Luiz Costa/Hoje em Dia
As peças vendidas na loja de Sônia Valente são compradas de 50 fornecedores de todo o mundo
Investimento mais popular do país, a caderneta de poupança é destino
das economias de quase 60% da população. O problema é que a queridinha
dos brasileiros tem ganhado ares de vilã. No primeiro trimestre do ano,
quem optou pela modalidade para guardar ou ganhar dinheiro, acabou, na
verdade, perdendo. Ela deixou, inclusive, de proteger o patrimônio.
O que acontece é que a inflação alta vem engolindo a rentabilidade da
poupança. Cálculo feito pelo diretor-executivo da Associação Nacional
dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac),
Miguel Ribeiro de Oliveira, mostra que enquanto a aplicação mais
utilizada no Brasil rendeu 1,72% entre janeiro e março, a inflação
oficial medida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) avançou 3,83%. O resultado é uma perda real da poupança de
2,07%.
Analisando só o mês de março, quando a rentabilidade da caderneta foi
de 0,51%, ante um aumento de preços de 1,32%, o prejuízo fechou em
0,80%.
O analista de mercado e professor da Faculdade Horizontes Paulo Vieira faz as contas na ponta do lápis.
“Considerando um valor de R$ 1.000 depositado durante um mês, o
rendimento seria de R$ 5,17 no período, o que, incorporado ao capital,
daria R$ 1.005,17 após 30 dias. No entanto, como a inflação foi de
1,32%, a poupança deveria render, apenas para empatar com a inflação, R$
13,20, perfazendo um saldo de R$ 1.013,20 ao final do mês. O que não
aconteceu. Ou seja, a perda monetária chega a R$ 8,03”, afirma.
Em outro exemplo, usando como base as taxas de inflação e a
rentabilidade da poupança no primeiro trimestre de 2015, além da
aplicação dos mesmos R$ 1.000 na poupança, o professor calcula que é
como se R$ 21,10 tivessem escorrido pelo ralo.
“A poupança é uma aplicação de fácil apelo e liquidez. Mas a última
coisa que quem aplica deve pensar é em ganhar. No máximo, a pessoa
diminui o prejuízo que teria se o dinheiro estivesse embaixo do
colchão”, diz Paulo Vieira.
E o pior é que analistas preveem que a perda deve se repetir muitas
vezes neste ano. Segundo especialistas, esse tipo de aplicação só
voltará a ser atrativo quando o dragão der uma trégua, cenário fora do
radar em 2015.
“Do jeito que a economia anda patinando, tudo leva a crer que a
inflação irá ultrapassar a casa de 8% neste ano. Até o Banco Central já
admite esse panorama. Então, se a pessoa tiver até R$ 10 mil e não for
precisar do dinheiro a curto prazo, é aconselhável buscar outras
alternativas, como Fundos de Renda Fixa, Certificado de Depósito
Bancário (CDB) ou Tesouro Direto”, afirma o professor.
Além da voracidade do dragão, contribui para a queda da atratividade da
poupança a escalada da taxa básica de juros. Em março, o Comitê de
Política Monetária (Copom) aumentou mais uma vez a Selic, para 12,75% ao
ano, o maior nível em seis anos. E a perspectiva é a de que um novo
aumento pode vir na próxima reunião.
“Com uma Selic a quase 13%, praticamente qualquer investimento se torna
mais atrativo que a poupança, mas os brasileiros não sabem disso e
acabam perdendo recursos”, afirma o presidente da Associação Brasileira
de Educação Financeira, o consultor Reinaldo Domingos.
A exceção, segundo ele, vale para investimentos a curto prazo, de até
seis meses. A poupança também pode funcionar para a formação de uma
pequena reserva para situações de emergência, já que existe a
possibilidade de resgate do dinheiro a qualquer momento, sem cobrança de
taxa ou multa.
Alta do custo de vida pressiona saques, e saída de recursos é a maior da história
Além da rentabilidade baixa, a caderneta vem sofrendo outro golpe: com a
disparada do custo de vida, os brasileiros estão raspando as
economias.
Segundo dados do Banco Central, em março deste ano, a poupança
registrou a maior fuga de recursos da série histórica, iniciada em
janeiro de 1995, e bateu um novo – e indigesto – recorde pelo terceiro
mês seguido. Com o reajuste das contas de água e luz e aumento do preço
da gasolina e dos impostos, as pessoas fizeram mais saques do que
depósitos. E o resultado para o mês foi um saldo negativo de R$ 11, 43
bilhões.
“O consumidor acaba retirando o dinheiro da poupança porque o salário
já não dá para cobrir todas as despesas. E não faz sentido ter recursos
na caderneta rendendo 0,5% ao mês quando se tem de pagar juros de 10% a
12% pelo cheque especial ou cartão de crédito”, aponta o diretor da
Anefac, Miguel Ribeiro de Oliveira.
E a tendência é a de que os saques continuem superando os depósitos.
“Inflação crescente, aumento do desemprego, renda contida. Tudo isso
dificulta fechar o orçamento no azul. E até o final do ano, quando é
pago o 13º salário, os trabalhadores não terão refresco. Certamente a
poupança vai sofrer”, avalia o analista Paulo Vieira.
Sobrou até para o cofrinho de casa. Segundo a comerciante Aleida
Moreira de Andrade, dona da Para Casa Utilidades Domésticas, as vendas
de cofres de gesso cresceram neste ano. “Por necessidade, muitos
clientes quebraram o cofre antigo para resgatar a economia e voltaram
para comprar um novo”, diz.
Na Fabiano Valente, na Savassi, o freguês encontra nas prateleiras
quase 500 tipos de cofres. Os preços variam de R$ 20 a R$ 200. “Eu mesma
já consegui juntar R$ 2 mil para uma viagem”, conta a sócia da loja,
Sônia Valente.
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