileiro
em relação à Lava Jato. Moral da história: a sociedade colombiana ficou
com a pulga atrás da orelha. E os militares também. Necessariamente
deverá haver uma correção de rumo do Tratado, após o resultado das urnas
de domingo passado. Vamos a ver como as coisas evoluem. E o Brasil em
tudo isso? Ausência olímpica. Ruim. Era necessário fazer um balanço da
situação, a fim de ajudar no processo.
Ficou clara uma
coisa: os grandes centros urbanos colombianos votaram Não, ao passo que
as áreas mais distantes (Pacífico, Costa Atlântica, região Sul, onde
tradicionalmente se refugiaram as FARC) votaram Sim. Tanto as FARC
quanto o Governo deixaram claro que, apesar do resultado negativo do
pleito, optam por continuar negociando a paz. Ponto positivo.
O diálogo deverá ser
retomado, revisando as questões nebulosas, como a da responsabilidade
dos mandantes de crimes contra a Humanidade. Acho que um ponto negativo
das negociações foi o fato de estas terem se desenvolvido em Havana,
tradicionalmente um centro favorável às FARC. Deveria ter sido escolhido
outro lugar.
Com a palavra, agora,
os que comandaram a campanha pelo Não, em cuja cabeça está o
ex-presidente Uribe (que teve o mérito de submeter militarmente as
FARC). “Para problemas difíceis, soluções difíceis”. Esse parece ser,
hoje, o caso colombiano. O diálogo é importante hoje, mais do que nunca.
O Brasil que derrubou Dilma e que colocou Lula no banco dos réus, pode
ajudar muito nesta conjuntura. A negociação da paz não pode parar no
país vizinho, que já sofreu demais com a guerra.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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