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Num
último artigo(*) publiquei alguns textos da jovem francesa da Lorena,
Marie-Edmée Pau (1845-1871), extraídos de seu diário (**) e os fiz acompanhar de
brevíssima nota biográfica.
Para
minha surpresa, ao lado de manifestações de benevolência de leitoras, recebi
também expressões de profundo desagrado. Embora pouco numerosas, estas últimas
me fizeram refletir. Por que esse desagrado, com um evidente fundo de
irritação?
Não se
trata de um agastamento com o meu artigo, pois ele praticamente nada tinha de
minha autoria, mas sim azedume provocado pelos pensamentos da jovem lorena, nele
transcritos.
Por que
então essa animadversão em relação a pensamentos que, a meu ver, provêm de uma
alma inocente e tocam o sublime?
A
hipótese que me ocorre é que, involuntariamente, o diário de Marie-Edmée põe em
evidência uma oposição entre o modelo feminino de jovem católica, pura,
combativa por um ideal, que ainda se encontrava no século XIX, com o modelo
artificialmente criado pelas feministas ao longo de século XX, e que se espraia
pelo atual, de jovem autossuficiente, livre de compromissos morais e religiosos,
voltada unicamente para a realização de seus caprichos pessoais. As jovens que
ainda hoje admiram o modelo Marie-Edmée, e que podem ser numerosas, elogiaram o
artigo. As outras o abominaram.
Será
correta minha hipótese? Opine livremente a leitora, o leitor.
Para
ajudá-las(los) a formar sua própria opinião a esse respeito, transcrevo abaixo
mais alguns pensamentos de Marie-Edmée. E com isso encerro a
série.
Fé viva
“A vida
seria realmente um labirinto sem saída, um problema sem solução, se não
tivéssemos no Catecismo alguns ensinamentos cuja profundidade apenas há poucos
dias eu consegui penetrar: ‘Deus nos criou para conhecê-Lo, amá-Lo,
servi-Lo, e por esse meio ganhar a vida eterna’. Esse é verdadeiramente o
fim dessa sucessão de anos, de alegrias e de sofrimentos. Oh! por que não temos
nós sempre presente essa verdade? Por que tantos desvios numa rota que é
importante seguir sem demora?
“Na
capela da Visitação, vi num canto a Virgem do Carmo, que estendia seu manto
sobre as ordens religiosas. Sua fisionomia pálida e seu gesto místico me levavam
à contemplação enquanto eu meditava, no fundo de meu coração, sobre o estranho e
terrível mistério desta doçura sem fraqueza, desta força sem excesso, desta
energia sem rudeza, deste zelo sem violência.
“Eu me
lembro das cerimônias na admirável igreja de Saint-Nicolas de Port. Eu tinha 4
ou 5 anos e não sabia ainda rezar corretamente o meu Rosário, mas exultava de
alegria ao chamado dos sinos para a prece da tarde. A poesia de minha infância
está lá, escondida sob os pilares dessa catedral. [...] Oh! como tu és bela,
minha santa Religião.
Senso
psicológico
“Uma
grande mansão cinzenta, na praça Mangin, recebia de vez em quando nossa visita
[de Marie-Edmée e de seu irmão mais novo, Gérard Pau, futuro general Pau]. Após
ter subido os três degraus da escada, tocávamos a campainha e a porta se abria.
Depois, sempre silenciosamente, seguíamos o empregado que, após nos ter
anunciado, nos deixava na entrada de um grande aposento, no qual reinava uma
perpétua penumbra. Meu primo, que eu olhava como um personagem misterioso, velho
e curvado no seu robe de chambre, meneando a cabeça e sorrindo com um
sorriso que me fazia arrepiar de medo, estava sentado junto à lareira, numa
ampla poltrona de doente.
“No
lado oposto, sua bela e ainda jovem esposa trabalhava, sentada junto à janela,
enquanto sua irmã, a senhorita Amélia, junto a uma mesinha coberta de pequenos
trabalhos de mulher, tricotava fazendo meias.
“Nós,
Gérard e eu, éramos instalados num canto junto a outra janela, de onde podíamos
ver a praça; dois livros de gravuras eram abertos sobre nossos joelhos, e nossa
prima mandava trazer bandejas cheias de doces e bombons, com os quais a
senhorita Amélia abarrotava nossos bolsos. Sempre amei loucamente as gravuras,
mas prestava bem pouca atenção àquelas de minha prima. Para mim, a grande sala
formava um quadro muito mais interessante, e eu observava. Examinava as pinturas
insertas em grandes molduras, que guarneciam as paredes, e os personagens das
enormes tapeçarias que se misturavam às pessoas vivas.
“Eis,
sem dúvida, o que comunicava aos componentes desse trio as cores misteriosas das
quais eles sempre se revestiram aos meus olhos. [...] Tudo isso se instalara em
minha imaginação como um sonho no qual adquiriam vida duas ou três gerações,
misturando-se aos vivos. Tanto é assim que minha prima tão bela e desafortunada,
meu primo quase decrépito, a senhorita Amélia com suas histórias russas,
impressionavam-me tão a fundo como se fossem verdadeiros fantasmas.”
Pensamentos
vários
“Minha
divisa: ‘Quem sabe morrer não pode ser
vencido’”.
[Sobre seus
contemporâneos:] “Aos pés da Cruz eu os acho tão
culpados, tão absurdos, que compreendo o furor de Moisés e o chicote do qual
Jesus, doce e humilde, se serviu para expulsar os vendilhões do
templo.
“A
flor-de-lis é para mim o radioso símbolo da inocência e da liberdade moral;
emblema da pureza, dessa virtude sublime que nos liberta da vergonhosa
escravidão à matéria.”
[Dia 21 de janeiro, aniversário da
morte do Rei Luís XVI, guilhotinado pelos revolucionários de 1789, e do martírio
de Santa Inês:]
“Aniversário de uma grande vergonha francesa, de um duplo martírio: o de um rei
bom, santo e nobre, guilhotinado por seus súditos, e o de uma bela jovem romana,
nobre, pura como uma estrela, e como ela resplandecente: Santa Inês.”
[Sobre a perseguição aos católicos
poloneses e ao Papa Pio IX, em seu século:] “Há almas que, apesar de boas e
acessíveis ao bem, não fazem eco aos nobres infortúnios e às grandes dores. Tudo
quanto se passa fora do lugarzinho onde moram, do círculo de seus íntimos, dos
conhecidos de sua família, e mesmo por vezes fora de sua pessoa, é para elas
como não acontecido, não existe. A essas almas, o que lhes importam a Polônia, o
Papa e o restante dessa grande falange de heróis e de mártires contemporâneos,
que combatem por sua fé, por uma ideia ou pela pátria?”
[Falando dos que se calavam diante da
perseguição aos católicos da Polônia:] “Nem por isso eu creio menos na
justiça e no direito dessa causa, porque eu sei que foi em nome da lei de Moisés
que Jesus foi condenado, eu sei que os onze se escondiam em Jerusalém e que
Pedro renegava seu Mestre, eu sei que o último brado de Joana d’Arc no tribunal
que a condenou foi dirigido ao infame bispo de Beauvais. Ah! quantas coisas eu
tenho no coração a esse respeito...”
Alma sofredora e
combativa
“Se
fosse necessário que eu permanecesse sempre tão tranquilamente feliz como neste
momento, eu acabaria por definhar e morrer de tristeza; minha vontade amoleceria
como a corda molhada de um arco; no repouso minha alma perderia o vigor. Eu me
sinto melhor sofrendo e lutando. [...] Não trocaria meu futuro pelo de alguma
outra moça rica, que se casa com alguém para tornar-se alguma coisa: uma senhora
cuja vida se passa a conversar futilidades e a vestir-se.”
[Ao
saber que iria iniciar-se uma guerra entre a França e a Prússia
(1970):]
“Nós
[franceses] temos largamente merecido essa punição que começa. Mais do que os
outros crimes, a covardia não se lava a não ser no sangue. Ó Polônia, teu
abandono [pela França] clama por vingança. [...] Creio que a dor, para a
sociedade como para o indivíduo, é destinada a reerguer a natureza humana,
purificando-a, mas com a condição de ser compreendida. [...] Se a guerra é vista
apenas como uma decapitação de porcos, nós recuaremos alguns passos e
prepararemos nossa cama para ir novamente dormir. Antes morrer do que presenciar
tal coisa!”
[Previsão de castigos e regeneração
da humanidade, antes das aparições de Fátima:] “Em nosso tempo, nas aspirações
inquietas dos espíritos, na dúvida e na obscuridade que nos cercam do lado do
futuro, em certos brados de aflição que escapam aos Noés de nossa época, eu
creio com muitos outros numa revelação mais terrível que a do Sinai, mais
fecunda do que aquela feita a Pedro no dia de Pentecostes, creio num cataclismo
semelhante ao que pôs fim ao Império Romano e na regeneração que fundou a Idade
Média. E clamo do fundo do coração: ‘Senhor, santos! dai-nos santos!’”.
_________________________________
(*) Aos
interessados em ler o artigo anterior, ver:
http://ipco.org.br/ipco/oh-civilizacao-crista/#.V7qFCY-cHDc
(**) Marie Edmée Pau, Le Journal de Marie-Edmée, Plon, Paris, 1876.
Gregorio Vivanco Lopes é advogado e colaborador da ABIM
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terça-feira, 30 de agosto de 2016
Inesperada polêmica a respeito de pensamentos de uma jovem do século XIX
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